domingo, outubro 24, 2004

Chico Buarque "Budapeste"

“Devia ser proibido debochar de quem se aventura em língua estrangeira. Certa manhã, ao deixar o metro por engano numa estação azul igual à dela, com um nome semelhante à estação da casa dela, telefonei da rua e disse: aí estou chegando quase. Desconfiei na mesma hora que tinha falado besteira, porque a professora me pediu para repetir a sentença. (…)”

“Kriska se despiu inesperadamente, e eu nunca tinha visto corpo tão branco em minha vida. Era tão branca toda sua pele que eu não saberia como pegá-la, onde instalar as minhas mãos. Branca, branca, branca, eu dizia, bela, bela, bela, era pobre meu vocabulário. (…)”

“(…) E assim permanecemos outra meia-hora, ela dentro de si e eu imerso no silêncio dela, tentando ler seus pensamentos depressa, antes que virassem palavras húngaras. (…)”

“Além de expostos de longo a longo na vitrine, havia uma pilha deles no balcão. As pessoas entravam, passavam a mão num exemplar e se acertavam no caixa, quando não iam directamente ao caixa como quem compra cigarros: me vê um Ginógrafo. Outros se chegavam, davam uma olhada nas estantes, apuravam o preço dos importados, bordejavam a bancada com os lançamentos recentes, acabavam topando a pilha sobre o balcão; está saindo à Beça, dizia o livreiro, ou, até ao Natal bate os cem mil, e essa espécie de recomendação era tiro e queda, mais um Ginógrafo embrulhado para presente. Postado no centro da pequena livraria, num pedaço de tarde perdi a conta dos fregueses que saíram com meu livro. Passavam por mim sem me olhar, esbarravam em mim sem imaginar quem eu fosse, e aquilo me enchia de uma vaidade que havia muito tempo eu não sentia. (…)”

“(..) Enquanto isso, o canalha escrevia o livro. Falsificava meu vocabulário, meus pensamentos e devaneios, o canalha inventava meu romance autobiográfico. E a exemplo da minha caligrafia forjada em seu manuscrito, a história por ele imaginada, de tão semelhante à minha, às vezes me parecia mais autêntica do que se eu próprio a tivesse escrito. Era como se ele tivesse imprimido cores num filme que eu recordava em preto-e-branco, oh, Kósta, essa festa de Ano-Novo, essa canção do Egito, esse alemão sem pelos, eu não suportava mais escutar aquilo. E uma noite, na cama, saltei sobre Kriska, atirei longe o livro, segurei-a pelos cabelos e assim quedei, arfante. O autor do meu livro não sou eu, queria lhe dizer, mas a voz não me saía da boca, e quando saiu foi só para falar: é só a ti que tenho.”

sábado, outubro 23, 2004

O que existe de comum entre "O Código da Vinci" e Marcelo Rebelo de Sousa?

Uma curiosa carta de uma leitora à Grande Reportagem de hoje:

“Deixou-me perplexa (…) a resposta de Carlos Amaral Dias (ao que parece psiquiatra) ao afirmar de pronto que, se mandasse no Mundo, ‘proibia o Código da Vinci’. (…) Enquanto me refazia da azia provocada pelo que acabara de ler, pensei que, afinal, não deveria ficar assim tão admirada. Ainda há poucos dias um famoso comentador político foi despachado de um canal de TV precisamente por ser demasiado objectivo e imparcial nas suas análises, de tal forma que, ao que parece, incomodava alguém. Afinal, Amaral Dias apenas deverá pertencer à mesma escola de quem conseguiu tal proeza. (…) Já agora proveito para dizer que li o livro que tanto aflige Amaral Dias e gostei imenso”

O que será que existe de comum entre o “Código da Vinci” e as análises “objectivas e imparciais” do professor? Melhor ainda: o que será que existe de comum entre “O Código da Vinci” e alguém que acha que as análises do professor eram “objectivas e imparciais"? Mas, ainda melhor, o que será que existe de comum entre quem lê o “Código da Vinci” e gosta e quem acha que Marcelo foi “despachado” por causa das suas análises “objectivas e imparciais”? Será que provavelmente são a mesma pessoa? E então o que é que isso diz sobre o “Código” e, sobretudo, sobre Marcelo? Perguntas com resposta implícita.

Uma pergunta

Uma pergunta: Será que o JN pagou por esta entrevista com Carlos Cruz? Será que a Caras pagou pela pré-publicação de um excerto do livro de Carlos Cruz? Será que é a mesma coisa?

sexta-feira, outubro 22, 2004

Faça-se uma revolução!

Obrigar os militantes de um partido político a eleger os seus líderes por voto secreto é tão insano como obrigá-los a fazê-lo por braço no ar. Não faz qualquer sentido e o Partido Comunista tem razão em fazê-lo “sob protesto”. Na verdade até me admira que o faça sem mais chinfrim. Justificava uma revolução! Talvez a explicação seja que no fundo já há muito o desejassem.

quinta-feira, outubro 21, 2004

Televisão pública ou privada?

É curioso o frenesim que se levantou a propósito as declarações de Morais Sarmento sobre os limites à independência do serviço público de televisão. O ministro emitiu a opinião de que competia ao governo definir o modelo de programação da televisão pública e que devia haver limites à independência dos operadores públicos na execução desse modelo de programação (sobretudo como forma de acautelar a respectiva gestão financeira). Mas a ideia que passou para a opinião pública – e foi literalmente afirmada nalguns meios de comunicação - foi de que o ministro tinha dito que ao governo competia definir a programação (nalguns casos falou-se mesmo na grelha de programas) e que devia haver limites à independência da informação (ou seja, dos jornalistas). E isso são coisas bem diferentes.
Admito que o governo tenha intenções não ainda claramente explícitas acerca da televisão e que as suas posições sobre esta matéria nesta altura possam servir esses fins. Mas também me parece que poucos governos terão apanhado na sua posse um “estado de desgraça” como este, em que qualquer declaração de um ministro, por menos inepta que seja (e têm-no sido muito muitas vezes), gera uma vaga de notícias e comentários críticos de que não há memória e que, na sua sequência quase “orquestrada” geram o sentimento público de que o governo está à beira do abismo. Esta semana tem sido exemplificativa disso mesmo: dos problemas da educação ao ministro Gomes da Silva, passando por Morais Sarmento, pela sesta do PM ou pelas suas declarações na Alemanha, para já não falar no “ameaço” anti-Portas relacionado com as operações de salvamento em Aveiro (outros exemplos haverá), o Governo parece perfeitamente descoordenado e incapaz de uma acção política eficaz e coerente. Provavelmente está-o e é-o de facto, mas a verdade é que, como o exemplo inicial demonstra, se torna difícil distinguir onde termina a inépcia do governo e começa a sua “má imprensa”. Provavelmente uma estimula a outra.
O que o ministro Sarmento de facto disse é menos grave do que aquilo que lhe foi atribuído, mas não deixa de fazer alguma confusão entre política e administração. Ao governo compete definir as linhas gerais do serviço público de televisão (incluindo as suas linhas financeiras) e nomear uma administração que ponha essas políticas em prática. À administração compete, com independência, e mediante os seus directores respectivos, tomar as decisões de programação e informação atinentes a esse fim. Não comete ao governo decidir se a RTP deve ou não transmitir jogos de futebol no horário nobre, mas compete-lhe definir (ou participar na definição) de se o futebol faz parte da noção de serviço público, assim como de quanto deve custar esse serviço público. Isto está muito perto do que o ministro disse e não merece crítica: merece reflexão.
Claro que todos conhecemos a tentação dos sucessivos governos em instrumentalizar a televisão pública aos seus interesses políticos e é por isso que o serviço público está – correctamente - estipulado em lei. Mas esse facto torna a televisão pública uma excepção positiva, e não negativa, no quadro dos meios de comunicação social em Portugal e isso parece ter esquecido pela maior parte dos comentadores. Ou seja, informalmente tudo é discutível, mas, do ponto de vista formal, a RTP está hoje mais protegida contra ingerências superiores na sua informação do que a SIC ou a TVI. Evidentemente que Miguel Pais do Amaral interfere directa ou indirectamente (através do director respectivo) na programação na estação (decide se a Quinta das Celebridades deve ir para o ar e a que horas). E, como se viu, pode não resistir à tentação de influenciar também a informação da estação, tendo como únicas salvaguardas da Lei da Televisão e da Lei de Imprensa.
No que se refere a interferências na informação, obviamente, elas dependem da Lei de Imprensa e da capacidade das redacções para zelarem pela sua aplicação: temos ouvido mais vezes posições acutilantes da redacção do Público do que da redacção do DN e facilmente especulamos que uma nomeação como as recentes do grupo Lusomundo não seriam pacíficas no Público e pressões como as de Pais do Amaral seriam inaceitáveis.
Mas, mais do que isso, porque razão aceitamos como normal que a administração de uma televisão privada determine as linhas mestras da sua programação e não aceitamos que o governo o faça em relação à televisão pública? É verdade que, como diz Morais Sarmento, é o Governo que responde perante os eleitores, tal como o conselho de administração da TVI responde perante os accionistas. Então porque razão há-de o governo ser coarctado na sua acção nesta matéria por mais limitações do que uma entidade privada correspondente? Acaso achamos que o governo não é uma pessoa de bem e necessariamente actuará de má-fé se for deixado em rédea livre? Ou, pelo contrário, achamos que os accionistas da TVI são pessoas de bem cuja actuação se pautará pela mais estrita ética e legalidade mesmo que ninguém esteja a olhar? Ou seja, a questão não está em eliminar as limitações que como comunidade achamos que devem existir para a acção de um governo sobre a televisão pública. Mas, se, como comunidade, acharmos que tais limitações se justificam, a questão está em estendê-las a todas as entidades que prestam serviço de televisão. A Galp tem que respeitar as mesmas regras que a Shell, não tem que respeitar mais.
A consequência lógica é, como muito bem diz Pacheco Pereira, que não haja televisão pública. Mas o que eu pergunto é: não havendo televisão pública acaso diminuirão as interferências superiores, económicas ou políticas, sobre a programação e informação das televisões privadas? Claro que não! Por isso é que devem existir, em todos os meios de comunicação, redacções fortes capazes de defender a independência da informação, por isso é que deve existir um serviço público de televisão capaz de manter os standards da emissão e por isso é que deve existir uma entidade reguladora efectiva e poderosa capaz de aplicar as mesmas regras a tudo o que seja igual.O que não faz sentido é que sejamos mais exigentes com uma entidade pública que é escrutinada pelo voto do que somos com uma entidade privada escrutinada apenas pelos seus accionistas. Não podemos dizer que a primeira questão nos diz respeito e a segunda não. A importância que a televisão tem hoje em dia numa sociedade faz com que essa questão nos diga respeito a todos. Morais Sarmento gostaria certamente de ter junto da RTP o à-vontade que Pais do Amaral tem na TVI, mas, pelo contrário, o que devemos é, salvaguardadas as devidas distâncias entre uma televisão serviço público e outra de serviço privado, colocar a Pais do Amaral o mesmo grau de exigência que considerarmos necessário para Morais Sarmento. E isso, obviamente, deve ser feito por uma autoridade reguladora que comece por fazer cumprir a lei da televisão…

terça-feira, outubro 19, 2004

The Colour of Spring

Forget our fate
The pedlar sings
Set up to sell my soul
I've lived a life for wealth to bring

And yet I'll gaze
The colour of spring
Immerse in that one moment
Left in love with everything

Soar the bridges
That I burnt before
One song among us all

Mark Hollis, 1998

O Jornalismo na Era Digital

No Jornalismo e Comunicação descobri esta interessantíssima citação de um texto de José Luis Cébrian (elegantemente intitulado "El periodismo en los tiempos del cólera") a propósito do papel do jornalismo e das novas tecnologias, nomeadamente a internet:

""(...)Las tecnologías avanzadas, de alguna manera, nos devuelven a la prehistoria del periodismo. En la sociedad de la información los canard parisinos y los gazzetanti venecianos campan por sus respetos. En la Red, las noticias se mezclan con los rumores, los engaños o las fantasías, y se venden por menos de una gaceta, porque se ofrecen de forma gratuita"(...)Las tecnologías avanzadas, de alguna manera, nos devuelven a laprehistoria del periodismo. En la sociedad de la información los canard parisinos y los gazzetanti venecianos campan por sus respetos. En la Red, las noticias se mezclan con los rumores, los engaños o las fantasías, y se venden por menos de una gaceta, porque se ofrecen de forma gratuita (...) Pero no debe haber sitio para el temor ni la desesperanza. Al cabo, ¿no será mejor leer en una pantalla de cristal líquido, flexible, bien iluminada, con grandes letras, y capacidad de enlaces a otros temas a través del hipertexto, que hacerlo en un papel con cara de añoso, mal impreso y lleno de imperfecciones? Lo que sucede es que un periódico en la Red no es un periódico: no sale periódicamente, sino que se renueva de continuo; disfruta de la convergencia entre textos, vídeo y audio; y puede dirigirse a un mercado planetario, sin fronteras geográficas ni temporales que lo impidan. En la sociedad de la información, la humanidad se adentra en un mundo desconocido y sorprendente para ella: es necesario comenzar a construir casi desde los cimientos".


"Orelhas" e "champanhe"

Ainda não consegui chegar ao link da TSF relativo à crónica do Fernando Alves do dia 18/10/04. Mas valia a pena ouvir. Juntarei o link assim que ficar disponível.
O futebol tem o sortilégio de sempre ter conseguido surpreender-me mesmo quando já julgava isso impossível. A polémica a propósito da companheira de Pinto da Costa e da sua presença no Benfica-Porto de domingo trouxe o debate entre dirigentes até um degrau bastante rasteiro, com referâncias a "orelhas" e "champanhe". De parte a parte, mas sobretudo da parte de José Veiga que, a cada nova declaração pública, parece querer confirmar que o uso de gravata não significa nada.
É verdade que cada povo tem os dirigentes que merece, mas já era tempo de estes senhores - todos eles! - entenderem que estão investidos de um papel importante e devem comportar-se à altura, não dos seus próprios padrões de comportamento, mas do que deve ser o exemplo para alguns milhares de associados e alguns milhões de adeptos.

Pode a política ser "inactiva"

Segundo o ministro Gomes da Silva, Marcelo estava na "política activa" quando comentava para a TVI. Mas o que significa concretamente a expressão "política activa"? Haverá um oposto para ela, como "política inactiva" ou "política passiva"? Não será pela sua própria natureza, a política, toda a política, "activa"? A ausência de tomada de posição política é em si mesma uma acção política. O que sucita todo um mundo de reflexões (que fico a dever à estampa virtual).

Correcto e afirmativo

O ministro Rui Gomes da Silva pode parecer um pouco tonto, mas esteve certo em duas frases:

Não houve nenhuma pressão para acabar com o programa. Houve combate político. Estamos na fase do combate político. Havia uma pessoa que por acaso era do meu partido que tinha um interesse não coincidente com aquele que eu entendo. O que eu fiz foi, exercendo a liberdade de expressão que me é reconhecida, dizer aquilo que penso.”

As pessoas envolvidas dizem que não houve pressões, mas há a presunção de que existem. Ou seja, inverte-se o ónus da prova. O ónus da prova deixou de ser da responsabilidade de quem acusa e passa a ser de quem é acusados. Os acusados têm que provar que não é verdade aquilo que se diz? A insinuação é prova de direito em Portugal?”

sábado, outubro 16, 2004

Volta Marcelo, estás perdoado!

A regência é um período em que o verdadeiro chefe do poder não está lá e fica outro para tomar conta. Tem de fazer qualquer coisa, pode ser um ‘entertainer´ escolhido dentro do grupo de amigos (…) Este regente distrai à brava a oposição, promete e despromete todos os dias a mesma coisa, o que é típico do ‘entertainer’, e não tem nenhuma capacidade para servir o país (…) Ele é claramente incompetente. Não é conhecido por ser bom decisor, nem na vida privada, nem na gestão autárquica.
Belmiro de Azevedo sobre Santana Lopes, no Expresso

quarta-feira, outubro 13, 2004

Será que ouvi bem !!??

"Estamos disponíveis para salvar o sector da saúde, introduzindo-lhe maior competitividade"
Salvador de Mello, presidente da José de Mello Saúde
in Público

sexta-feira, outubro 08, 2004

Santana em lume brando

Acho que até Marcelo Rebelo de Sousa ficou supreendido com o impacto público da sua decisão. Não com o sentido das manifestações, que certamente o professor previu e antecipou, mas com a magnitude atingida.
Nos debates televisivos da noite alguém perguntava se Marcelo iria esclarecer a opinião públcia sobre o que realmente se passou ou se iria deixar Santana "em lume brando", foi esta a expressão. Os dois comentadores que ouvi sobre esta matéria foram unânimes em achar que Marcelo iria esclaracer a opinião pública mas eu, logo quando a pergunta foi feita pensei imediatamente: "lume brando, claro!"
Um "processo de intenções políticas" sobre esta matéria permite perceber porquê. Se Marcelo quer somente manter a sua imparcialidade de comentador e mesmo preservar a sua imagem (que vale dinheiro), virá aproveitar a onda para maximizar os seus efeitos e fará uma conferência de imprensa para dar a sua versão - naturalmente picante - dos acontecimentos. Se o que pretende é desgastar a liderança de Santana em nome de um projecto presidencial (seu ou do "seu" candidato), então não se pronunciará publicamente sobre este matéria alegando confidencialidade e deixará Santana em lume brando. Como é óbvio, aposto na segunda hipótese.

Portas, o político

Já repararam como Paulo Portas tem passado ao lado de todas as polémicas que têm assolado estes agitadíssimos dois meses de santanismo. Alguém escreveu, em tempos, que Santana estava a milhas da sagacidade política de Durão e que seria presa fácil para o "faro" poltíco de Portas. Os últimos dois meses têm dado inteira razão a esta observação. Na questão presidencial do PSD e nas guerras que internamente se vão lutando, quem mais beneficia é Paulo Portas, que, com posições claras, assegura primeiro que tudo o seu próprio eleitorado, como aconetceu no caso do "barco do aborto" e agora com o caso "Marcelo". Para o PP a questão é primeiro que tudo um problema do PSD, mas não passa de uma questão laboral entre uma entidade empregadora e um seu assalariado, o que torna incompreensível a audiência presidencial a Marcelo. Ao contrário do que acontece com o PSD, o PP não está hipotecado ao presidente, como mais uma vez demonstrou. E isso dá-lhe votos dentro do seu segmento do "mercado" eleitoral. Mais: a questão presidencial surge no PSD por causa do PP, mas o PP passa-lhe completamente ao lado proque sabe que um PSD fraco e dividido é um PP forte. Ou seja, Paulo Portas e o PP estão a pensar apenas e só nas legislativas. Para o Partido Popular, primeiro está o partido e só depois a coligação. É PSD que está a arcar com o desgaste de suster um governo de coligação entre dois partidos. Portas está a ser politicamente inteligente e Santana não conseguiu ainda fazer-lhe frente.

Jogo político

Claro que o caso"Marcelo" merece ser discutido, antes de tuudo o mais, à luz da questão da concentração do meios de comunicação social e da sua influência sobre a informação. Essa é um problema a meu ver insuficientemente debatido e aquele que mais carece de debate, porque é o que mais nos pode afectar como colectividade. Tudo aponta para que o grupo Media Capital tenha influenciado a política editorial de um dos seus meios (a TVI) em função de negócios que possui noutras áreas. Presumo que uma boa parte da motivação do presidente para receber Marcelo é precisamente essa, como "fez saber" ao público. Embora me pareça a mais importante, esta faceta do problema ainda foi muito pouco discutida, independentemente de se provar ou não que houve tentaiva de influência da administração da Media Capital sobre a política editorial da TVI. Ou seja, mesmo que tal influência não tenha existido, a questão continua a merecer debate porque continua a ser pertinente.
Por outro lado, o caso "Marcelo" também merece ser discutido, embora menos, no sentido de determinar se houve ou não algum nexo de causalidade entre declarações ou acções de membros do governo e a demissão do comentador. A provar-se tal nexo estaríamos perante uma ingerência do governo numa matéria que claramente não lhe compete, com as necessárias consequências institucionais e políticas. As audições parlamentares que vai haver e uma parte das notícias sobre esta matéria vai tratar desta questão.
Por fim, o caso "Marcelo" vai sem dúvida ser profusamente discutido - nomeadamente nos blogues - naquela que, embora interessante, é a menos importante das suas vertantes: o jogo político-partidário. As declarações de Cavaco Silva sugerem que há uma batalha no interior do partido em torno da questão presidencial. Existia essa batalha antes de Santana ser primeiro-ministro e naturalmente a questão não se esvaiu em fumo depois disso. Há certamente duas facções a digladiarem-se no interior do partido e a questão presidencial é um dos motivos dessa "guerra" surda.
Em suma, a discussão que se fará do caso "Marcelo" será inversamente proprorcional à importância da coisa discutida.

quinta-feira, outubro 07, 2004

Merece reflexão

"Só há duas formas de lidar com a comunicação social. Ignorando-a, como Cavaco Silva, ou alimentado-lhe o ego, como António Guterres."
João Marcelino, Correio da Manhã

Ironia marcelista

Cito a TSF à cata de Marcelo Rebelo de Sousa no final da audiência em Belém: "à saída nem uma palavra." Mas que ironia!

Caso "Marcelo"

Este é claramente um processo em curso e ainda com contornos por definir. A possível intervenção do presidente pode dar-lhe um eco ainda maior. Mas cito Vital Moreira para dar como adquiridos alguns factos e três perguntas incómodas:

"Factos:
a) Um Ministro condena duramente o comentário político dominical de MRS na TVI;
b) O visado reserva-se o direito de responder no próximo programa;
c) Depois de uma conversa com o proprietário da estação, por inicitiva deste, MSR anuncia a imediata cessação do seu programa;
d) MRS não dá explicações para esta súbita decisão, dizendo somente que durante mais de quatro anos sempre pôde conceber e executar "livremente" o seu programa, deixando entender que essa liberdade teria deixado de existir.

As perguntas são óbvias:
(i) O que é que Paes do Amaral disse a MRS, para forçar este a abandonar o programa, que claramente fazia com inexcedível gozo?
(ii) O que é que levou Paes do Amaral a provocar o fim de um programa que evidentemente trazia enormes vantagens à estação?
(iii) O que é que o Governo teve a ver com isso?

Impõe-se uma resposta inequívoca a estas perguntas. E URGENTE!"

quarta-feira, outubro 06, 2004

Aldeia Global

Li isto num blog, mas já não sei qual. Devia citar a proveniência e com gosto o faria se a soubesse. De qualquer modo, porque me parece lapidar para o mundo moderno, aqui vai:

"Se fosse possível reunir a população mundial numa aldeia de 100 pessoas mantendo as proporções de todos os povos existentes no mundo, essa aldeia seria composta do seguinte modo:

- 57 asiáticos
- 21 europeus
- 14 americanos (norte, centro e sul)
- 8 africanos
- 52 seriam mulheres e 48 homens
- 70 seriam não cristãos
- 30 seriam brancos
- 6 pessoas possuiriam 59% da riqueza do mundo inteiro e todos seriam dos EUA
- 80 viveriam em casas sem condições de habitabilidade
- 70 seriam analfabetos
- 50 sofreriam de subnutrição
- 1 estaria para morrer
- 1 estaria para nascer
- 1 possuiria um computador
- 1 teria uma licenciatura"

Agora imaginem o que seria a vida nesta aldeia... e perceberão porque razão o mundo está como está!

O fim de uma era?

"É uma decisão natural sem dramatismos. Até ao congresso continuarei a desempenhar cabalmente as minhas funções tal como o tenho feito há mais um ano, isto é desde de que dei conhecimento aos órgãos executivos do partido". Carlos Carvalhas, no Público.

Será que li bem? Dando como boas as declarações (não conheço razão para o não fazer), há mais de um ano que os órgãos executivos do partido sabiam da decisão. E não se soube nada? Nem uma fugazinha para um jornal? Nem um "disse à esposa, que disse à amiga, que disse ao primo, que disse ao jornal"? Haverá outro partido português - ou de qualquer democracia ocidental - no qual uma informação com o peso desta permanecesse em segredo? Este é um bom exemplo daquilo que distingue o PCP dos restantes partidos portugueses e provavelmente de todo o mundo democrático. E é, independentemente de tudo o resto, admirável em si mesmo.
O PCP foi forjado na clandestinidade e o segredo tem por lá certamente um valor diferente do que tem nos outros partidos. O centralismo democrático também moldou ao longo do anos os comportamentos admissíveis nos membros do partido tornando-os mais "cúmplices" uns dos outros.
Mas essas são apenas duas partes da explicação deste fenómeno. A terceira resulta do facto de o PCP ser um partido "do antigamente": cheio de velhos, de velhos métodos e de velhas ideias. E uma dessas ideias é a de que a política faz-se em nome de valores pelos quais temos o dever de lutar independentemente dos nossos interesses. É isso também que forja a cumplicidade entre os membros de um partido, uma cumplicidade capaz de manter um segredo como este inviolável durante tanto tempo.
Nos partidos "modernos" das democracias liberais, o móbil para a acção política é mais vezes os interesses (invididuais ou colectivos, é irrelevante) do que as verdadeiras convicções políticas ligadas à crença em determinado valores pelos quais a sociedade se deve reger. Num partido liberal - dou o PP como exemplo - uma informação como aquela não permaneceria em segredo mais do que uma semana.
É também por isso que a extinção do PCP ou a sua conversão à democracia liberal (não me parece que vá acontecer agora, mas está agora naturalmente a ser discutida) representará o fim de uma era, não só em termos nacionais, mas também, de certo modo, em termos internacionais. Este é o último dos "velhos" partidos comunistas. É por isso o representante de outros tempos e de outra forma de fazer política. Resta saber se nesta "nova era", a forma de fazer política é mais capaz de nos satisfazer enquanto sociedade. A mim basta-me olhar o mundo em volta para ficar com sérias dúvidas. E essa é a melhor homenagem que posso fazer ao PCP.

domingo, outubro 03, 2004

Nu-jazz, downbeat, house, hip-hop

Neste site explorado pela Mercedes-Benz existe uma plataforma que permite fazer o download gratuito de música de novos projectos oriundos um pouco de todo o lado. Para quem gosta de house, nu-jazz, downbeat e hip-hop, vale a pena uma visita. Quem tem música para divulgar também pode mandar demos para eventual integração. Os próprios responsáveis do site sugerem a divulgação. Eu já fiz a minha parte.

Diana Krall

Gostei de ver Diana Krall no Coliseu. Mesmo constipada, conseguiu criar um clima intimista como não se esperava numa sala tão grande. E provou que para ser bom, um sistema de som não tem que ser ensurdecedoramente alto.

sábado, outubro 02, 2004

Taxar as estradas municipais

Segundo o DN, o autarca de Viana do Castelo ameaça fazer taxar a estrada municipal que atravessa a cidade e é alternariva à auto-estrada SCUT se o Governo avançar com a implantação de portagens na mesma. É uma atitude corajosa e uma ideia inspiradora.
E, na verdade, porque não? Porque não há-de uma autarquia taxar uma estrada para desincentivar o seu uso, como o poder central faz em tantos locais por esse país fora? Porque razão não há-de uma autarquia usar os seus recursos da mesma forma que o governo central usa os seus.
Claro que há, provavelmente, caciquismo envolvendo esta questão e claro que o tema do pagamento de taxas em auto-estradas deve ser discuto (se é que tem discussão...) num plano diferente. Mas a reflexão que me suscita a atitude arrojada do autarca insere-se no plano da legitimidade, nem sequer legal, mas apenas política. Perante um estado forte e centralizador não será uma coisa boa que haja poderes locais disseminados capazes de contrapor medidas e defender os interesses das populações locais? Nesta questão da portagens, "a procissão ainda vai no adro", mas parece-me profícuo que se abra este precedente, pelo menos para discussão, pois envia uma mensagem bem clara para os senhores do Terreiro do Paço.

Opinion overflow

Na sua coluna de hoje, Vasco Pulido Valente analisa o primeiro debate entre Bush e Kerry. As conclusões, como seria de esperar, são interessantes e concordo com elas. Mas espantou-me a atribuição de virtudes e defeitos a cada um dos canditatos. Acho que existe muita gente que acha que Bush não é "simpático", nem "bonzão" e muito menos ajudaria uma "velhinha a atravessar a rua". Não tenho dúvidas que, pelo contrário, muita gente (na Europa) considera que Bush tem um ar "empertigado e superior" e facilmente o imagina "a vigarizar e a mentir".
Vasco Pulido Valente é um dos mais arrojados e inovadores comentadores da actualidade. As reflexões que nos propõe sobre os acontecimentos são quase sempre originais mas plenas de pertinência. Quase sempre nos surpreende com a leitura que faz dos acontecimentos, mas com uma fundamentação tão óbvia que nos parece inacreditável que não o tivessemos "visto" antes! VPV é um comentador arrojado e inovador por oposição a um outro tipo de comentário (que também existe), extremamente fundamentado em análise, quase científico, mas que produz muito pouca ideias originais. Ou seja, o espírito criativo tem que ser livre. VPV usa as ideias como elos de uma corrente de cadência rápida. Cada elo alimenta o seguinte sem muita verificação de forma a produzir tão cedo quanto possível os resultados finais que lhe elogiamos. Um tipo de comentário mais "cartesiano" obriga a verificar mais aturadamente a solidez de cada um dos elos da cadeia de raciocínio antes de o pôr por escrito. Resultado: o raciocínio produz menos "ideias" e não tem o mesmo alcance. É como se (se não for mesmo...) o cérebro fizesse mais sinapses no mesmo período de tempo. Produz um maior número de associação de ideias e, partindo das mesmas premissas (neste caso a transmissão televisiva de um debate entre dois candidatos à presidência dos EUA), leva a conclusões mais arrojadas.
O bloguismo também funciona da mesma forma e - mais importante - estimula o mesmo tipo de associações rápidas de ideias, como podemos confirmar em qualquer blogue que visitemos. É por isso que VPV tem tantos adeptos na blogosfera e é também por isso que a blogosfera produz tantas boas ideias sobre o que nos rodeia. A emergência do fenómeno da blogosfera provocou alterações sensíveis naquilo que esperamos de um comentador da actualidade. Habituados a usar as modernas ferramentas da internet, estamos preparados para um fluir muito mais rápido da informação e da opinião, e interessa-nos ler algo que ainda não saibamos ou "ver" determinado acontecimento numa perspectiva que ainda não tenhamos experimentado.
Mas será isso verdadeiramente o mais importante? Não será isso superficial? Que valor tem um comentário sobre a actualidade se lermos na mesma meia-hora dez outros diferentes sobre o mesmo tema? Sobretudo se a preocupação de cada um deles não for fazer a mais correcta análise da actualidade mas sim a mais original. Neste quadro, a sobreprodução de informação e análise da actualidade é contra-producente, uma vez que, ao contrário do que se pretendia, não nos facilita a formação sobre um determinado tema, antes no-la dificulta. Esta também é uma reflexão rápida.

A arrogância é um atributo dos vencedores

Apesar de tudo, o recente reencontro entre Mourinho e o F.C.Porto e os portistas correu relativamente bem, se descontarmos aquele episódio da cuspidela, aliás prontamente menorizado pelo treinador. A verdadeira prova de fogo fica guardada para a visita do Chelsea ao Dragão. Aí sim vamos ver de que são feitos os adeptos e os respnsáveis do F.C. Porto.
Mas o que me traz aqui é sublinhar mais uma vez a correcção demonstrada por José Mourinho nas acções antes e durante o jogo e nas palavras que ou lhe ouvi depois dele. Na maior parte dos casos, Mourinho é um treinador correcto e justo. Mas não gosta de perder e adora ganhar. E é por isso que é considerado arrogante. Acontece que a arrogância é um atributo dos vencedores. Mourinho pegou numa equipa do Porto em plena crise (após três anos sem título) e, com um punhado de jogadores desconhecidos, construiu uma equipa que arrasou em Portugal e ganhou tudo na Europa em dois anos consecutivos. Salvaguardadas as devidas distâncias é como se, de repente, Pedro Santana Lopes conseguisse, em dois anos, pôr Portugal ao nível da Noruega ou da Dinamarca em qualquer indicador de desenvolvimento. Se tal acontecesse, e ainda antes de acontecer, os comentadores decerto não deixariam e usar a expressão "milagre económico". Pois bem, o que Mourinho fez no Porto foi um "milagre desportivo", um sucesso inexplicável à luz de qualquer análise racional. (À margem; é isso que distingue o futebol da política: em política não há milagres e é por isso que ela é infinitamente mais importante que o futebol). Ganhou o direito de ser arrogante, porque sempre que o foi cumpriu o que prometeu. E devia ter ganho também a gratidão do adeptos do clube que ele levou ao patamar mais alto a que podia ascender. É isso que vamos avaliar quando ele regressar ao Porto. Pela minha parte, mesmo não sendo portista, recebe a admiração de um adepto do jogo.