A escolha de Manuel Maria Carrilho é um indicador de que o estado de graça de Sócrates não caiu do Céu. Com um pequeno passo após outro, o PM vai demonstrando sagacidade política. A melhor coisa que se pode dar a uma facção de não alinhados dentro de um partido é um desafio à beira do poder: compromete-se a facção num objectivo ambicioso, concentra-se os seus "jogos políticos" numa frente externa e ainda se sai por cima como tendo "dado" algo. Sócrates parece que "deu" a Carrilho a candidatura à Câmara Municipal de Lisboa, mas na verdade comprometeu-o com uma difícil batalha eleitoral, garantiu que ele e os seus seguidores (já terá alguns...) não se viram contra a actual liderança por estarem focalizados no potencial adversário (Santana) e ficou credor de uma benesse política. Com um plus não despiciendo: perante a ala Guterrista/Ferrista/"Socratista" do partido, Sócrates não perdeu a face porque "parece" ter escolhido Carrilho porque Ferro não quis. A única dúvida agora é o que vai ficar a fazer João Soares.
Outro indicador de inteligência política foi a forma como um potencial convite para Alto Comissário da ONU surgiu como o móbil ideal para tirar da corrida presidencial um putativo candidato que toda a gente sabia, e Sócrates mais que ninguém (apesar da lealdade política), que nunca poderia ganhar a Cavaco Silva e dificilmente venceria outro candidato mediano de direita. Sócrates descartou Guterres, mas não parece tê-lo feito. Este é ainda um processo em curso, mas decerto veremos em breve quem é o candidato de Sócrates para Belém.
Ou seja, Sócrates parece pairar acima de todas as questiúnculas sem nelas se imiscuir. Mas a verdade é que, por artes mágicas, vai levando a água ao seu moinho e prolongando o estado de graça à conta da inteligência. Cavaco também era assim, naquela que, como certamente já muita gente reparou, está longe de ser a única semelhança entre os dois (assunto para retomar mais tarde).
Se Marques Mendes for inteligente a ler a estratégia política de Sócrates (só com uma grande surpresa Meneses terá hipóteses), fará um plágio da mesma. O maior problema do PSD actualmente chama-se Santana Lopes. Se não puder ser mais, PSL quer chegar à data das eleições como recandidato a Lisboa. Se Marques Mendes lhe der isso, arrisca-se seriamente a perder Lisboa (só não o aposto porque na verdade Carrilho é uma incógnita), mas tira do caminho o incómodo PSL pelo mesmo "mecanismo político" que Sócrates usou para remover o potencialmente crítico Carrilho: dando-lhe um desafio, uma responsabilidade e um inimigo externo. Se Marques Mendes não der a Santana Lopes a candidatura a Lisboa (como certamente é sua tentação), então talvez assegure a Câmara ("talvez" porque Carrilho contra Carmona é incógnita contra incógnita), mas de certeza que tem manobras subterrâneas até às presidenciais minando a sua liderança e, sobretudo, minando a candidatura presidencial de Cavaco com o mesmo afã com que Santana acha que Cavaco minou o seu governo. A opção mais inteligente parece por demais evidente: arriscar perder um dedo (Lisboa) para garantir preservar a mão (a presidência de Cavaco, uma liderança partidária estável e, talvez, um "económico" controlo das ondas de choque eleitorais do terramoto político que foram as legislativas). Resta saber se Marques Mendes estará, também ele, em "estado de inteligência".
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