segunda-feira, dezembro 26, 2005

Eleição Betandwin

Embora com algum atraso (Natal oblige), cinco observações sobre a polémica das apostas online sobre as eleições presidenciais portuguesas:

1. O presidente da república é a mais importante figura da nação e representa todos os portugueses. Ele está para o regime republicano como o rei esteve durante muitos anos para a monarquia. Na verdade, na sui-generis configuração constitucional portuguesa, ele é o nosso rei em república. Por isso a sua dignidade deve ser preservada. O mesmo em relação ao acto eleitoral que o elege, não só por eleger quem elege, mas antes de tudo simplesmente por ser um acto eleitoral. É uma coisa séria e importante que, mais uma vez, deve estar a coberto deste tipo de utilizações.

2. Por isso, entende-se a reacção dos políticos e em primeiro lugar dos candidatos presidenciais, porque, como diz o povo "quem não se sente não é filho de boa gente". Mas, aceitando-se essa reacção, estranha-se que ela nunca tenha surgido a propósito de outras apostas relacionadas com eleições ou outros temas igualmente polémicos. Nessa medida, a reacção da classe política a este caso, integra um mecanismo corporativo que não faz nada para prestigiar a função, algo que os candidatos - até pelo alto cargo a que se candidatam - deviam ter percebido e integrado nas suas declarações sobre a matéria.

3. Já não se entente muito bem, por revelar excesso de zelo, a reacção do porta-voz da Comissão Nacional de Eleições. Em primeiro lugar porque introduz uma nova cambiante jurídica - o "qualquer-coisa-mente ilegal -, em segundo lugar porque configura uma reacção do porta-voz de um órgão colegial antes da reunião do órgão que lhe dá voz, e em terceiro lugar, sobretudo, porque revela medo dos políticos. E isso é um mau indício.

4. Também se entende mal que a Betandwin tenha retirado o jogo de apostas assim que percebeu o que estava a acontecer. Porque, das duas uma: ou a empresa tinha noção do que estava a fazer, tanto do ponto de vista comercial como do ponto de vista jurídico, e nesse caso devia manter as apostas: ou fê-lo sem a noção clara daquilo em que estava "a mexer" e tentando apenas ganhar alguns cêntimos "à socapa", na esperança de que ninguém desse por isso. Ao meter de imediato o "rabo entre as pernas" a empresa revelou a natureza sinuosa com que se move no mundo dos negócios e, mais uma vez, um receio da classe política que é tão mau indício como o anterior.

5. O problema das apostas online (que, recorde-se, se segue a uma polémica anterior sobre se a Betandwin pode ou não publicitar os seus jogos em território nacional) é apenas uma das milhentas manifestações da globalização e torna clara a crescente dificuldade dos estados em manterem o controlo das fronteiras nacionais na sociedade de informação globalizada. É altamente improvável que qualquer mecanismo legal português pudesse sancionar a empresa sediada na Áustria e seria grandemente exagerado recorrer aos canais diplomáticos para resolver uma questão deste calibre. Infelizmente, o recuo imediato da Betandwin transformou esta questão em mais um fait-divers eleitoral que será rapidamente esquecido. A questão que suscita, no entanto, veio para ficar e estou certo que mais cedo ou mais tarde, sob este ou outro pretexto, voltaremos a discuti-la. Mais valia que o tivéssemos feito já.

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