Numa notícia da TSF acerca de um congresso de especialistas que se realiza em Lisboa sobre pedofilia foi dito que «uma em cada quatro raparigas são abusadas sexualmente até aos 18 anos».
Entre familiares e amigas, eu conheço algumas mulheres, pelo menos umas oito, com o grau de intimidade suficiente para saber que isso não aconteceu a nenhuma delas. Ora, por um mero raciocínio estatístico, isso quer dizer que o eventual leitor deste post tem, em cada quatro amigas ou familiares, duas que foram abusadas sexualmente antes da maioridade. Será mesmo assim? Sinceramente, penso que não.
Nesta insuspeita notícia o que se faz é utilizar um número sem o filtro do bom senso. Como de resto acontece com muitas outra notícias, com especial incidência sempre que se fala dos malefícios do tabaco (há sempre uma quantidade «inacreditável» de mortes ou problemas de saúde que são devidos ao tabaco). Um número como o referido acima tem sempre numa notícia um impacto maior que qualquer outro componente textual da notícia. Por isso, quando posto perante um número como este, o jornalista deve questioná-lo. Deve questioná-lo primeiro que tudo segundo as regras do bom senso, como foi feito acima. Se o número não resistir a esse primeiro teste deve então ser questionada a respectiva fonte sobre a forma como se chegou a ele: que tipo de inquéritos foram feitos, qual o universo, qual a amostra, quais os conceitos subjacentes, o que se entende por «abuso sexual»? Se tal informação não puder ser obtida ou não couber no espaço ou âmbito da notícia, então a notícia não deve ser «uma em cada quatro raparigas são abusadas» mas sim «segundo a associação X, uma em cada quatro raparigas são abusadas».
Pode-se argumentar que a diferença, do ponto de vista de quem lê, não é grande. Concordo. Por isso é que acho que este tipo de números devem sempre ser questionados e explicados. Porque senão o jornalista não passa de uma mera correia de transmissão de informação sem nenhum controle crítico sobre a mesma. E não é pelo facto de estarmos a falar de temas quase unânimes - como são exemplo a pedofilia ou o tabagismo - que as regras devem ser diferentes. Mas mesmo entre a notícia «dizer uma coisa» ou «dizer que alguém diz uma coisa», a diferença é pequena mas significativa. Atribui a afirmação à fonte certa. Está certo, portanto!
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