Quando se fala da promiscuidade entre a política e o futebol, normalmente pensa-se em casos como o de Valentim Loureiro, o de Fátima Felgueiras e de muitos outros que se diz existirem pelo país fora. Mas a verdade é que a promiscuidade entre política e futebol começa muito antes disso e com actos muito mais aparentemente inócuos do que as ilegalidades ou irregularidades de que os autarcas referidos são acusados. Começa por exemplo, com as frequentes “palmadinhas nas costas” entre os políticos e os dirigentes desportivos sempre que qualquer clube consegue resultados positivos. Seja no Porto (mesmo no Boavista, como vimos quando o clube foi campeão), seja em Lisboa, há sempre alguns “adeptos” que por acaso também são políticos com responsabilidades e que não sabem separar as duas condições.
Depois, quando chega um evento com a importância desportiva da final da Liga dos Campeões é natural que surja alguma confusão sobre se o Primeiro-Ministro deve ou não estar presente. Essa confusão resulta do facto de domingo após domingo esta ligação aparentemente inócua entre a política e o futebol ser exercitada com a maior das naturalidades em todos os estádios de futebol. Se essa é a norma não é de estranhar, em primeiro lugar, que, por vezes, alguns políticos vão além da norma e infrinjam a lei. E, em segundo lugar, também não deve ser de estranhar que o Primeiro-Ministro queira cumprir a “norma” de “bom relacionamento” com um clube estando presente no momento em que esse clube disputa o mais importante galardão europeu, o qual, obviamente, muito projecta o nome de Portugal.
Não acho que Durão Barroso deva estar presente em Gelsenkirchen, mas acho que Durão Barroso pode estar em Gelsenkirchen se esse for o entendimento que ele faz da sua função. Obviamente competirá aos eleitores avaliar esse mesmo entendimento. Porque, como muito bem sublinhou Marques Mendes “neste caso não é o futebol” que está em causa. “O momento é importante para Portugal, não apenas para o F.C. Porto ou para os desportistas, mas para a imagem do país”. Resta perguntar se Durão Barroso esteve presente quando Saramago recebeu o Nobel ou se estava no estádio quando os paralímpicos portugueses trouxeram para o nosso país uma mão-cheia de medalhas.
Marques Mendes também deu como exemplo o Rei de Espanha, que esteve presente numa meia-final da mesma Liga dos Campeões que o F.C. Porto agora decide em apoio ao Deportivo da Corunha. Ora nem mais! Não sei se José Luís Zapatero também esteve por lá ou não, mas sei que no sistema político português a função de representação do Estado pertence ao Presidente da República e não ao Primeiro-Ministro. Num evento como a final da liga do campeões da UEFA, o Primeiro-Ministro pode estar presente, mas o Presidente deve estar presente. O Primeiro-Ministro tem uma função executiva, administra o poder executivo do Estado, e portanto deve estar saudavelmente distante de todas as entidades privadas, incluindo clubes de futebol. É este o entendimento que eu faço da função de chefia do Governo e desse ponto de vista não me espanta que Durão Barroso queira estar presente na Alemanha, acho coerente com aquelas que têm sido as suas atitudes passadas com relação em futebol (o que tem implícita uma crítica política) e acho compreensível no quadro de ligações capilares entre a política e o futebol que se vive em Portugal. Durão Barroso vai à Alemanha porque acha que não há problema (e porque espera conseguir votos, evidentemente). Para mim o problema é precisamente ele achar que não há problema. Isso é que é procupante. Porque releva um entendimento da sua própria função diferente daquele que me parece que resulta do arranjo institucional entre os vários órgãos do Estado.
A única voz que me lembro de ter ouvido falar com clareza e frontalidade sobre a separação das águas entre a política e o futebol foi a de Rui Rio e isso, obviamente isolou-o politicamente (mesmo dentro do seu partido) e custou-lhe a edilidade. Que venha para Lisboa! O meu voto terá concerteza!
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