quarta-feira, março 17, 2004

Reflexões

Isto é tudo um grande equívoco: quem nos deu vida nunca pensou que nós fôssemos desenvolver uma consciência.

É impressionante o quanto o pensamento é algo fugidio. Um exercício simples para o comprovar é tentar recuperar ao inverso as últimas associações de ideias. Exemplo: pensei que o pensamento era fugidio depois de me lembrar que o próximo lançamento dos «Filmes DNA» é um filme de Woody Allen, depois de saber que é recomendado por João Lopes, responsável pela única vez que saí do cinema a meio de um filme (o «Indochina»); depois de me lembrar que Paul Shrader, se não estou em erro, escreveu o argumento de Taxi Driver e eu ainda não li (acho que não...) o «Scorcese por Scorcese», que ainda deve estar na estante da sala; tudo isto enquanto em fundo oiço o meu filho a ver o «Monsters, inc» e acabei de folhear o DNA de sexta. Qual é a lógica possível de um percurso de pensamento tão errático? Faltam certamente pedaços pelo meio que explicam as voltas e revoltas do pensamento, provando que este corre bem mais depressa do que a escrita ou até do que a nossa capacidade para memorizar as sua sinapses. E imagino que não seja por falta de espaço, mas sim por falta de tempo.
Mas, mesmo dando de barato que há razões biológicas para não conseguirmos recuperar o percurso do nosso pensamento em mais do que duas ou três associações de ideias, como explicar que não consigamos - por mim falo - estabelecer um percurso, já não verdadeiro, mas apenas e somente verosímil. Exemplo: que pedaço de pensamento, que estanha ligação, antinómica ou sinonímica, me terá levado do Monsters ao Paul Shrader e ao Taxi Driver, e destes ao Woody Allen e à colecção de filmes DNA. Será que o facto de minutos antes ter lido uma reportagem de Sónia Morais Santos no memso DNA teve algo que ver como assunto. Terá essa "informação" ficado a pairar como uma névoa à espera de influenciar a direcção do pensamento sem nunca verdadeiramente se relevar presente? É possível, mas não passa de pura especulação, como é especulação qualquer outra ligação ou pensamento que agora me ocorra colocar como possível no percurso que tento reconstituir. Simplesmente não é suficientemente verosímil, embora seja perfeitamente possível. E não é verosímil simplesmente porque não tem o encanto das coisas reais e irrepetíveis. Não entramos duas vezes na água do mesmo rio. É esse o mistério do pensamento.

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