terça-feira, março 02, 2004

Três reflexões sobre Avelino Ferreira Torres

1. A patética demonstração de falta de estatura do presidente da Câmara de Marco de Canavezes, no campo e depois nas televisões, não lhe fica mal só a ele. Convém não esquecer que este homem foi largamente eleito pela população do concelho e, segundo rezam as crónicas, é admirado e respeitado na sua terra. A sua conduta pública, obviamente fica mal também a todos os marcoenses e dá-lhes razões para se envergonharem do seu representante máximo. Quem hoje, em Marco de Canavezes, sentir vergonha pela exibição pública do seu autarca, não deve sentir repúdio mas sim orgulho nesse sentimento: ele é o único que revela alguma dignidade. Também eu me sentiria envergonhado se fosse marcoense. Mas admito que esse não seja o sentimento geral entre a população local. Como a história nos tem dado exemplos eloquentes, de que o caso de Felgueiras é talvez o mais recente, os caciques locais ganham uma preponderância sobre as populações que dirigem que não é racional. Ainda mais quando, como parece ser o caso, a rudeza e baixo nível de um autarca o torna verdadeiramente em «um de nós» junto da população. Ou seja, em muitos pontos por esse país fora, a popularidade de um dirigente político é directamente proporcional ao baixo nível a que ele consegue descer para estar «junto» das duas populações. E este é o mais sério obstáculo que se pode opor à regionalização e, por consequência, um dos mais sérios obstáculos ao desenvolvimento do país, que pode ser feito sem regionalização, mas seria melhor feito com regionalização.

2. Avelino Ferreira Torres é hoje apenas edil da cidade, mas tem um longo percurso ligado à autarquia, ao clube e às estruturas intermédias do futebol. Ou seja, Avelino Ferreira Torres sabe muito bem como é que o tão falado «sistema» funciona, sobretudo nos mecanismos de ligação entre clubes e autarquias e portanto a sua exaltação, ou era forjada, e não parecia, ou era genuína, e resultava de alguém que sabe como estas coisas se fazem e as estava a sentir «na pele». Ou seja, mesmo sem que exista, hoje, qualquer ligação formal entre AFT e as estruturas do futebol, esta não deixa de ser mais uma pequena acha para a grande fogueira em que arde o futebol português. E não chega a Liga de Clubes ficar à espera de receber quaisquer relatórios para tomar uma posição pública. Haverá algum comportamento mais público do que aquele que todos nós vimos pela televisão?

3. O que teria acontecido se porventura não houvesse câmaras de televisão em Marco de Canavezes no dia do jogo? Será que se estaria agora a discutir o assunto? Certamente que não. Nesse caso, o episódio não passaria de uma nota de rodapé nas reportagens do jogo ou, quanto muito, uma pequena notícia nos jornais diários. A pergunta que se coloca então é: quantos comportamentos da mesma natureza – mesmo que sem o mesmo grau de gravidade – acontecem todos os fins de semana pelo país inteiro sem que deles tomemos conhecimento? O futebol português está podre não só nível das cúpulas mas também ao nível das bases. O comportamento de AFT que hoje todos vilipendiamos porque o vimos na televisão é o comportamento padrão do adepto de futebol. Claro que há quem vá ao futebol e não ande aos pontapés a nada. Mas em cada jogo, grande ou pequeno, nas grandes cidades ou na província, há dezenas, centenas ou mesmo milhares de adeptos capazes disto ou bem pior (repare-se como, nas imagens, o próprio AFT protege o árbitro quando sente que os populares por si instigados estão prestes a chegar perto dele com algo mais do que um indicador em riste).

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