segunda-feira, setembro 19, 2005

Carrilho, Carmona e as autárquicas

Quatro observações sobre Carrilho, Carmona e Lisboa.

1. Em todos os debates em que tive a oportunidade de ver mas, mais do que todos, no que o opôs a Carmona, Carrilho pareceu sempre nervoso e excessivamente agressivo. Carrilho conquistou a pulso e contra a vontade do secretário-geral do partido e possivelmente contra o partido, o direito de ser candidato em Lisboa e sabe que não terá carreira política para além de uma derrota. Por isso joga o tudo por tudo. Mais: Carrilho tem-se em muito boa conta e pensa, provavelmente, que daria um excelente primeiro-ministro ou presidente da República. Por isso vê esta eleição/mandato como uma etapa transitória no destino para que está fadado. Vê-a portanto com algum enfado. E isso nota-se na pressa com que quer eliminar adversários e etapas para chegar ao seu destino. Claramente, Carrilho vive noutro mundo e o choque com a realidade vai ser brutal

2. A agressividade mútua do debate Carmona/Carrilho deve ter afastado mais eleitores do que aqueles que conquistou. Para ambos os candidatos. É verdade que foi Carrilho e não Carmona que instalou o ambiente de terrorismo mediático em que decorreu o debate. Mas, tivesse Carmona sabido resistir e poderia ter ganho as eleições naquela noite. Foi neste detalhe que se notou a falta do político que ele não é. Assim, julgo que ambos perderam votos e não serão poucos os eleitores que a esta hora estarão a consultar as propostas de Maria José Nogueira Pinto, José Sá Fernandes e Ruben de Carvalho.


3. O problema para quem pretende votar nas alternativas ao bloco central é o voto útil. Se o voto útil exerce uma pressão enorme sobre os eleitores nas eleições legislativas, nas autárquicas exerce-a ainda mais, porque a influência das oposições é ainda menor nas autarquias do que no governo central. A inutilidade de um voto derrotado nas autárquicas – e um voto nos extremos é sempre um voto derrotado – é ainda maior que nas legislativas, o que tendencialmente reforça a centralização do voto. Ele só não se centraliza mais porque, ao contrário, a importância do voto é em si mesma menor, o que permite maior liberdade de voto aos eleitores. Destas duas tendências contraditórias resulta uma forte pressão sobre o voto útil. Sem ela, e com Carmona e Carrilho a prejudicarem-se mutuamente de forma tão evidente, qualquer um dos “pequenos candidatos” poderia ganhar em Lisboa.

4. O problema do distanciamento entre eleitores e eleitos não é só um problema nacional. Paradoxalmente à proximidade geográfica, esse afastamento é ainda maior nas autarquias. O que, manifestamente, resulta de um sistema de governação das câmaras ainda mais irracional do que o sistema de eleição para os órgãos de governação nacionais. Esta é uma questão que claramente transcende Carmona e Carrilho, mas em boa parte os explica, assim como aos epifenómenos Valentim, Ferreira Torres e Isaltino. Depois de eleito, um executivo camarário fica em roda livre (uma das irracionalidades do sistema é que não permite controlo efectivo), com os efeitos que se conhecem.

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