terça-feira, novembro 18, 2003

Os números nas notícias

Numa notícia da TSF acerca de um congresso de especialistas que se realiza em Lisboa sobre pedofilia foi dito que «uma em cada quatro raparigas são abusadas sexualmente até aos 18 anos».
Entre familiares e amigas, eu conheço algumas mulheres, pelo menos umas oito, com o grau de intimidade suficiente para saber que isso não aconteceu a nenhuma delas. Ora, por um mero raciocínio estatístico, isso quer dizer que o eventual leitor deste post tem, em cada quatro amigas ou familiares, duas que foram abusadas sexualmente antes da maioridade. Será mesmo assim? Sinceramente, penso que não.
Nesta insuspeita notícia o que se faz é utilizar um número sem o filtro do bom senso. Como de resto acontece com muitas outra notícias, com especial incidência sempre que se fala dos malefícios do tabaco (há sempre uma quantidade «inacreditável» de mortes ou problemas de saúde que são devidos ao tabaco). Um número como o referido acima tem sempre numa notícia um impacto maior que qualquer outro componente textual da notícia. Por isso, quando posto perante um número como este, o jornalista deve questioná-lo. Deve questioná-lo primeiro que tudo segundo as regras do bom senso, como foi feito acima. Se o número não resistir a esse primeiro teste deve então ser questionada a respectiva fonte sobre a forma como se chegou a ele: que tipo de inquéritos foram feitos, qual o universo, qual a amostra, quais os conceitos subjacentes, o que se entende por «abuso sexual»? Se tal informação não puder ser obtida ou não couber no espaço ou âmbito da notícia, então a notícia não deve ser «uma em cada quatro raparigas são abusadas» mas sim «segundo a associação X, uma em cada quatro raparigas são abusadas».
Pode-se argumentar que a diferença, do ponto de vista de quem lê, não é grande. Concordo. Por isso é que acho que este tipo de números devem sempre ser questionados e explicados. Porque senão o jornalista não passa de uma mera correia de transmissão de informação sem nenhum controle crítico sobre a mesma. E não é pelo facto de estarmos a falar de temas quase unânimes - como são exemplo a pedofilia ou o tabagismo - que as regras devem ser diferentes. Mas mesmo entre a notícia «dizer uma coisa» ou «dizer que alguém diz uma coisa», a diferença é pequena mas significativa. Atribui a afirmação à fonte certa. Está certo, portanto!

Homens de estatura

As declarações de Figo e Rui Costa proferidas ontem a propósito das vaias à selecção nacional são dignas de estadistas. Já sabíamos que ambos eram grandes jogadores de futebol com uma vasta experiência internacional e habituados a ambientes exigentes, mas ontem, postos perante uma situação de tensão, conseguiram dizer, no tom certo, exactamente o que devia ser dito. De Luis Figo recordo sobretudo a frase «assobiem-me a mim mas apoiem a Selecção Nacional», e de Rui Costa não esqueço o «não podemos ser 'a selecção nacional' quando ganhamos e 'aqueles gajos' quando perdemos». Não sei qual o grau de preparação destas declarações, mas não tenho dúvidas que se fossem ditas por um chefe de estado e preparadas por um exército de assessores, não teriam sido mais adequadas. Muito bem!

Port-a-gee

Nos comentários ao site www.portcult.com descobri, por exemplo, que na Califórnia, os portugueses são conhecidos como «port-a-gees». Aliás, os comentários estão cheios de opiniões contraditórias sobre o site. Há basicamente três tipologias: o estrangeiro que se limita a agradecer as informações; o português ofendido que acha que a descrição não corresponde à realidade (e tem razão); e o português não ofendido que acha que existe um fundo de verdade na maneira como somos ali figurados (e também tem razão!).

Olhe para dentro lá fora

O povo português sempre foi muito curioso sobre a imagem que de si fazem os estrangeiros. Essa é aliás uma das característcas nacionais mais marcantes. E há quem diga que é pelos olhos dos outros que nos podemos conhecer melhor. Não é necesariamente assim, mas é curisoso visitar o site www.portcult.com. Expressa muitas ideias feitas que felizmente começam a estar desactualizadas, mas é suficientemente extensivo e por vezes divertido para merecer uma visita.

segunda-feira, novembro 17, 2003

Importa-se de repetir !?

Não falamos da vida privada, não exploramos escândalos, nem sexo. MMG, ao DN

MMG em entrevista

E a sobriedade, Manuela Moura Guedes?
Não me fale em sobriedade. Para mim é não ter bebido uns copos. É o (...) antónimo de ébrio. Ou cinzentismo. Televisão é comunicação. As notícias são histórias do dia-a-dia, mais e menos relevantes, de gente anónima.

O "nosso" monarca?

Que os espanhóis andem entretidos com a anunciada boda do seu futuro rei com uma estrela de televisão divorciada, ainda aceito como razoável. Mas que os jornais, revistas e opinião pública portuguesa ocupem «espaço mental"» com isso é que eu não consigo compreender. Já não nos basta a nossa pequena realeza? E o pior é que «cheira-me» que este antecipado casamento ainda vai dar muito que falar, pelos vistos também por cá. É que, parece-me, agora a sério, que a instituição monárquica é cada vez mais incompatível com a vida nas modernas sociedades ocidentais. É verdade que, tendo como pano de fundo a escandaleira inglesa e monegasca, a coroa espanhola até tem sido das mais discretas da Europa, infelizmente para a imprensa local (e pelos vistos também nacional). Mas acho que essa excepção tem sido apenas casual. Agora é que o folhetim vai começar. A ler vamos!

sexta-feira, novembro 07, 2003

José Castelo Branco e Betty Grafstein detidos

Finalmente uma boa notícia! Será agora que o país arriba?

segunda-feira, novembro 03, 2003

Bastonário incómodo

Concordo inteiramente com Cáceres Monteiro, que, na sua coluna na Visão de quinta-feira defende a actuação do Bastonário da Ordem dos Advogados, José Miguel Júdice, ao longo dos já vários capítulos que leva a «novela» Casa Pia. Por mais do que uma vez o bastonário foi politicamente inconveniente, mas a verdade é tomou posições corajosas e colocou na agenda questões que devem ser seriamente debatidas, como a das escutas telefónicas e a do controlo do Procurador Geral sobre a sua instituição no que concerne às fugas ao segredo de Justiça.
O facto de uma afirmação como o «estou-me cagando para o segredo de justiça» se ter tornado pública tem obviamente consequências políticas e delas de pode deduzir que o seu surgimento tenha também intenções políticas. Mas o problema nasce ainda mais cedo, quando uma pessoa que não é arguido ou testemunha num processo é escutada e quando uma frase cuja conexão com o caso em concreto é tão distante acaba gravada. É discutível que Ferro Rodrigues devesse ter sido escutado no âmbito deste processo. Mas, aceitando que o fosse devido ao facto de ser interlocutor de um dos suspeitos, é inadmissível que os seus comentários genéricos acerca do segredo de justiça seja gravados no âmbito de um processo de pedofilia. Mesmo que essas declarações pudessem fazer supor uma ilegalidade – violação do segredo de justiça – esse seria um outro processo completamente diferente em relação ao qual Ferro Rodrigues teria que ser constituído suspeito antes de ser escutado, o que aparentemente não foi o caso.
Antes de tudo o mais, portanto, há aqui o registo de uma conversa privada de alguém que não devia ter sido registada e que, se porventura fosse escutada no âmbito do processo de Paulo Pedroso, devia imediatamente ter sido apagada. O facto de não o ter sido foi o pecado original do qual derivaram todos os que se lhe sucederam.
Ora, neste ponto da «história», estamos num circuito perfeitamente fechado, inteiramente controlado pelos investigadores e sem agentes externos não autorizados. É portanto inelutável a responsabilidade que quem chefia a investigação e, em ultima análise de quem a superintende – ou seja, o Procurador Geral – no facto de ter existido a gravação de uma declaração que não devia ter sido registada. Se tal não tivesse acontecido, o «caso» das escutas telefónicas nunca teria acontecido.
Depois, como se sabe, essas declarações polémicas apareceram na comunicação social descontextualizadas. Ou, melhor ainda, recontextualizadas para terem um sentido diferente do original. O que significa que saíram do meio fechado da investigação para o meio aberto dos media. Neste passo, o Procurador pode argumentar que não podemos saber em que circunstâncias isso aconteceu e portanto não é possível apurar culpados e responsáveis. Tem razão. Mas é de todo improvável que essa divulgação não tenha tido a intenção ou pelo menos o conhecimento de alguém ligado à investigação. Claro que os meios de comunicação também devem ser criticados pela divulgação de matérias que sabem ser objecto de segredo de justiça – senão mesmo de reserva de privacidade – mas essa critica não isenta de criticas ainda mais sérias quem, do lado da investigação, forneceu tais escutas aos media. E esse lado, o da investigação, tem mais uma vez como responsável máximo o Procurador Geral da República.
Em suma, no acto de divulgação das escutas telefónicas ao Dr. Ferro Rodrigues, o PGR é provavelmente responsável. No acto de registo dessas escutas – manifestamente desligadas do caso concreto de pedofilia – o PGR é inegavelmente responsável. Uma consequência da conjugação das duas falhas podia ser o pedido de demissão do próprio, que não tenho duvidas que tenha chegado a estar nas cogitações dos actores deste processo. Como cidadão não peço a cabeça do procurador, mas também aceitaria como lógico um pedido de demissão do próprio, embora ainda lhe reste alguma margem de manobra. Quanto às posições do bastonário da Ordem dos Advogados, parece-me mais vantajoso, para todos os agentes do sector judicial e sobretudo para o próprio país, ter nele uma voz frontal e politicamente incorrecta do que um mero defensor de posições corporativas, como os bastonários tendem quase sempre a ser. Não sei se o voluntarismo de Júdice serve um programa de projecção política pessoal ou não. Mas não tenho dúvidas de que serve a clarificação das questões da justiça em Portugal.