terça-feira, dezembro 28, 2004

Tragédia de proporções bíblicas

O barnabé é frequentemente superficial e algumas vezes gratuitamente agressivo, mas gostaria de elogiar este post de Rui Tavares a propósito da tragédia no sudeste asiático. Às vezes a única forma de lidarmos com uma tragédia desta dimensão é reflectir sobre ela em termos absolutos. E a reflexão só nos pode levar à perplexidade.

Vinicius 90 anos

O Haver

Resta, acima de tudo, essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta essa voz íntima pedindo perdão por tudo
– Perdoai-os! porque eles não têm culpa de ter nascido...

Resta esse antigo respeito pela noite, esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter, esse medo
De ferir tocando, essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo quanto existe.

Resta essa imobilidade, essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do Infinito

Essa gagueira infantil de quem quer exprimir o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida.

Resta essa comunhão com os sons, esse sentimento
Da matéria em repouso, essa angústia da simultaneidade
Do tempo, essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida, uma só morte, um só Vinicius.

Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas, essa tristeza
Diante do cotidiano; ou essa súbita alegria
Ao ouvir passos na noite que se perdem sem história...

Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera em face da injustiça e do mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo, essa imensa
Piedade de si mesmo e de sua força inútil.

Resta esse sentimento de infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos, essa capacidade
De rir à toa, esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem para comprometer-se sem necessidade.

Resta essa distração, essa disponibilidade, essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será no vir-a-ser
E ao mesmo tempo essa vontade de servir, essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tiveram ontem nem hoje.

Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade, dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é, e essa visão
Ampla dos acontecimentos, e essa impressionante

E desnecessária presciência, e essa memória anterior
De mundos inexistentes, e esse heroísmo

Estático, e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança.

Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem memória
Resta essa pobreza intrínseca, essa vaidade
De não querer ser príncipe senão do seu reino.

Resta esse diálogo cotidiano com a morte, essa curiosidade
Pelo momento a vir, quando, emocionada
Ela virá me entreabrir a porta como uma velha amante

Sem saber que é a minha mais nova namorada.

A voz de Vinicius de Moraes no CD comemorativo Vinicius 90 anos

Uma praia perto do paraíso

É por estas e por outras que a praia é um sítio agradável:

Como uma piroseira datada se transforma numa irreconhecível pérola natalícia

e

Chico Buarque em discurso directo

segunda-feira, dezembro 20, 2004

Manuel António Pina disse

Não encontrei um link para a mais recente crónica de Manuel António Pina na Visão, mas porque a acho particularmente desgostosa e acertada, não resisto a reproduzi-la na íntegra. À atenção de Vasco Pulido Valente, cujo nihilismo lusitano Manuel António Pina aqui partilha:


«Não é novidade para ninguém que o sistema representativo, principalmente por culpa da maior parte dos políticos (e das políticas) que temos tido em 30 anos de democracia, foi progressivamente perdendo a confiança dos cidadãos. A situação não é muito diferente em outras democracias, onde é cada vez maior o divórcio entre cidadãos e profissionais da política, mas onde, apesar de tudo, existe um património democrático mais ou menos antigo, que vai constituindo uma espécie de almofada ideológica, capaz de amortecer os efeitos devastadores da frustração das esperanças colectivas. Mas a nossa democracia é recente, caiu do céu aos trambolhões por acção de um grupo de militares que não faziam a mínima ideia da caixa de Pandora que abriam. Os mais ingénuos foram trucidados logo no dia seguinte e os restantes, mesmo os que revelaram insuspeitadas capacidades de adaptação, acabaram consumados no fogo dos acontecimentos até saírem de palco transformados, como Conh-Bendit disse, em “cornudos da história” ou feitos patéticas figuras de museu. A lição é de Carlyle (só que os militares não são habitualmente gente muito dada a leituras): “As revolução são sonhadas por idealistas e realizadas por fanáticos, mas quem delas se aproveita são sempre os oportunista de todas as espécies”.

De há 30 anos para cá, após a explosão da esperança, primeiro na rua, depois nas urnas (a participação nas primeiras eleições após o 25 de Abril ultrapassou os 90%), foram-se queimando etapas até se ultrapassar pela direita tudo o que de pior o sistema democrático pode, mantendo-se democrático, produzir. Hoje, com excepção dos que votam por clubismo partidário, os portugueses que se dão ainda ao trabalho de votar (que são, como se sabe, cada vez menos) votam principalmente contra: umas vezes contra o PSD, outras contra o PS, outras contra o PSD e o CDS, outras ainda contra o PSD, o PS e o CDS ou contra o PSD, o PS, o CDS e o PCP (o BE não tem relevância suficiente para alguém se incomodar a votar contra o BE), ou, abstendo-se, contra todos eles. Até porque os portugueses foram aprendendo com a experiência que é inútil votar por programas eleitorais visto que os programas eleitorais são letra morta depois das eleições e que é inútil votar por listas eleitorais porque muitos dos que nelas figuram nunca exercerão os lugares para que forem eleitos ou figuram nelas por todos os motivos (alguns deles bem singulares…) menos pela competência. Dito de outro modo: o sistema representativo tem funcionado perfeitamente.

Nos últimos tempos, contudo, a coisa transformou-se num libreto de opereta: um primeiro-ministro eleito que arranja melhor emprego e abandona o barco, um presidente da República que empossa um primeiro-ministro não-eleito em nome de uma mirífica estabilidade que só ele antevê e que, quatro meses de instabilidade depois, em lugar de demitir o Governo, dissolve o Parlamento, e um Governo que, dissolvido o Parlamento, se demite…

Os portugueses irão, tudo o indica, votar agora contra o PSD e o CDS. Mas a maior parte deles ficará, como de costume, em casa. Poderia votar em branco; só que ninguém acredita que isso pudesse ter, como na fábula de Saramago, alguma consequência.»

quarta-feira, dezembro 15, 2004

Cavaco no papel de messias

Pacheco Pereira (30-11-04) é que tem razão. Estou convencido que o melhor que podia acontecer ao país era Cavaco concluir que os constrangimentos macroeconómicos e as exigências de rigor orçamental que esperam o novo governo exigem uma atitude verdadeiramente messiânica e decidir candidatar-se a primeiro-ministro em vez de Presidente.

A situação económica externa não dá sinais de melhorar, a situação interna exige espírito de rigor e a verdade é que nenhum dos putativos governantes - Santana ou Sócrates - parece capaz de implantar as medidas que o país exige. O primeiro porque é congenitamente populista e só assim sabe viver a política (vai prometer tudo a todos durante a campanha e vai cumprir mais do que devia se chegar ao governo). O segundo porque emana de um partido com vocação de big spender, ainda para mais "estimulado" por um Bloco de Esquerda mediaticamente acutilante ou formalmente interveniente (conforme os resultados eleitorais).

Cavaco é insuportavelmente self-righteous e provou quando foi primeiro-ministro, que tinha mais vocação para os primeiros mandatos do que para os seguintes. Deve vir com "prazo de validade". Mas, talvez devido ao seu auto-conceito messiânico, parece estar, na sua verticalidade e empertigamento, a anos-luz dos invertebrados políticos de hoje, qualquer que seja o quadrante partidário para que olhemos.

Cavaco, Sá Carneiro, Soares, Cunhal, Eanes, Amaro da Costa, Freitas do Amaral: estes foram os nomes que, puxando cada um para seu lado, confrontando-se e digladiando-se, estruturaram a democracia portuguesa. É verdade que os tempos eram outros, mas compará-los hoje com os políticos que temos não pode deixar de ser deprimente. Com a agravante de os dois líderes partidários longamente forjados na sombra de cada um dos respectivos partidos - Guterres e Durão - terem ambos fugido e abandonado o país à sua sorte. Quase como se tivessem combinado.

Não admira por isso que quer o PSD quer o PS olhem com saudade os seus líderes históricos, ao ponto de Soares se ver obrigado a dizer "basta!" e Cavaco ser reclamado por mais do que alguns barões (sim, Pacheco Pereira já se pode considerar politicamente brasonado). O PS aprovou Sócrates por falta de alternativas mas na realidade não o tem em muito boa conta; e o PSD votou maciçamente em Santana, mas dar-lhe-ia um pipanote assim que Cavaco surgisse do nevoeiro. Se surgisse.

De Soares já sabemos que está cansado e mais interessado nas suas palestras. Mas Cavaco vacila. O PSD ficaria de pantanas, mas o país só teria a ganhar. Pelo menos nos primeiros anos, por causa do já referido “prazo de validade”.

Porquê salvaguardar um acordo pós-eleitoral?

De que serve um acordo de governo pós-eleitoral senão para contrariar todas as razões que desaconselham uma coligação pré-eleitoral?

Para o PP, ir sozinho às urnas é ir livre às urnas, livre de "constrangimentos" para elogiar os ministros populares por oposição aos ministros sociais-democratas e para criticar a errância do primeiro-ministro, os dois temas principais que os populares vão usar na campanha. Com a existência prévia de um acordo de governo em caso de vitória da direita, Portas tem que ponderar um pouco melhor aquilo que diz sobre Santana e o PSD do que se não houvesse acordo algum. Mantém-se livre, mas dentro de uma certa latitude de comportamento.

Poderia dizer-se que assim Santana garante ter uma coligação para governar depois das eleições caso as vença. Mas será que alguém duvida que sempre a teve e sempre a teria? O que poderia impedir Santana e Portas de se confrontarem em campanha na ausência de qualquer tipo de entendimento e entenderem-se depois em nome do "interesse nacional"? Nada.

Na verdade parece-me que a única razão para este acordo está no ponto 3 do mesmo e corresponde a uma astuta jogada política de Santana, daquelas que se esperavam dele e com cuja ausência ele nos desiludiu nestes quatro meses: garantir que o PP não se coliga a mais ninguém em caso de derrota do PSD. Com esta garantia, Santana define a sua política de alianças e "obriga" o PS a depender do BE para uma solução governativa não maioritária. Não me espanta que a partir de hoje, como aliás já começou, a questão de uma eventual coligação com o BE seja posta a Sócrates sempre que este aparecer em actos públicos, entrevistas ou debates. E, com isso, Santana espera afastar do PS o eleitorado de centro que "digere" mal o esquerdismo radical do BE. E esse é, como se sabe, o eleitorado que decide eleições.

Quanto ao PP, Santana pretende apelar ao voto útil em nome de uma bipolarização que, de certa forma, ele próprio ajudou a construir.

Chapeau!

terça-feira, dezembro 14, 2004

O PS e o Bloco de Esquerda

É de prever que o PS continue a negar qualquer intenção de governar coligado com o BE em caso de maioria relativa. Isso faz parte da estratégia para apontar a uma maioria absoluta. Mas depois das eleições, naturalmente, tal é possível, pelo menos do ponto de vista do PS.

A razão porque me parece que um eventual acordo entre socialistas e bloquistas não passará do parlamento prende-se mais com o BE.
O BE sabe que tem sobretudo um eleitorado urbano e jovem e sabe que ser "do contra" é um elemento constitutivo da relação entre o BE e uma boa parte do seu eleitorado. Por isso, não acredito que o BE "arrisque" fazer parte do Poder. E por isso é que a coligação, a existir, não será de governo, mas apenas de incidência parlamentar. Essa é aliás uma das alternativas para o presidente empossar um governo socialista minoritário mas vencedor, mesmo que uma coligação (pré ou pós-eleitoral) PSD-PP garanta uma maioria, um cenário provável.
Se o programa de governo do PS não ferir nenhuma das bandeiras do BE e este puder obter, em troca da viabilização parlamentar, a consumação de alguma das suas propostas, então o BE ganha respeitabilidade, tem algo para mostrar aos seus apoiantes, mas mantém uma "sanitária" distância em relação ao Poder. Este parece-me de longe o cenário mais provável das próximas eleições.
Se, ao contrário do que Sócrates agora nega, PS e BE se juntarem num governo, então é mais do que provável que os bloquistas serão o elemento instabilizador da maioria, sujeitos às forças contraditórias da pleíade de partidos e grupos que originalmente compõem a plataforma e à tentação de defender as suas bandeiras. O choque do Poder não é traumático só para o eleitorado bloquista, é-o também para os seus dirigentes caso estes decidam aceitar o canto da sereia.

Para qualquer entendendor, meia-palavra basta!

"Carlos Cruz mandou o seu advogado prò c..."

Manchete do 24 Horas de hoje.

Um dia alguém devia fazer a história das mais reles páginas de imprensa publicadas em Portugal. Se alguém tiver isso em projecto, que corra para a banca porque o 24 Horas lançou mais um dos seus contributos para essa história.
Roland Barthes certamente teria muito a discorrer acerca do significante e do significado deste "c..." assim publicado na primeira página de um jornal.
Formalmente, o 24 Horas não escreveu nenhum palavrão. Mas, dos seus muitos milhares de leitores, duvido que haja um único que não tenha entendido a mensagem. Ou seja, o significante é diferente mas o significado é o mesmo. Não é, aliás, exemplo único de mais do que um signifcante que se referem ao mesmo significado. O que conta não é naturalmente a forma mas sim o conteúdo; não importa a construção da mensagem mas sua desconstrução no destinatário: ou seja, a comunicação. Donde se conclui que a mensagem na primeira página do 24 Horas de hoje é, sem formalismos, "Carlos Cruz mandou o seu advogado prò caralho". Que fique registado a crédito do 24 Horas e da sua contribuição para a história da imprensa em Portugal!

Duas recomendações





Duas recomendações para além da espuma dos dias.

Nicola Conte passou pela ESL de Rob Garza e Eric Hilton antes de "assinar" pela Blue Note. O resultado é este belíssimo "Other Directions".

Virginia Astley aparece pouco pelos escaparates nacionais mas desta vez chegou à FNAC este bucólico "From gardens where we feel secure". Para fechar os olhos e "ver" o mais profundo english countryside.


segunda-feira, dezembro 13, 2004

Allez, Pinto da Costa, Allez !!

A mais-que-merecida vitória do F.C.Porto na Taça Intercontinental provocou mais uma dedicatória a Pinto da Costa. Nos dias que correm não há vitória portista que lhe não seja dedicada e não há jogo em que o "Allez, Pinto da Costa, allez" não seja cantado. Não sei se há muitos desses, mas se eu fosse portista moderado, estaria seriamente preocupado com a perspectiva, mesmo que seja ainda só a perspectiva, das consequências desportivas da acção em que Pinto da Costa é arguido. Será que lhe vão continuar a dedicar vitórias se o Porto tiver que ir jogar para a segunda liga ou se for suspenso da competição por um determinado período de tempo? É verdade que o Benfica não foi despromovido em consequência de Vale e Azevedo, apesar de os regulamentos o preverem, e isso demonstrou que o futebol é de facto um mundo à parte. Mas o Benfica não é o Porto e, apesar de tudo, os tempos agora são outros. (Aliás, a expulsão é hoje o mínimo que os sócios do Benfica têm para oferecer a um presidente que elegeram a 70%, o que ilustra bem as voltas que o mundo dá)

Independentemente de haver condenação ou não, a acusação a Pinto da Costa serve também de "moral da história" a todos os adeptos de outros clubes que à mesa de café diziam que aquele é que era um presidente a sério! Admiravam-no e invejavam-no por todas as razões erradas, incluindo aquelas que redundaram nesta acusação.

Tanto os primeiros como os segundos podem ainda vir a ter que engolir as suas próprias palavras.

Santana segundo o PP

No quadro do pacto de não agressão que o PP e o PSD acordaram para concorrerem separados às legislativas e mesmo assim conseguirem "suportar-se" depois, o carácter errático de Santana será um dos temas mais glosados pelos populares, o que aliás já começou. Desse ponto de vista Santana e Portas são a noite e o dia, PP sabe-o vai aproveitá-lo em campanha.
Acho no entanto muito improvável que um tal pacto de não agressão resista a uma campanha eleitoral. Provavelmente as primeiras "ofensas" virão do lado social-democrata, mas os populares não deixarão de responder, mais friamente mas não menos "ofensivamente". E o grau de "agressão" será tanto maior quanto mais improvável parecer a vitória. No caso de esta acabar por acontecer, veremos se sobre as vergastadas de um e de outro não ficam feridas por cicatrizar

domingo, dezembro 12, 2004

Agora é a vez do PS

Agora é finalmente a vez do PS. Depois de quatro meses de autoflagelação do PSD, período durante o qual os socialistas tiveram tempo de eleger um líder e deixá-lo sentado, de braços cruzados, a ver o triste espectáculo santanista do enterro da maioria, agora o PS tem que fazer algo. E vamos ver se sabe o que tem que fazer. Essa é incógnita que encerra o resultado das próximas eleições e esconde o rosto do próximo governo. Na certeza porém de que Santana Lopes é muito mais forte a fazer campanha do que a governar. É por isso improvável que alguém consiga maioria absoluta, o que permite antever uma de duas coisas: um governo de coligação PSD/PP (seria curioso ver Sampaio a empossar Santana outra vez); ou um acordo de incidência parlamentar entre o PS e o BE.
Isto é tudo o que permite um exercício de mera futurologia gratuita.

E agora, como fica o referendo?

Com o Governo demitido, a Assembleia dissolvia e as eleições marcadas para Fevereiro, como fica a questão o referendo sobre a Europa? Não será esta uma porta aberta à inclusão da questão nos programas dos partidos, tornando assim "desncessária" uma consulta popular pouco tempo depois da eleição? Não seria esta uma solução perfeita para um arco partidário que, manifestamente, preferia não consultar o povo por ter medo da sua reacção? Isto parece-me muito provável.
Outra questão interessante é a posição que o PP adoptará na campanha eleitoral sobre o referendo e sobre a Constituição Europeia, sabendo que esse é um dos pontos-chave na sua distinção face ao PSD mas pode também comprometê-lo quando voltar ao Governo, como o partido espera que aconteça.

quinta-feira, novembro 18, 2004

A coligação feita num "saco de gatos"

As reacções dos membros do governo e políticos da coligação à deliberação da Alta Autoridade para a Comunicação Social sobre o caso “Marcelo” foram tão inábeis como as declarações que lhe deram origem. E revelam, como bem sublinhou Artur Portela, da AACS, falta de “cultura democrática”.
Como diz Morais Sarmento, este pode ser um órgão moribundo (ele diz mesmo que é um “cadáver”), mas não deixa de ser aquele que neste momento está em funções, o qual votou segundo os seus estatutos. O que Morais Sarmento quer dizer é que nada do que a AACS produza tem qualquer validade.
Por outro lado, ao porta-voz do CDS-PP não fica bem (não fica bem ao partido, claro) dizer que respeita as conclusões, mas simplesmente não concorda com elas, querendo com isso significar que as mesmas não terão qualquer efeito prático.
Do mesmo modo, do nº 2 do governo não se espera que diga “quero lá saber”. Afinal, estamos a falar do principal assunto da actualidade e de batalha política durante os últimos meses. Estando devidamente calendarizada a decisão da AACS, do co-responsável máximo da coligação esperava-se que tivesse algo a reagir.
O que todas estas reacções revelam é um conjunto de tiques que vagamente evocam os do final da governação cavaquista em relação às então chamadas “forças de bloqueio”. A diferença é que o ciclo de poder cavaquista tinha então vários anos de existência e o santanismo dura há apenas alguns meses.

O que mais este “episódio” da novela santanista demonstra à saciedade é que não existe coordenação política na coligação. Já alguém ouviu o Primeiro-Ministro pronunciar-se sobre esta matéria? Não deveria ele ter preparado uma reacção única ou pelo menos coordenada a uma decisão que, esta ou outra, podia certamente ter sido antecipada? Não poderia ele ter preparado o terreno, por exemplo, anunciando algumas linhas mestras da futura entidade reguladora do sector como forma de desvalorizar o papel desta? É apenas um exemplo.

Pode não ser intencional, embora haja quem acredite que sim, mas a verdade é que a cadência com que os políticos da coligação, governantes ou não, criam polémicas políticas é absolutamente inédita na nossa história recente. Serve às mil maravilhas as manchetes de jornais e os comentários da blogosfera, e tornam difícil saber onde acaba a campanha anti-santana que se abriu assim que o seu nome começou a ser falado e começa a errância de rumo que também se sabe ser a da dupla Santana-Portas. Serve também às mil maravilhas a nova direcção do PS, que se tem mantido alegremente discreta deixando o “saco de gatos” em que se transformou a coligação fazer o seu “trabalho”. Mas o que a sucessão de polémicas e a ausência de rumo não serve de certeza é o país. E isso é que é preocupante. Não tenho dúvidas de que Cavaco Silva concordaria comigo.

As crianças como uma medida do nosso desenvolvimento

As revelações acerca da Casa do Gaiato vêm juntar-se ao caso Casa Pia e convocam a pedofilia nos Açores e na Madeira, tanto quando casos como os de Joana ou a Catarina para nos fazer reflectir sobre o que realmente se está a passar em Portugal. Pode parecer que o nosso país se tornou de repente um antro de selvajaria a que nem as crianças escapam. Parece-me, no entanto, que o que se passa, realmente, é precisamente o contrário.
Na Casa Pia sabemos hoje que a violência sobre os menores prolongou-se durante anos e anos sem que se soubesse ou sem que quem o soubesse o denunciasse. Ou mesmo sem que, perante denúncia, alguém fosse condenado. Não espantaria que na Casa do Gaiato, viéssemos a descobrir uma teia semelhante, urdida no tempo e pelo tempo, contra as crianças e a favor dos adultos. Com sexo ou sem sexo.
Por outro lado, histórias “sofridas” como as de Joana ou Catarina fazem parte do registo não escrito de muitas vilas e terreolas por esse Portugal fora. Na maior parte das vezes as crianças são “apenas” abusadas, com maior ou menor violência, sem chegar à morte, mas chegando de certeza a deixar marcas para o resto da vida. Mais uma vez, sem que alguém tenha a coragem de denunciar ou condenar estes actos.
A diferença nos dias que correm é que finalmente começamos a ouvir falar de penas pesadas para esses casos. O facto de sucederem muitos em simultâneo ou num curto período de tempo não significa que existam mais que no passado; quer dizer apenas que finalmente se começam a descobrir e sancionar situações que antes passavam incólumes. E isso é uma medida do nosso progresso como comunidade.
A existência de situações de violência sobre as crianças, caladas mas não ignoradas, são um dos traços que resta do nosso subdesenvolvimento, traços esses de que, infelizmente, continuamos a ter notícia de muitos outros países agora menos desenvolvidos do que nós. São também, permita-se-me uma provocação política, resultado da salazarenta hipocrisia social que durante muitas décadas nos caracterizou como nação. Este é talvez um dos últimos atavismos do salazarismo (entendido não como projecto político mas como resultado social) de que definitivamente nos livramos.
Por isso, por cada Joana ou Catarina, por cada Casa Pia ou Casa do Gaiato que sejamos capazes de descobrir e judicialmente sancionar, não devemos ficar mais deprimidos, mas antes mais optimistas quanto ao nosso futuro como comunidade. É de progresso que se trata quando conseguimos limpar as nossas feridas.

A diferença entre os dois PSD

Obviamente, os membros do actual governo não são obrigados a concordar com Miguel Cadilhe e já sabemos que a regionalização não está sobre a mesa. Por isso, indagado pelos jornalistas sobre esta “opinião” do presidente da Associação Portuguesa para o Investimento (não por acaso um social-democrata e ex-ministro das finanças), um ministro da tutela diplomático (para não dizer responsável) teria evitado a questão ou quando muito respondido que era a sua opinião, com a qual não concordava, nem ele nem o actual governo. Podia até explicar porque é que não concordava e achava a regionalização um erro. Mas escusava de ofender, como fez José Luis Arnaut, dizendo que preferia ouvir Cadilhe falar sobre “os investimentos que, como representante da API, trouxesse para Portugal”, insinuando de uma forma soez que devia antes ir fazer o seu trabalho. Não lhe ficou nada bem.
Cadilhe, por seu lado, não comentou, e com isso fez toda a diferença!

Um economista a favor da regionalização

Há pelo menos um economista eminente que considera que, caso Portugal tivesse tido coragem para realizar a regionalização, as finanças estariam hoje mais controladas do que estão. Durante o debate do referendo sobre a regionalização a questão do crescimento das despesas com a administração pública foi justamente um dos argumentos mais repetidos, mas Miguel Cadilhe (estanho-me a concordar com ele e considero o facto bastante “democrático”) acha que, pelo contrário, fazer a regionalização é uma condição de eficiência da administração pública e, no limite, uma forma de diminuir a despesa pública e não de a aumentar. Sempre achei que não fazer uma regionalização, qualquer que fosse o modelo escolhido, foi um erro nacional do qual sofremos consequências todos os dias, nos mais diversos planos da actualidade, quase sempre sem verdadeiramente nos darmos conta disso.

quarta-feira, novembro 17, 2004

Pim Fortuyn: o maior dos holandeses

Provando que a insanidade colectiva pode atingir qualquer povo, o Público noticia que Pim Fortuyn foi eleito num programa de televisão como o “maior dos holandeses”, à frente de figuras como Guilherme de Orange, Erasmus, Van Gogh ou Rembrandt. O insólito aconteceu na estação de televisão KRO. Durante o programa Pim Fortuyn arrecadou 115 mil votos contra 111 mil de Gulherme de Orange, mas a televisão esclarece que já depois da emissão, Guilher de Orange ultrapassou o seu opositor (o que é omisso na notícia do Público) com 161 mil votos contra 130.000.
Deixa-se a votação a cargo dos holandeses-que-vêm-televisão e o resultado é este! Quando os holandeses-como-deve-ser despertaram para a situação, já chegaram demasiado tarde para inverter a votação. Fica pelo menos a vitória moral…
Mas a pergunta que verdadeiramente se impõe é: e se fosse em Portugal? Suspeito que o João Castelo Branco seria um sério candidato a rivalizar com Luis Figo. E tenho quase a certeza que mesmo que estivéssemos alerta nem uma vitória moral conseguiríamos...

Alberto João e a Europa

Para provar que até das figuras mais inesperadas podem surgir questões pertinentes, eis o que disse Alberto João Jardim sobre a União Europeia:

"Portugal encontra-se num dos impasses constitucionais mais graves da sua História. A União Europeia poderá revelar não ser a grande esperança com que contamos."

Se não fossem as constantes palhaçadas, AJJ até podia ser levado a sério falando assim.

terça-feira, novembro 16, 2004

O "endurecimento" da política de Bush

Agora é oficial: Condoleezza Rice sucede a Colin Powell como responsável pela diplomacia norte-americana. Powell era talvez o governante norte-americano que nós, europeus, conhecíamos melhor, a seguir a Bush, obviamente. E conhecíamo-lo como o mais moderado dos membros do executivo. Não sei qual o alinhamento dos restantes demissionários do governos americano ou qual a linha perfilhada por aqueles que lhes vão suceder, mas parece-me que um “saneamento” dos moderados e um reforço de posições da “linha dura” é algo que poderia ter sido previsto a partir do conhecimento do resultado das eleições.
Os acontecimentos e a política de Bush após o 11 de Setembro foram um fortíssimo elemento de divisão entre os americanos e entre estes e o resto do mundo. Bush foi fortemente atacado tanto na frente interna como na frente externa e em determinadas alturas chegou a parecer que podia de facto perder a eleição. A prova de que esta não foi uma eleição como as outras está no volume de participação dos eleitores.
Ora, o facto de Bush ter enfrentado nesta eleição factores tão adversos e ter saído vencedor, deu a essa vitória um “peso” maior que o número de votos em que se sustenta. Psicologicamente – e politicamente – Bush “arrasou” a votação e ganhou toda uma nova legitimidade para sua política. E, no quadro da “guerra surda” que todos percebemos existir no seio do governo norte-americano, a “sua” política é a da linha dura.Por isso, a substituição de Colin Powell por Condoleezza Rice é apenas o primeiro dos sinais – e certamente um dos mais “ruidosos” – de que temos pela frente uma administração Bush provavelmente ainda mais isolacionista, neo-conservadora e politicamente agressiva que a anterior. O Mundo irá certamente notar isso nos próximos meses.

Contenção no processo Casa Pia

Não descobri em concreto as recentes declarações do bastonário da Ordem dos Advogados a propósito do processo Casa Pia. Não há nada como ouvir este tipo de coisas em discurso directo para ter a certeza do que foi dito, mas o report das suas declarações indica que José Miguel Júdice pediu contenção aos intervenientes no processo como forma de garantir um julgamento justo e equitativo.
Isto revela zelo, mas não excesso dele, pela parte do bastonário. Faz bem em chamar à atenção aos intervenientes no processo Casa Pia apelando aos sentido de responsabilidade de todos eles, advogados e não só. O que já revela algum excesso de zelo é a reacção quase unânime e algo virulenta dos advogados de defesa no processo. A maneira como reagiram a um apelo algo genérico e bem intencionado do bastonário (sempre corajoso nas suas tomadas de posição) revela que enfiaram a carapuça. No passado as fugas de informação no processo Casa Pia e a tentativa de manobrar externamente e internamente ao processo prejudicaram a imagem da justiça e dos advogados. É de todo provável que isso continue a acontecer no futuro, tanto mais quanto mais nos aproximarmos da data do julgamento (que aliás, em mais uma manobra dilatória, pode voltar a ser adiado). Mas, sendo provável, não é desejável. Por isso, o bastonário fez muito bem em alertar para o facto.

Rocco Butiglione é um homem inteligente

Rocco Buttiglione é um homem inteligente. Citado no blasfémias, o ex-comissário-to-be afirma querer fundar um lobby para lutar pela liberdade dos católicos face ao totalitarismo europeu de que ele próprio se considera vítima. E afirma: “In Europe our intellectuals were always convinced that modernity brings with itself the extinction of religious faith. Now America, the most advanced country in the world, shows us that religion may be and indeed is a fundamental element of a free society and modern economy.
Podemos concordar ou discordar das suas opiniões, ou podemos mesmo chegar a rir! Mas a verdade é que são as suas opiniões e a verdade é que não foi indigitado por causa delas. Ao relançar o debate em termos de “politicamente correcto (em versão europeia) versus liberdade de opinião”, Buttiglionne pode conquistar mais concordâncias do que seria de supor à primeira vista. E isso é inteligente.

segunda-feira, novembro 15, 2004

A "questão" presidencial

A questão “PP” não foi a única que Santana teve que enfrentar no congresso e vai continuar a ter que gerir proximamente. Tão ou mais premente que essa era – e é – a questão presidencial. O “convite” ou “desafio”a Cavaco, como lhe quiserem chamar (embora a diferença não seja despicienda), é, do ponto de vista de Santana, um ramo de oliveira. Mas, do ponto de vista de Cavaco, o prazo imposto pela moção é um espinho no ramo. A bola agora está claramente do lado de Cavaco. Ou aceita o “convite” de Santana e se “porta bem” até anunciar a candidatura e nesse caso terá tanta mais benevolência do partido quanto melhor se portar até lá; ou continua orgulhosamente só e arrisca não contar com o partido na eleição presidencial. Aquele traço de imprevisibilidade que tão bem conhecemos em Santana Lopes (e que tantas vezes toca a irresponsabilidade) seria capaz disso.
Mas creio que Cavado se vai “portar bem” daqui para a frente, dando uma ajudinha ao governo aqui e ali, como a propósito das SCUT’s provou saber fazer, e mesmo, quem sabe, lançando de novo para a arena a sua “fera” Marcelo com um registo comunicativo (contraditório) mais pró-governo. Se isso acontecer, Santana põe o partido ao serviço de Cavaco e até é capaz de não fazer finca-pé com as datas: afinal, a “candidatura presidencial é uma questão pessoal”, que depende sobretudo dos timings e razões individuais dos potenciais candidatos.

Como Paulo Portas ganhou o congresso do PSD

É interessante este post no Blasfémias sobre o CDS-PP no consulado de Paulo Portas. De facto, olhando para trás, encontramos uma sucessão de líderes aos quais atribuiríamos sem hesitar mais estatura política que a Paulo Portas, mas cuja “obra política” à frente do partido não se pode comparar com a de Portas. Portas e Monteiro, o primeiro no partido o segundo na comunicação social, descobriram quase ao mesmo tempo que havia um espaço sociológico por preencher em Portugal: o da moderna direita liberal. A existência desse “espaço político desocupado” explica metade do sucesso recente do CDS-PP; a outra metade explica-a o “faro político” de Paulo Portas. Não devemos esquecer que o PP era, há não muito tempo, sobretudo durante o consulado de Monteiro, um partido sobre o qual pairava o espectro do desaparecimento. Hoje, instalado no Governo e a distribuir jobs pelos boys, o PP ganha mais força do que alguma vez teve.
E esse é o grande dilema que se coloca a um partido de maioria que não obtém maioria absoluta: governar sozinho, expondo-se a crises; ou apoiar-se no pequeno partido do lado fazendo-o crescer. O PS já teria tido há muito o mesmo problema se o PCP fosse um partido “como os outros” e pode tê-lo em breve com o BE. A consequência de o PSD ter dado ao PP um protagonismo que ele não tinha há muitos anos está no seu fortalecimento, ao ponto de se dizer que é ele, o partido pequeno, que lidera a coligação com o partido grande. Isto, obviamente, é algo difícil de engolir para os militantes do PSD, conforme ficou demonstrado no Congresso. Por isso se torna claro que, mesmo não estando fisicamente presente (porque na verdade pairou como um fantasma), Paulo Portas ganhou o congresso de Vila do Conde. E ganhou-o porque, mais uma vez, “obrigou” Santana Lopes a defender a coligação com unhas e dentes e ficou, outra vez, na posição “tu é que precisas de mim e não eu de ti”. Isso transparecia em surdina com Barroso e é ruidosamente manifesto com Santana. E porquê? Porque Santana não pode perder! Em primeiro lugar porque é um líder fraco devido às circunstâncias em que ascendeu à liderança; e em segundo lugar porque esperou demasiado tempo por este momento para arriscar perdê-lo. No congresso, Santana tinha duas alternativas: ou convencia o partido a preparar uma coligação eleitoral com o PP e ficava em posição de força não só no PSD como também na coligação; ou mobilizava o partido para apostar tudo na capacidade do PSD para ganhar sozinho e assumia uma posição de força perante o PP, arriscando terminar a coligação – e o governo – antes do prazo mas chegando às urnas numa posição clara de “ou nós, ou eles”.
Se a situação era pantanosa, agora ficou um pouco mais pantanosa, porque ficámos a saber, que, ao contrário do seu líder, o PSD não quer uma coligação com o PP, mas quer o poder a qualquer custo. Cabe a Santana Lopes decifrar o enigma. Conhecendo-se a errância de rumo tão pessoalmente característica do Primeiro Ministro, é de esperar a continuação do tortuoso caminho que temos vindo a trilhar. E, claro, quem se fica a rir é Paulo Portas.

sábado, novembro 13, 2004

A correlação entre a votação em Bush e o Q.I. médio dos americanos

Afinal, aqui está a explicação!

Não sei se tem fundamento científico, mas lá que tem lógica, tem.

Um amigo enviou-me este curioso quadro correlativo entre a votação nas eleições americanas e o Q.I médio dos habitantes de cada estado. A vermelho os Estados de Bush, a azul os de Kerry. O site onde se encontra parece que se tornou de repente extremamente popular.




Num registo mais sério (mas nem por isso menos "alinhado"), este outro sítio também demonstra que por detrás dos resultados pode haver leituras interessantes.

Quando se começarem a dissecar os resultados, o sistema eleitoral americano vai voltar a ser posto em causa pelos europeus e pelos americanos que gostariam de ser europeus e Bush vai continuar a governar. Mas, ainda assim, as análises são interessantes

The President's salute

Ladies and Gentlemen,
The President of the United States: 8

Cara lavada

Com este post assinalo um restyling do blogue. Agora sim, está no caminho certo. Legível, claro e interactivo. E vai passar a ter fotos!

"Almas Gémeas"

Surfando na internet descobri via Google dois outros blogues chamados Alma Mater. Um de um ex-estudante português na União Soviética, que é um bom início de pesquisa sobre como funcionava a educação universitária e o condicionamento ideológico na ex-URSS; e outro de uma vilacondense a criar raízes em Portel (meu adorado Alentejo...), com bonitas fotografias e ainda mais belos textos. Qualquer deles vale uma visita, mas, se me permitem, como o meu é um mês mais "velho" que o mais "velho" dos dois, mantenho o nome e a natureza, até porque o "espaço virtual" tem a grande vantagem de ser infinito.

sexta-feira, novembro 12, 2004

Clara Ferreira Alves

Esta declaração não apareceu transcrita em nenhuma das notícias publicadas sobre o depoimento de Clara Ferreira Alves na AACS. No entanto, parece-me de longe a mais importante de todas as que então gastaram uns litros de tinta. Felizmente a TSF fez “ouvir” essa declaração e pô-la online. Merece reflexão, mesmo alguns dias depois. Se calhar, sobretudo, vários dias depois.

Acho que dirigir um jornal tornou-se hoje em dia um cargo político, não por ser um cargo de nomeação política, mas porque a gestão efectiva que hoje se faz dos múltiplos contactos, cumplicidades e guerras da política, é uma gestão puramente política. E no fundo é um cargo que tem que ser exercido com uma administração muito semelhante à da política. Portanto, é uma gestão política.

Homenagem a Arafat

Arafat projectou mundialmente a imagem da causa palestiniana, mas também sofreu, no final da sua vida, e agora, no momento da sua morte, as consequências do facto de ter sido um terrorista. No passado, Arafat foi recebido em muitos países com honras de chefe de Estado e com o impacto público que é dado às grandes figuras mundiais. Agora não merece mais do que a presença de uns quantos ministros de negócios estrangeiros no seu funeral. Há uns anos atrás havia abaixo-assinados a correr no Ocidente e jovens de lenço branco e negro ao pescoço em defesa da causa palestiniana. Hoje é difícil encontrar um artigo de jornal ou um blogue que não apresente Arafat como “um lutador, mas…”. Na maior parte dos casos, é apresentado como o último obstáculo para a Paz (como se Sharon não fosse um obstáculo de igual magnitude ou como se Arafat fosse o mais radical dos palestinianos e de repente todos os outros fossem “moderados” prontos a sentarem-se à mesa com os israelitas).
Arafat foi um terrorista e tem certamente as mãos manchadas de sangue, porventura inocente. Mas isso também é verdade para os generais israelitas e para os seus dirigentes políticos. Já vi escrito e dito repetidas vezes que “o terrorismo é sempre condenável” Mas não é. Tal como a guerra é a continuação da política por outros meios, o terrorismo é a continuação da guerra por outras formas. Quando os poderes em guerra são demasiado díspares, o terrorismo pode ser o último recurso de um povo oprimido. Sempre foi assim e, felizmente é-o cada vez menos, mas sempre há-de ser assim. Por isso, dizer que “o terrorismo é sempre condenável” é o mesmo que dizer que “a guerra é sempre condenável”. É-o de facto e nisso até monsieur de La Palisse concordaria.Mas essa não é a questão. A questão é se foi ou não, legítimo, no passado, que o povo palestiniano, liderado por Arafat, tivesse lutado pela sua liberdade usando o terrorismo como arma. Se foi legítimo no passado, então deve ser legítimo no presente, sobretudo no momento em que Arafat parte deste mundo. Quando visitou Portugal, no pico da “popularidade” da causa palestiniana, Arafat foi recebido pelo Primeiro-Ministro e teve honras de Estado (ou quase; não conheço em detalhe o protocolo). Não me parece que, agora, a presença de um Ministro de Negócios Estrangeiros seja suficiente para prestar homenagem a uma personalidade com a estatura mundial de Arafat e não tenho dúvidas que o Primeiro-Ministro ou o Presidente estariam presentes caso tivesse morrido outro estadista “legítimo” da mesma estatura mundial. Como será quando Fidel morrer? Admito que estarmos representados ao mais alto nível nas exéquias de Arafat seria hoje politicamente incómodo. Mas também acho que seria politicamente corajoso.

Arafat no Público

Apresentar Arafat como “O homem que perdeu a guerra e não ganhou a paz” parece-me um desvio de alinhamento ideológico da direcção do Público, um jornal que leio justamente por pensar que é o menos alinhado – ou o mais aberto ao “contraditório” – que conheço.
Arafat é justamente uma das figuras mundiais do final de século XX e princípio de século XXI que mais inquietações ideológicas suscita. E, bem pesados todos os argumentos, a asserção até pode ser verdadeira. Creio mesmo que o é. Mas apresentar Arafat como um homem duplamente falhado é esquecer o quanto ele fez pela causa palestiniana. E nem me refiro aos combates ou aos atentados. Refiro-me apenas e só à projecção internacional e à “simpatia” que os palestinianos suscitam em muitos pontos do mundo. Se há causa terrorista que acolhe simpatias um pouco por todo o mundo, é a causa palestiniana. Se há causa terrorista que desafia o princípio de que “o terrorismo é sempre condenável”, é a causa palestiniana. E isso é obra de Arafat.
Arafat ajudou a colocar a questão palestiniana na agenda internacional, mas, sobretudo, deu à causa palestiniana um rosto simpático e passou bem a mensagem de um povo oprimido que luta pela sua libertação. Há e houve muitos movimentos terroristas no mundo, mas não me ocorre nenhum que tenha tido a “popularidade” do movimento palestiniano. Independentemente do peso político específico da questão palestiniana, essa é uma conquista de Arafat. E está longe se ser um falhanço.Por isso, acho que a figura de Arafat e o seu “efeito no mundo” é certamente mais complexo do que o maniqueísta título de primeira página do Público deixa entender.

domingo, outubro 24, 2004

Chico Buarque "Budapeste"

“Devia ser proibido debochar de quem se aventura em língua estrangeira. Certa manhã, ao deixar o metro por engano numa estação azul igual à dela, com um nome semelhante à estação da casa dela, telefonei da rua e disse: aí estou chegando quase. Desconfiei na mesma hora que tinha falado besteira, porque a professora me pediu para repetir a sentença. (…)”

“Kriska se despiu inesperadamente, e eu nunca tinha visto corpo tão branco em minha vida. Era tão branca toda sua pele que eu não saberia como pegá-la, onde instalar as minhas mãos. Branca, branca, branca, eu dizia, bela, bela, bela, era pobre meu vocabulário. (…)”

“(…) E assim permanecemos outra meia-hora, ela dentro de si e eu imerso no silêncio dela, tentando ler seus pensamentos depressa, antes que virassem palavras húngaras. (…)”

“Além de expostos de longo a longo na vitrine, havia uma pilha deles no balcão. As pessoas entravam, passavam a mão num exemplar e se acertavam no caixa, quando não iam directamente ao caixa como quem compra cigarros: me vê um Ginógrafo. Outros se chegavam, davam uma olhada nas estantes, apuravam o preço dos importados, bordejavam a bancada com os lançamentos recentes, acabavam topando a pilha sobre o balcão; está saindo à Beça, dizia o livreiro, ou, até ao Natal bate os cem mil, e essa espécie de recomendação era tiro e queda, mais um Ginógrafo embrulhado para presente. Postado no centro da pequena livraria, num pedaço de tarde perdi a conta dos fregueses que saíram com meu livro. Passavam por mim sem me olhar, esbarravam em mim sem imaginar quem eu fosse, e aquilo me enchia de uma vaidade que havia muito tempo eu não sentia. (…)”

“(..) Enquanto isso, o canalha escrevia o livro. Falsificava meu vocabulário, meus pensamentos e devaneios, o canalha inventava meu romance autobiográfico. E a exemplo da minha caligrafia forjada em seu manuscrito, a história por ele imaginada, de tão semelhante à minha, às vezes me parecia mais autêntica do que se eu próprio a tivesse escrito. Era como se ele tivesse imprimido cores num filme que eu recordava em preto-e-branco, oh, Kósta, essa festa de Ano-Novo, essa canção do Egito, esse alemão sem pelos, eu não suportava mais escutar aquilo. E uma noite, na cama, saltei sobre Kriska, atirei longe o livro, segurei-a pelos cabelos e assim quedei, arfante. O autor do meu livro não sou eu, queria lhe dizer, mas a voz não me saía da boca, e quando saiu foi só para falar: é só a ti que tenho.”

sábado, outubro 23, 2004

O que existe de comum entre "O Código da Vinci" e Marcelo Rebelo de Sousa?

Uma curiosa carta de uma leitora à Grande Reportagem de hoje:

“Deixou-me perplexa (…) a resposta de Carlos Amaral Dias (ao que parece psiquiatra) ao afirmar de pronto que, se mandasse no Mundo, ‘proibia o Código da Vinci’. (…) Enquanto me refazia da azia provocada pelo que acabara de ler, pensei que, afinal, não deveria ficar assim tão admirada. Ainda há poucos dias um famoso comentador político foi despachado de um canal de TV precisamente por ser demasiado objectivo e imparcial nas suas análises, de tal forma que, ao que parece, incomodava alguém. Afinal, Amaral Dias apenas deverá pertencer à mesma escola de quem conseguiu tal proeza. (…) Já agora proveito para dizer que li o livro que tanto aflige Amaral Dias e gostei imenso”

O que será que existe de comum entre o “Código da Vinci” e as análises “objectivas e imparciais” do professor? Melhor ainda: o que será que existe de comum entre “O Código da Vinci” e alguém que acha que as análises do professor eram “objectivas e imparciais"? Mas, ainda melhor, o que será que existe de comum entre quem lê o “Código da Vinci” e gosta e quem acha que Marcelo foi “despachado” por causa das suas análises “objectivas e imparciais”? Será que provavelmente são a mesma pessoa? E então o que é que isso diz sobre o “Código” e, sobretudo, sobre Marcelo? Perguntas com resposta implícita.

Uma pergunta

Uma pergunta: Será que o JN pagou por esta entrevista com Carlos Cruz? Será que a Caras pagou pela pré-publicação de um excerto do livro de Carlos Cruz? Será que é a mesma coisa?

sexta-feira, outubro 22, 2004

Faça-se uma revolução!

Obrigar os militantes de um partido político a eleger os seus líderes por voto secreto é tão insano como obrigá-los a fazê-lo por braço no ar. Não faz qualquer sentido e o Partido Comunista tem razão em fazê-lo “sob protesto”. Na verdade até me admira que o faça sem mais chinfrim. Justificava uma revolução! Talvez a explicação seja que no fundo já há muito o desejassem.

quinta-feira, outubro 21, 2004

Televisão pública ou privada?

É curioso o frenesim que se levantou a propósito as declarações de Morais Sarmento sobre os limites à independência do serviço público de televisão. O ministro emitiu a opinião de que competia ao governo definir o modelo de programação da televisão pública e que devia haver limites à independência dos operadores públicos na execução desse modelo de programação (sobretudo como forma de acautelar a respectiva gestão financeira). Mas a ideia que passou para a opinião pública – e foi literalmente afirmada nalguns meios de comunicação - foi de que o ministro tinha dito que ao governo competia definir a programação (nalguns casos falou-se mesmo na grelha de programas) e que devia haver limites à independência da informação (ou seja, dos jornalistas). E isso são coisas bem diferentes.
Admito que o governo tenha intenções não ainda claramente explícitas acerca da televisão e que as suas posições sobre esta matéria nesta altura possam servir esses fins. Mas também me parece que poucos governos terão apanhado na sua posse um “estado de desgraça” como este, em que qualquer declaração de um ministro, por menos inepta que seja (e têm-no sido muito muitas vezes), gera uma vaga de notícias e comentários críticos de que não há memória e que, na sua sequência quase “orquestrada” geram o sentimento público de que o governo está à beira do abismo. Esta semana tem sido exemplificativa disso mesmo: dos problemas da educação ao ministro Gomes da Silva, passando por Morais Sarmento, pela sesta do PM ou pelas suas declarações na Alemanha, para já não falar no “ameaço” anti-Portas relacionado com as operações de salvamento em Aveiro (outros exemplos haverá), o Governo parece perfeitamente descoordenado e incapaz de uma acção política eficaz e coerente. Provavelmente está-o e é-o de facto, mas a verdade é que, como o exemplo inicial demonstra, se torna difícil distinguir onde termina a inépcia do governo e começa a sua “má imprensa”. Provavelmente uma estimula a outra.
O que o ministro Sarmento de facto disse é menos grave do que aquilo que lhe foi atribuído, mas não deixa de fazer alguma confusão entre política e administração. Ao governo compete definir as linhas gerais do serviço público de televisão (incluindo as suas linhas financeiras) e nomear uma administração que ponha essas políticas em prática. À administração compete, com independência, e mediante os seus directores respectivos, tomar as decisões de programação e informação atinentes a esse fim. Não comete ao governo decidir se a RTP deve ou não transmitir jogos de futebol no horário nobre, mas compete-lhe definir (ou participar na definição) de se o futebol faz parte da noção de serviço público, assim como de quanto deve custar esse serviço público. Isto está muito perto do que o ministro disse e não merece crítica: merece reflexão.
Claro que todos conhecemos a tentação dos sucessivos governos em instrumentalizar a televisão pública aos seus interesses políticos e é por isso que o serviço público está – correctamente - estipulado em lei. Mas esse facto torna a televisão pública uma excepção positiva, e não negativa, no quadro dos meios de comunicação social em Portugal e isso parece ter esquecido pela maior parte dos comentadores. Ou seja, informalmente tudo é discutível, mas, do ponto de vista formal, a RTP está hoje mais protegida contra ingerências superiores na sua informação do que a SIC ou a TVI. Evidentemente que Miguel Pais do Amaral interfere directa ou indirectamente (através do director respectivo) na programação na estação (decide se a Quinta das Celebridades deve ir para o ar e a que horas). E, como se viu, pode não resistir à tentação de influenciar também a informação da estação, tendo como únicas salvaguardas da Lei da Televisão e da Lei de Imprensa.
No que se refere a interferências na informação, obviamente, elas dependem da Lei de Imprensa e da capacidade das redacções para zelarem pela sua aplicação: temos ouvido mais vezes posições acutilantes da redacção do Público do que da redacção do DN e facilmente especulamos que uma nomeação como as recentes do grupo Lusomundo não seriam pacíficas no Público e pressões como as de Pais do Amaral seriam inaceitáveis.
Mas, mais do que isso, porque razão aceitamos como normal que a administração de uma televisão privada determine as linhas mestras da sua programação e não aceitamos que o governo o faça em relação à televisão pública? É verdade que, como diz Morais Sarmento, é o Governo que responde perante os eleitores, tal como o conselho de administração da TVI responde perante os accionistas. Então porque razão há-de o governo ser coarctado na sua acção nesta matéria por mais limitações do que uma entidade privada correspondente? Acaso achamos que o governo não é uma pessoa de bem e necessariamente actuará de má-fé se for deixado em rédea livre? Ou, pelo contrário, achamos que os accionistas da TVI são pessoas de bem cuja actuação se pautará pela mais estrita ética e legalidade mesmo que ninguém esteja a olhar? Ou seja, a questão não está em eliminar as limitações que como comunidade achamos que devem existir para a acção de um governo sobre a televisão pública. Mas, se, como comunidade, acharmos que tais limitações se justificam, a questão está em estendê-las a todas as entidades que prestam serviço de televisão. A Galp tem que respeitar as mesmas regras que a Shell, não tem que respeitar mais.
A consequência lógica é, como muito bem diz Pacheco Pereira, que não haja televisão pública. Mas o que eu pergunto é: não havendo televisão pública acaso diminuirão as interferências superiores, económicas ou políticas, sobre a programação e informação das televisões privadas? Claro que não! Por isso é que devem existir, em todos os meios de comunicação, redacções fortes capazes de defender a independência da informação, por isso é que deve existir um serviço público de televisão capaz de manter os standards da emissão e por isso é que deve existir uma entidade reguladora efectiva e poderosa capaz de aplicar as mesmas regras a tudo o que seja igual.O que não faz sentido é que sejamos mais exigentes com uma entidade pública que é escrutinada pelo voto do que somos com uma entidade privada escrutinada apenas pelos seus accionistas. Não podemos dizer que a primeira questão nos diz respeito e a segunda não. A importância que a televisão tem hoje em dia numa sociedade faz com que essa questão nos diga respeito a todos. Morais Sarmento gostaria certamente de ter junto da RTP o à-vontade que Pais do Amaral tem na TVI, mas, pelo contrário, o que devemos é, salvaguardadas as devidas distâncias entre uma televisão serviço público e outra de serviço privado, colocar a Pais do Amaral o mesmo grau de exigência que considerarmos necessário para Morais Sarmento. E isso, obviamente, deve ser feito por uma autoridade reguladora que comece por fazer cumprir a lei da televisão…

terça-feira, outubro 19, 2004

The Colour of Spring

Forget our fate
The pedlar sings
Set up to sell my soul
I've lived a life for wealth to bring

And yet I'll gaze
The colour of spring
Immerse in that one moment
Left in love with everything

Soar the bridges
That I burnt before
One song among us all

Mark Hollis, 1998

O Jornalismo na Era Digital

No Jornalismo e Comunicação descobri esta interessantíssima citação de um texto de José Luis Cébrian (elegantemente intitulado "El periodismo en los tiempos del cólera") a propósito do papel do jornalismo e das novas tecnologias, nomeadamente a internet:

""(...)Las tecnologías avanzadas, de alguna manera, nos devuelven a la prehistoria del periodismo. En la sociedad de la información los canard parisinos y los gazzetanti venecianos campan por sus respetos. En la Red, las noticias se mezclan con los rumores, los engaños o las fantasías, y se venden por menos de una gaceta, porque se ofrecen de forma gratuita"(...)Las tecnologías avanzadas, de alguna manera, nos devuelven a laprehistoria del periodismo. En la sociedad de la información los canard parisinos y los gazzetanti venecianos campan por sus respetos. En la Red, las noticias se mezclan con los rumores, los engaños o las fantasías, y se venden por menos de una gaceta, porque se ofrecen de forma gratuita (...) Pero no debe haber sitio para el temor ni la desesperanza. Al cabo, ¿no será mejor leer en una pantalla de cristal líquido, flexible, bien iluminada, con grandes letras, y capacidad de enlaces a otros temas a través del hipertexto, que hacerlo en un papel con cara de añoso, mal impreso y lleno de imperfecciones? Lo que sucede es que un periódico en la Red no es un periódico: no sale periódicamente, sino que se renueva de continuo; disfruta de la convergencia entre textos, vídeo y audio; y puede dirigirse a un mercado planetario, sin fronteras geográficas ni temporales que lo impidan. En la sociedad de la información, la humanidad se adentra en un mundo desconocido y sorprendente para ella: es necesario comenzar a construir casi desde los cimientos".


"Orelhas" e "champanhe"

Ainda não consegui chegar ao link da TSF relativo à crónica do Fernando Alves do dia 18/10/04. Mas valia a pena ouvir. Juntarei o link assim que ficar disponível.
O futebol tem o sortilégio de sempre ter conseguido surpreender-me mesmo quando já julgava isso impossível. A polémica a propósito da companheira de Pinto da Costa e da sua presença no Benfica-Porto de domingo trouxe o debate entre dirigentes até um degrau bastante rasteiro, com referâncias a "orelhas" e "champanhe". De parte a parte, mas sobretudo da parte de José Veiga que, a cada nova declaração pública, parece querer confirmar que o uso de gravata não significa nada.
É verdade que cada povo tem os dirigentes que merece, mas já era tempo de estes senhores - todos eles! - entenderem que estão investidos de um papel importante e devem comportar-se à altura, não dos seus próprios padrões de comportamento, mas do que deve ser o exemplo para alguns milhares de associados e alguns milhões de adeptos.

Pode a política ser "inactiva"

Segundo o ministro Gomes da Silva, Marcelo estava na "política activa" quando comentava para a TVI. Mas o que significa concretamente a expressão "política activa"? Haverá um oposto para ela, como "política inactiva" ou "política passiva"? Não será pela sua própria natureza, a política, toda a política, "activa"? A ausência de tomada de posição política é em si mesma uma acção política. O que sucita todo um mundo de reflexões (que fico a dever à estampa virtual).

Correcto e afirmativo

O ministro Rui Gomes da Silva pode parecer um pouco tonto, mas esteve certo em duas frases:

Não houve nenhuma pressão para acabar com o programa. Houve combate político. Estamos na fase do combate político. Havia uma pessoa que por acaso era do meu partido que tinha um interesse não coincidente com aquele que eu entendo. O que eu fiz foi, exercendo a liberdade de expressão que me é reconhecida, dizer aquilo que penso.”

As pessoas envolvidas dizem que não houve pressões, mas há a presunção de que existem. Ou seja, inverte-se o ónus da prova. O ónus da prova deixou de ser da responsabilidade de quem acusa e passa a ser de quem é acusados. Os acusados têm que provar que não é verdade aquilo que se diz? A insinuação é prova de direito em Portugal?”

sábado, outubro 16, 2004

Volta Marcelo, estás perdoado!

A regência é um período em que o verdadeiro chefe do poder não está lá e fica outro para tomar conta. Tem de fazer qualquer coisa, pode ser um ‘entertainer´ escolhido dentro do grupo de amigos (…) Este regente distrai à brava a oposição, promete e despromete todos os dias a mesma coisa, o que é típico do ‘entertainer’, e não tem nenhuma capacidade para servir o país (…) Ele é claramente incompetente. Não é conhecido por ser bom decisor, nem na vida privada, nem na gestão autárquica.
Belmiro de Azevedo sobre Santana Lopes, no Expresso

quarta-feira, outubro 13, 2004

Será que ouvi bem !!??

"Estamos disponíveis para salvar o sector da saúde, introduzindo-lhe maior competitividade"
Salvador de Mello, presidente da José de Mello Saúde
in Público

sexta-feira, outubro 08, 2004

Santana em lume brando

Acho que até Marcelo Rebelo de Sousa ficou supreendido com o impacto público da sua decisão. Não com o sentido das manifestações, que certamente o professor previu e antecipou, mas com a magnitude atingida.
Nos debates televisivos da noite alguém perguntava se Marcelo iria esclarecer a opinião públcia sobre o que realmente se passou ou se iria deixar Santana "em lume brando", foi esta a expressão. Os dois comentadores que ouvi sobre esta matéria foram unânimes em achar que Marcelo iria esclaracer a opinião pública mas eu, logo quando a pergunta foi feita pensei imediatamente: "lume brando, claro!"
Um "processo de intenções políticas" sobre esta matéria permite perceber porquê. Se Marcelo quer somente manter a sua imparcialidade de comentador e mesmo preservar a sua imagem (que vale dinheiro), virá aproveitar a onda para maximizar os seus efeitos e fará uma conferência de imprensa para dar a sua versão - naturalmente picante - dos acontecimentos. Se o que pretende é desgastar a liderança de Santana em nome de um projecto presidencial (seu ou do "seu" candidato), então não se pronunciará publicamente sobre este matéria alegando confidencialidade e deixará Santana em lume brando. Como é óbvio, aposto na segunda hipótese.

Portas, o político

Já repararam como Paulo Portas tem passado ao lado de todas as polémicas que têm assolado estes agitadíssimos dois meses de santanismo. Alguém escreveu, em tempos, que Santana estava a milhas da sagacidade política de Durão e que seria presa fácil para o "faro" poltíco de Portas. Os últimos dois meses têm dado inteira razão a esta observação. Na questão presidencial do PSD e nas guerras que internamente se vão lutando, quem mais beneficia é Paulo Portas, que, com posições claras, assegura primeiro que tudo o seu próprio eleitorado, como aconetceu no caso do "barco do aborto" e agora com o caso "Marcelo". Para o PP a questão é primeiro que tudo um problema do PSD, mas não passa de uma questão laboral entre uma entidade empregadora e um seu assalariado, o que torna incompreensível a audiência presidencial a Marcelo. Ao contrário do que acontece com o PSD, o PP não está hipotecado ao presidente, como mais uma vez demonstrou. E isso dá-lhe votos dentro do seu segmento do "mercado" eleitoral. Mais: a questão presidencial surge no PSD por causa do PP, mas o PP passa-lhe completamente ao lado proque sabe que um PSD fraco e dividido é um PP forte. Ou seja, Paulo Portas e o PP estão a pensar apenas e só nas legislativas. Para o Partido Popular, primeiro está o partido e só depois a coligação. É PSD que está a arcar com o desgaste de suster um governo de coligação entre dois partidos. Portas está a ser politicamente inteligente e Santana não conseguiu ainda fazer-lhe frente.

Jogo político

Claro que o caso"Marcelo" merece ser discutido, antes de tuudo o mais, à luz da questão da concentração do meios de comunicação social e da sua influência sobre a informação. Essa é um problema a meu ver insuficientemente debatido e aquele que mais carece de debate, porque é o que mais nos pode afectar como colectividade. Tudo aponta para que o grupo Media Capital tenha influenciado a política editorial de um dos seus meios (a TVI) em função de negócios que possui noutras áreas. Presumo que uma boa parte da motivação do presidente para receber Marcelo é precisamente essa, como "fez saber" ao público. Embora me pareça a mais importante, esta faceta do problema ainda foi muito pouco discutida, independentemente de se provar ou não que houve tentaiva de influência da administração da Media Capital sobre a política editorial da TVI. Ou seja, mesmo que tal influência não tenha existido, a questão continua a merecer debate porque continua a ser pertinente.
Por outro lado, o caso "Marcelo" também merece ser discutido, embora menos, no sentido de determinar se houve ou não algum nexo de causalidade entre declarações ou acções de membros do governo e a demissão do comentador. A provar-se tal nexo estaríamos perante uma ingerência do governo numa matéria que claramente não lhe compete, com as necessárias consequências institucionais e políticas. As audições parlamentares que vai haver e uma parte das notícias sobre esta matéria vai tratar desta questão.
Por fim, o caso "Marcelo" vai sem dúvida ser profusamente discutido - nomeadamente nos blogues - naquela que, embora interessante, é a menos importante das suas vertantes: o jogo político-partidário. As declarações de Cavaco Silva sugerem que há uma batalha no interior do partido em torno da questão presidencial. Existia essa batalha antes de Santana ser primeiro-ministro e naturalmente a questão não se esvaiu em fumo depois disso. Há certamente duas facções a digladiarem-se no interior do partido e a questão presidencial é um dos motivos dessa "guerra" surda.
Em suma, a discussão que se fará do caso "Marcelo" será inversamente proprorcional à importância da coisa discutida.

quinta-feira, outubro 07, 2004

Merece reflexão

"Só há duas formas de lidar com a comunicação social. Ignorando-a, como Cavaco Silva, ou alimentado-lhe o ego, como António Guterres."
João Marcelino, Correio da Manhã

Ironia marcelista

Cito a TSF à cata de Marcelo Rebelo de Sousa no final da audiência em Belém: "à saída nem uma palavra." Mas que ironia!

Caso "Marcelo"

Este é claramente um processo em curso e ainda com contornos por definir. A possível intervenção do presidente pode dar-lhe um eco ainda maior. Mas cito Vital Moreira para dar como adquiridos alguns factos e três perguntas incómodas:

"Factos:
a) Um Ministro condena duramente o comentário político dominical de MRS na TVI;
b) O visado reserva-se o direito de responder no próximo programa;
c) Depois de uma conversa com o proprietário da estação, por inicitiva deste, MSR anuncia a imediata cessação do seu programa;
d) MRS não dá explicações para esta súbita decisão, dizendo somente que durante mais de quatro anos sempre pôde conceber e executar "livremente" o seu programa, deixando entender que essa liberdade teria deixado de existir.

As perguntas são óbvias:
(i) O que é que Paes do Amaral disse a MRS, para forçar este a abandonar o programa, que claramente fazia com inexcedível gozo?
(ii) O que é que levou Paes do Amaral a provocar o fim de um programa que evidentemente trazia enormes vantagens à estação?
(iii) O que é que o Governo teve a ver com isso?

Impõe-se uma resposta inequívoca a estas perguntas. E URGENTE!"

quarta-feira, outubro 06, 2004

Aldeia Global

Li isto num blog, mas já não sei qual. Devia citar a proveniência e com gosto o faria se a soubesse. De qualquer modo, porque me parece lapidar para o mundo moderno, aqui vai:

"Se fosse possível reunir a população mundial numa aldeia de 100 pessoas mantendo as proporções de todos os povos existentes no mundo, essa aldeia seria composta do seguinte modo:

- 57 asiáticos
- 21 europeus
- 14 americanos (norte, centro e sul)
- 8 africanos
- 52 seriam mulheres e 48 homens
- 70 seriam não cristãos
- 30 seriam brancos
- 6 pessoas possuiriam 59% da riqueza do mundo inteiro e todos seriam dos EUA
- 80 viveriam em casas sem condições de habitabilidade
- 70 seriam analfabetos
- 50 sofreriam de subnutrição
- 1 estaria para morrer
- 1 estaria para nascer
- 1 possuiria um computador
- 1 teria uma licenciatura"

Agora imaginem o que seria a vida nesta aldeia... e perceberão porque razão o mundo está como está!

O fim de uma era?

"É uma decisão natural sem dramatismos. Até ao congresso continuarei a desempenhar cabalmente as minhas funções tal como o tenho feito há mais um ano, isto é desde de que dei conhecimento aos órgãos executivos do partido". Carlos Carvalhas, no Público.

Será que li bem? Dando como boas as declarações (não conheço razão para o não fazer), há mais de um ano que os órgãos executivos do partido sabiam da decisão. E não se soube nada? Nem uma fugazinha para um jornal? Nem um "disse à esposa, que disse à amiga, que disse ao primo, que disse ao jornal"? Haverá outro partido português - ou de qualquer democracia ocidental - no qual uma informação com o peso desta permanecesse em segredo? Este é um bom exemplo daquilo que distingue o PCP dos restantes partidos portugueses e provavelmente de todo o mundo democrático. E é, independentemente de tudo o resto, admirável em si mesmo.
O PCP foi forjado na clandestinidade e o segredo tem por lá certamente um valor diferente do que tem nos outros partidos. O centralismo democrático também moldou ao longo do anos os comportamentos admissíveis nos membros do partido tornando-os mais "cúmplices" uns dos outros.
Mas essas são apenas duas partes da explicação deste fenómeno. A terceira resulta do facto de o PCP ser um partido "do antigamente": cheio de velhos, de velhos métodos e de velhas ideias. E uma dessas ideias é a de que a política faz-se em nome de valores pelos quais temos o dever de lutar independentemente dos nossos interesses. É isso também que forja a cumplicidade entre os membros de um partido, uma cumplicidade capaz de manter um segredo como este inviolável durante tanto tempo.
Nos partidos "modernos" das democracias liberais, o móbil para a acção política é mais vezes os interesses (invididuais ou colectivos, é irrelevante) do que as verdadeiras convicções políticas ligadas à crença em determinado valores pelos quais a sociedade se deve reger. Num partido liberal - dou o PP como exemplo - uma informação como aquela não permaneceria em segredo mais do que uma semana.
É também por isso que a extinção do PCP ou a sua conversão à democracia liberal (não me parece que vá acontecer agora, mas está agora naturalmente a ser discutida) representará o fim de uma era, não só em termos nacionais, mas também, de certo modo, em termos internacionais. Este é o último dos "velhos" partidos comunistas. É por isso o representante de outros tempos e de outra forma de fazer política. Resta saber se nesta "nova era", a forma de fazer política é mais capaz de nos satisfazer enquanto sociedade. A mim basta-me olhar o mundo em volta para ficar com sérias dúvidas. E essa é a melhor homenagem que posso fazer ao PCP.

domingo, outubro 03, 2004

Nu-jazz, downbeat, house, hip-hop

Neste site explorado pela Mercedes-Benz existe uma plataforma que permite fazer o download gratuito de música de novos projectos oriundos um pouco de todo o lado. Para quem gosta de house, nu-jazz, downbeat e hip-hop, vale a pena uma visita. Quem tem música para divulgar também pode mandar demos para eventual integração. Os próprios responsáveis do site sugerem a divulgação. Eu já fiz a minha parte.

Diana Krall

Gostei de ver Diana Krall no Coliseu. Mesmo constipada, conseguiu criar um clima intimista como não se esperava numa sala tão grande. E provou que para ser bom, um sistema de som não tem que ser ensurdecedoramente alto.

sábado, outubro 02, 2004

Taxar as estradas municipais

Segundo o DN, o autarca de Viana do Castelo ameaça fazer taxar a estrada municipal que atravessa a cidade e é alternariva à auto-estrada SCUT se o Governo avançar com a implantação de portagens na mesma. É uma atitude corajosa e uma ideia inspiradora.
E, na verdade, porque não? Porque não há-de uma autarquia taxar uma estrada para desincentivar o seu uso, como o poder central faz em tantos locais por esse país fora? Porque razão não há-de uma autarquia usar os seus recursos da mesma forma que o governo central usa os seus.
Claro que há, provavelmente, caciquismo envolvendo esta questão e claro que o tema do pagamento de taxas em auto-estradas deve ser discuto (se é que tem discussão...) num plano diferente. Mas a reflexão que me suscita a atitude arrojada do autarca insere-se no plano da legitimidade, nem sequer legal, mas apenas política. Perante um estado forte e centralizador não será uma coisa boa que haja poderes locais disseminados capazes de contrapor medidas e defender os interesses das populações locais? Nesta questão da portagens, "a procissão ainda vai no adro", mas parece-me profícuo que se abra este precedente, pelo menos para discussão, pois envia uma mensagem bem clara para os senhores do Terreiro do Paço.

Opinion overflow

Na sua coluna de hoje, Vasco Pulido Valente analisa o primeiro debate entre Bush e Kerry. As conclusões, como seria de esperar, são interessantes e concordo com elas. Mas espantou-me a atribuição de virtudes e defeitos a cada um dos canditatos. Acho que existe muita gente que acha que Bush não é "simpático", nem "bonzão" e muito menos ajudaria uma "velhinha a atravessar a rua". Não tenho dúvidas que, pelo contrário, muita gente (na Europa) considera que Bush tem um ar "empertigado e superior" e facilmente o imagina "a vigarizar e a mentir".
Vasco Pulido Valente é um dos mais arrojados e inovadores comentadores da actualidade. As reflexões que nos propõe sobre os acontecimentos são quase sempre originais mas plenas de pertinência. Quase sempre nos surpreende com a leitura que faz dos acontecimentos, mas com uma fundamentação tão óbvia que nos parece inacreditável que não o tivessemos "visto" antes! VPV é um comentador arrojado e inovador por oposição a um outro tipo de comentário (que também existe), extremamente fundamentado em análise, quase científico, mas que produz muito pouca ideias originais. Ou seja, o espírito criativo tem que ser livre. VPV usa as ideias como elos de uma corrente de cadência rápida. Cada elo alimenta o seguinte sem muita verificação de forma a produzir tão cedo quanto possível os resultados finais que lhe elogiamos. Um tipo de comentário mais "cartesiano" obriga a verificar mais aturadamente a solidez de cada um dos elos da cadeia de raciocínio antes de o pôr por escrito. Resultado: o raciocínio produz menos "ideias" e não tem o mesmo alcance. É como se (se não for mesmo...) o cérebro fizesse mais sinapses no mesmo período de tempo. Produz um maior número de associação de ideias e, partindo das mesmas premissas (neste caso a transmissão televisiva de um debate entre dois candidatos à presidência dos EUA), leva a conclusões mais arrojadas.
O bloguismo também funciona da mesma forma e - mais importante - estimula o mesmo tipo de associações rápidas de ideias, como podemos confirmar em qualquer blogue que visitemos. É por isso que VPV tem tantos adeptos na blogosfera e é também por isso que a blogosfera produz tantas boas ideias sobre o que nos rodeia. A emergência do fenómeno da blogosfera provocou alterações sensíveis naquilo que esperamos de um comentador da actualidade. Habituados a usar as modernas ferramentas da internet, estamos preparados para um fluir muito mais rápido da informação e da opinião, e interessa-nos ler algo que ainda não saibamos ou "ver" determinado acontecimento numa perspectiva que ainda não tenhamos experimentado.
Mas será isso verdadeiramente o mais importante? Não será isso superficial? Que valor tem um comentário sobre a actualidade se lermos na mesma meia-hora dez outros diferentes sobre o mesmo tema? Sobretudo se a preocupação de cada um deles não for fazer a mais correcta análise da actualidade mas sim a mais original. Neste quadro, a sobreprodução de informação e análise da actualidade é contra-producente, uma vez que, ao contrário do que se pretendia, não nos facilita a formação sobre um determinado tema, antes no-la dificulta. Esta também é uma reflexão rápida.

A arrogância é um atributo dos vencedores

Apesar de tudo, o recente reencontro entre Mourinho e o F.C.Porto e os portistas correu relativamente bem, se descontarmos aquele episódio da cuspidela, aliás prontamente menorizado pelo treinador. A verdadeira prova de fogo fica guardada para a visita do Chelsea ao Dragão. Aí sim vamos ver de que são feitos os adeptos e os respnsáveis do F.C. Porto.
Mas o que me traz aqui é sublinhar mais uma vez a correcção demonstrada por José Mourinho nas acções antes e durante o jogo e nas palavras que ou lhe ouvi depois dele. Na maior parte dos casos, Mourinho é um treinador correcto e justo. Mas não gosta de perder e adora ganhar. E é por isso que é considerado arrogante. Acontece que a arrogância é um atributo dos vencedores. Mourinho pegou numa equipa do Porto em plena crise (após três anos sem título) e, com um punhado de jogadores desconhecidos, construiu uma equipa que arrasou em Portugal e ganhou tudo na Europa em dois anos consecutivos. Salvaguardadas as devidas distâncias é como se, de repente, Pedro Santana Lopes conseguisse, em dois anos, pôr Portugal ao nível da Noruega ou da Dinamarca em qualquer indicador de desenvolvimento. Se tal acontecesse, e ainda antes de acontecer, os comentadores decerto não deixariam e usar a expressão "milagre económico". Pois bem, o que Mourinho fez no Porto foi um "milagre desportivo", um sucesso inexplicável à luz de qualquer análise racional. (À margem; é isso que distingue o futebol da política: em política não há milagres e é por isso que ela é infinitamente mais importante que o futebol). Ganhou o direito de ser arrogante, porque sempre que o foi cumpriu o que prometeu. E devia ter ganho também a gratidão do adeptos do clube que ele levou ao patamar mais alto a que podia ascender. É isso que vamos avaliar quando ele regressar ao Porto. Pela minha parte, mesmo não sendo portista, recebe a admiração de um adepto do jogo.


quinta-feira, setembro 30, 2004

Professores sem ética?

No quadro de um sistema de colocação de professores que tão depressa pode colocar um docente ao lado de casa como a centenas de quilómetros de distância, é previsível que cada um dos interessados faça o que estiver ao seu alcance para ficar perto de casa e evitar a desregulação - que, recorde-se, nalguns casos é anual - da sua vida quotidiana e familar. Quem, posto perante a imprevisibilidade e irracionalidade da situação, não recorreria a atestados médicos que atire a primeira pedra.
Mas um professor é um educador. É, em muitos casos, um modelo de comportamento para as nossas crianças e os nossos jovens, juntamente com os pais ou a família, nalgumas vezes mesmo, infelizmente, em vez dos pais ou da família.
Claro que a ética e a verticalidade são atributos individuais que compete a cada um de nós cultivar e que só se expressam perante o seu contrário. Só podemos assumir um comprtamento ético perante a tentação de um comprtamernto não conforme com a ética. Por isso, a cada um dos professores que apresentou atestados médicos falsos para conseguir influenciar a colocação pode ser imputado um comportamento censurável. Mas mal da sociedade que coloca os seus professores perante este dilema. Mais ainda num quadro geral em que, em muitas outra áreas da nossa vida colectiva, não é apontado o dedo àquele que "se safa" mas sim àquele que, em nome de valores vagos, não "aproveita" os "recursos" ao seu alcance. Para muitos professores - e facilmente se percebe que também para a população em geral - um professor que consegue um atestado para ficar colocado junto de família faz aquilo que é "normal"; um professor que se recusa a fazê-lo mesmo tendo essa possibilidade porque "não é correcto" passa por imbecil. Está assim o estado moral da nação...

Há sistema informátco que resista?

Não disponho de toda a informação nesta matéria, mas nas entrelinhas do falhanço do primeiro sistema informático de colocação de professores e das explicações esquematicamente detalhadas do autor do segundo, deu para perceber a extrema complexidade do processo. A verdade é que, entre concessões aos sindicatos, compensações ou maneiras de minimizar o "desterro" de professores e diversos factores de "priorização" das candidaturas, estamos perante um processo de colocação que se vê obrigado a ter em conta numerosos critérios alternativos ou mesmo conflituantes. E isso em resultado de ser um processo centralizado e não focalizado nas escolhas ou nas comunidades educativas. A complexidade do processo de colocação de professores, que pôs KO um sistema informático e deu luta a outro, resulta, na origem, do centralismo de todo o processo. Tudo o resto são consequências deste defeito original. E todos os elementos que tornam o sistema complexo resultam de medidas metidas dentro do sistema com a a intenção de corrigir essa consequências.

Como colocar professores

No pico da polémica acerca da colocação de professores recordo-me de ter ouvido uma reportagem, julgo que na TSF, que, bem a propósito, fazia a ronda pelo método de colocação de professores em vários países europeus. Em quase todos eles o processo não era centralizado mas sim regional, estando a distribuição dos professores pelas escolas a cargo de cada um dos executivos regionais. E, obviamente, em todos os casos o processo tinha decorrido com toda a normalidade e as aulas iniciaram-se na mesma data de sempre, nalguns casos início de Setembro. Ou seja: à primeira vista a regionalização pareceria fazer falta por aqui. Mas a verdade é que na mesmo reportagem também se dizia que nalgumas regiões alemães, o quantitativo populacional era muito superior ao português e o número de professores a colocar também. E nem por isso houve erros ou atrasos. O que quer dizer que o problema pode ser outro. Na verdade parece-me que o problemas é uma combinação dos dois: a conhecida tendência centralizadorado poder político nacional, combinada com uma atávica displicência com que em Portugal se fazem muitas coisas.

quarta-feira, setembro 29, 2004

Eu quero um referendo!!!

A maioria dos portugueses pronunciou-se (mais uma vez) a favor de um novo referendo sobre o aborto no barómetro TSF/DN. Provavelmente alguém telefonou para casa dos inquiridos e lhes perguntou se gostariam de ser ouvidos. Ao que uma larga maioria obviamente respondeu que sim. Nada mais simples. Resta saber se a mesma maioria está na disposição de prescindir de um dia de praia ou de andar 500m a pé para ir votar num referendo... Estou em crer que a este número temos que tirar pelo menos 20 por cento. É este o povo que somos: prontos a dizer que sim mas menos dispostos a fazer algo.

sexta-feira, setembro 24, 2004

Manifesto

“Mas esta publicação de poeta para poeta não me tenta, não me incita, não me anima senão a emboscar-me na natureza, perante uma rocha e uma onda, longe das editoras, do papel impresso… A poesia perdeu o seu vínculo com o leitor distante… Tem de o recuperar… Tem de caminhar na escuridão e encontrar-se com o coração do homem, com os olhos da mulher, com os desconhecidos das ruas, daqueles que a certa hora crepuscular ou plena noite estrelada carecem nem que seja de um único verso… Tal visita ao imprevisto vale todo o caminho andado, tudo o que se leu, tudo o que se aprendeu… É preciso perdermo-nos entre os que não conhecemos para que de súbito recolham o que é nosso na rua, na areia, nas folhas caídas durante mil anos no mesmo bosque… e tomem ternamente esse objecto que nós criamos… Só então seremos verdadeiramente poetas… Nesse objecto viverá a poesia…”

“Outros medem a pauta dos meus versos, provando que os divido em pequenos fragmentos ou os estico demasiado. Não tem nenhuma importância. Quem determina que os versos sejam mais curtos ou mais compridos, mais delgados ou mais gordos, mais amarelos ou mais vermelhos? O poeta que os escreve. Determina-o com a sua respiração e o seu sangue, com a sua sabedoria e a sua ignorância, porque tudo isso entra no pão da poesia.
O poeta que não seja realista está morto. Mas o poeta que seja só realista está morto também. O poeta que seja apenas irracionalista só será compreendido por si mesmo e pela sua amada, o que é bastante triste. O poeta que seja só um racionalista será compreendido até pelos asnos, o que é sumamente triste. Para tais equações não há cifras na pauta, não há ingrediente decretados por Deus, nem pelo Diabo. Pelo contrário: estas duas personagens importantíssimas mantêm uma luta constante dentro da poesia, e nesta batalha ou vence uma ou vence a outra. Mas a poesia é que não pode ficar derrotada.”

“Coube-me sofrer e lutar, amar e cantar. Tocaram-me na partilha do mundo o triunfo e a derrota, provei o gosto do pão e do sangue. Que mais quer um poeta? Todas as alternativas, do pranto até aos beijos, da solidão até ao povo, estão vivas na minha poesia, reagem nela, porque vivi para a minha poesia e porque a poesia sustentou as minhas lutas. E se muitos prémios alcancei, prémios fugazes como borboletas de pólen evasivo, alcancei um prémio maior, um prémio que muitos desdenham mas que, na realidade, é para muitos inatingível. Consegui chegar, através de uma dura lição de estética e rebusca, através dos labirintos da palavra escrita, à altura de poeta do meu povo. O mau prémio maior é esse – não os livros e os poemas traduzidos, não os livros escritos para descreverem ou dissecarem as palavras dos meus livros. O prémio foi aquele momento fundamental da minha vida, no fundo do vale de Lota, ao sol pleno da nitreira abrasada, quando um homem subiu da cova aberta na escarpa como se emergisse do Inferno, com a cara alterada pelo trabalho esmagador, os olhos avermelhados pela poeira, e, estendendo-me a mão calejada, uma mão com o mapa da pampa nas suas durezas e nas suas rugas, me disse, de olhos brilhantes: «Conhecia-te desde há muito tempo, irmão». São estes os louros da minha poesia – esse buraco na pampa terrível do qual sai um operário a quem o vento e a noite e as estrelas do Chile lhe disseram muitas vezes: «Não estás sozinho; há um poeta que pensa nas tuas dores».
Entrei para o Partido Comunista do Chile em 15 de Julho de 1945.”


Pablo Neruda, Confesso que vivi

segunda-feira, julho 26, 2004

Cuidado !!

Fumar pode provocar morte lenta e dolorosa.Lenta!! E dolorosa!!

Alguém pagou esta publicidade?

Não estou certo das palavras, mas é qualquer coisa deste género: "O que acha mais importantes numa relação? Fidelidade? Estabillidade? Segurança? Se respondeu sim, então deve ser cliente do BIC.

Estará o Norte de África a "emigrar" para a Europa?

Obviamente, o traço mais preocupante da recente vaga de incêndios é do tipo macro-ambiental. Não sou especialista nesta área, mas, no exercício das minhas competências de leigo na matéria, parece-me que o facto de em dois anos seguidos haver em Portugal duas vagas de incêndios motivadas por vagas de calor anormalmente alto é um sinal claro de desertificação. É assim que as terras férteis se tornam terras áridas. E esse é naturalmente o risco maior que corre um país como Portugal, separado do deserto africano por uma simples e irrisória língua de mar. A médio prazo, o que a elevação média das temperaturas e a ocorrência de fenómenos como os incêndios provoca é que Portugal se converta numa extensão do Norte de África. Mantendo as suas estâncias de férias junto ao mar, mas sem nada entre estas e a “civilização”. Este é um cenário que já esteve mais longe do que está e já foi menos plausível do que é. Sobretudo porque, para o evitar, parecem necessários esforços de cariz internacional ou mesmo mundial, um areópago onde, como se sabe, Portugal “pesa” muito pouco, sobretudo desde que as suas estâncias de férias sejam preservadas.

Fogo posto ou teoria da conspiração?

Toda a gente percebe que a conjugação de temperaturas anormalmente altas com ventos fortes é o rastilho que provoca os incêndios. E no entanto, do mais humilde popular ao mais directamente envolvido dos técnicos, sempre que surgem os fogos aparecem igualmente as teorias de fogo posto. Às quais, naturalmente os jornais e as televisões dão a cobertura que seria de esperar. É particularmente sintomático que o presidente do Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil tenha afirmado que "as temperaturas não justificam tudo, nomeadamente a simultaneidade de fogos em vários pontos do país. Depreende-se facilmente que se trata de fogo posto." Então mas o calor não é simultâneo em todo o país? E, pela negativa, será que os incendiários, lunáticos ou mandatados por interesses, esperam pela conjugação de temperaturas altas com ventos forte para atearem os fogos? Que o povo entrevistado para a televisão seja o primeiro a afirmar peremptoriamente que os fogos são postos, obviamente sem qualquer conhecimento da matéria, não é de estranhar. Resulta do costume nacional de ter que encontrar em todo o assunto uma teoria da conspiração. Que um responsável pela Protecção Civil aproveite essa "opinião generalizada" para, cavalgando-a, preservar o desempenho das forças que dirige face à "magnitude" do "inimigo" que enfrentam, é condenável mas não surpreendente. Que um jornal insuspeito como o público ponha essa hipótese em primeira página sem algo mais fundamentado do que esta opinião do presidente do SNBPC, é surpreendente e criticável, e é o que alimenta a "opinião generalizada" na qual tudo começa. Se há interesses por detrás  dos fogos eles devem ser claramente denunciados e isso ainda não foi feito, nem pelos responsáveis nem pelos meios de comunicação. Se há pirómanos por detrás dos fogos, então devem ser perseguidos e condenados. Tudo o que esteja para além disso são suspeições que, à força de repetição, se convertem numa teoria da conspiração. 


quinta-feira, julho 01, 2004

Dois momentos simbólicos

Para lá do histerismo colectivo e das incidências do jogo, mas em consequência delas, há dois momentos simbólicos (televisivos) do jogo de ontem que exemplificam o dramatismo que faz do futebol o desporto de massas que ele é:

1. A imagem de Jorge Andrade deitado no chão após o apito final do árbitro, de olhos fechados, respirando fundo depois de tirar dos ombros o peso da responsabilidade (mesmo involuntária) por uma quase reviravolta no resultado. Nunca um jogador português terá respirado tão fundo quanto Jorge Andrade naquele momento.

2. O abraço entre Luis Figo e Rui Costa no final do jogo foi uma partilha de sentimentos - e também de responsabilidades - entre dois jogadores que trocam bolas desde a sua meninice e desde a sua meninice levam o país às costas pelos palcos futebolísticos do mundo inteiro. Só eles saberão o que disseram um ao outro naquele longo abraço, mas aposto que uma das coisas que disseram foi "conseguimos".

Luis Figo ainda se emociona

Quando o repórter da RTP lhe perguntou após o jogo se, depois de conquistar tantos títulos, a presença na final do Campeonato da Europa ainda o conseguia emocionar, Luis Figo podia ter respondido que há sempre algo de especial em todas as conquistas, que um jogador de futebol tem sempre algo que ambicionar, etc, etc. Mas não! Luis Figo disse quelquer coisa como "Não há nada que se compare a levar a selecção de Portugal à final do Europeu. Ao pé disso todos os meus títulos de nada valem". E depois lembrou que foi há 13 anos precisamente que em Lisboa a sua geração conquistou o título de campeã mundial de juniores e dedicou a vitória a todos os seus companheiros de percurso que por uma razão ou outra não estiveram presentes nesta ocasião. Foi bonito de ver e provou que Luis Figo ainda se emociona.

quarta-feira, junho 30, 2004

Se eu fosse holandês...

Conhecendo como conheço a forma como a imprensa desportiva portuguesa costuma reagir sempre que o prestígio nacional é minimamente beliscado além-fronteiras (como no recente caso do árbitro do Espanha-Portugal), imagino como me sentiria se fosse holandês e, de visita desportiva a Lisboa, descobrisse nas bancas as primeiras páginas de hoje dos jornais A Bola e Record. Revelam no mínimo mau gosto e no máximo uma atitude provocatória. E o mais grave é que os próprios nem se apercebem de que algures pelo meio perderam de vista o jornalismo...

Ainda a crise política...

Ainda sobre a crise política, ficou por dizer que a solução mais correcta no plano dos princípios seria no fundo o PSD pedir ele próprio a realização de eleições antecipadas. Tal como fez o PS em 2001, também depois da demissão do líder e também depois de umas eleições não legislativas em que sofreu uma derrota. O paralelo é mais que evidente e todos nos recordamos que na altura o Presidente quis manter o Governo mas o PS quis ir a votos, mesmo já então contra as sondagens que as urnas vieram a confirmar. Se tivermos em conta a constituição e a organizãção do nosso sistema político, o PSD não tem nada que o fazer, uma vez que o que conta é o resultado eleitoral das últimas eleições legislativas. Mas se o PSD quisesse ser fiel à quase manifesta vontade dos eleitores, então libertaria o Presidente do fardo de ter que tomar uma decisão tão difícil quanto esta e pediria eleições antecipadas. Mas, como dizia um amigo meu perante este cenário, "isso seria dar o ouro ao bandido", sendo o "ouro" o poder e o "bandido", obviamente, o PS. E esta é de facto a leitura que se faz no PSD, o mais "político" dos partidos políticos portugueses. A política não é mais do que a execução de todas as medidas tendentes à conquista e manutenção o poder. Ponto final.E é isso também que faz dele o mais "moderno" de todos os partidos portugueses. O que é preocupante.

terça-feira, junho 29, 2004

Rodrigo Leão está de volta

Rodrigo Leão está de volta com "Cinema", um disco onde o latim deu lugar às imagens. Há canções simples de reconforto, há versos de amor e há participações surpreendentes (Beth Gibbons) e outras quase "óbvias" (Ryuichi Sakamoto). Um disco a não perder.
A não perder também a conversa ao fim da tarde de Rodgrigo Leão com Carlos Vaz Marques. Ainda está em audição em três partes na TSF. Para se perceber como as explicações simples são as mais belas. Tal como a música.