As medidas apresentadas por José Sócrates para combater o défice no curto prazo e lançar as bases de uma política que o corrija no médio prazo suscitam várias reflexões:
1. Ao contrário do que seria de supor num conjunto de medidas tão decisivo e potencialmente divisor, vi mais economistas a elogiarem do que a criticarem. É verdade que muitos disseram "sim, mas". Mas a verdade às vezes esquecida é que "sim, mas" também é "sim"...
2. Tal como seria de supor vi vários parceiros sociais - sobretudo os ligados aos sindicatos - a reagirem negativamente às medidas anunciadas. E isso é bom. Porque não há qualquer medida efectiva de correcção do défice que não afecte alguns ou vários sectores da sociedade. Que eles reajam é um indício claro de que as medidas anunciadas podem de facto ter os efeitos pretendidos;
3. O enunciado de medidas de José Sócrates tem ainda, à boa maneira socialista, mais palavras do que decisões. O anunciado aumento de impostos terá reflexos no curto prazo (sendo que também pode "arrefecer" ainda mais a economia) mas apenas no plano da receita. A maior parte dos enunciados relativos ao corte de despesa - que, como todos os economistas reafirmam, é o que verdadeiramente importa - correspondem tão só a palavras (com excepção da questão das reformas). E as palavras, como se sabe, leva-as o vento. Este enunciado de medidas abre portanto uma janela de esperança nesse sentido, mas não convence totalmente da capacidade de Sócrates para levar o combate ao défice para o "nível" seguinte;
4. Sócrates teve coragem para se desdizer na questão da subida de impostos, e isso, ao contrário do que pensa a maior parte dos jornalistas, é um facto a elogiar e não a censurar. É fácil justificar essa mudança perante a opinião pública com o montante do défice (alegando, mesmo de forma "forçada", que o seu montante não era inteiramente conhecido) e assim aproveitar um mecanismo capaz de gerar resultados a curto prazo. Não o aproveitar por causa de declarações proferidas em campanha eleitoral, isso sim seria um "crime" de lesa-pátria que dificilmente se aceitaria;
5. As Scuts ficaram de fora das medidas anunciadas pelo Governo por razões puramente políticas, uma vez que toda a gente percebe que não há qualquer justificação económica que as sustente, sobretudo num quadro orçamental como aquele que vivemos. E essas razões políticas não se prendem, sequer, sobretudo, com a necessidade de manter uma promessa eleitoral tão repetida. Se fosse isso, Sócrates até poderia - e deveria - desdizer-se. As Scuts foram mantidas à margem das medidas de controle orçamental de forma a controlar os danos gerados por esse conjunto de medidas na opinião pública e para não criar focos de contestação regional a pouco tempo das eleições autárquicas. Se for inteligente, Sócrates encomenda um estudo "independente" (na verdade nem precisaria de aspas pois qualquer estudo lhe daria os mesmos resultados) que lhe dê argumentos para, senão acabar com as Scuts, pelo menos "inventar" uma forma de as tornar menos onerosas, logo após as autárquicas;
6. A melhor prova de que estas medidas vão no sentido certo é o facto de o próprio PSD e Marques Mendes terem reagido com um "sim, mas" próprio de quem sabe que não tem muito por onde pegar. O "mas" do PSD é precisamente aquele que deveria ser: a falta de coragem política para mexer nas Scuts. Mas, no resto, o PSD sabe que o caminho anunciado é o correcto. E por isso - o elogio é merecido - fica-lhe bem e revela sentido de estado responder "sim, mas" às medidas agora anunciadas pelo Governo;
7. E, por fim, o mais importante. O problema é o mesmo (e está pior), mas esta é uma maneira bastante diferente de o enfrentar daquela que foi protagonizada por Manuela Ferreira Leite e Durão Barroso (já nem sequer se fala de Santana e Bagão...). É verdade que um acréscimo de IVA é uma receita tão extraordinária como as extraordinárias receitas de Ferreira Leite. Mas neste conjunto de medidas não há só medidas-travão, há também medidas-acelerador e várias promessas de reais medidas de fundo. Se estas vão ou não ser cumpridas só o saberemos mais para a frente. Mas, para já, esta parece ser uma maneira mais construtiva de enfrentar o problema. Por isso, ao contrário do que já vi escrito algures, não me parece que aqui tenha acabado o estado de graças de Sócrates. O que me parece, isso sim, é que, contra todas as expectativas e previsões, Sócrates conseguiu apresentar um completo pacote de contenção orçamental sem afectar significativamente a sua imagem e a do seu governo junto da opinião pública. E isso é um resultado político admirável.
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