Tese + Antítese = Síntese. Espaço de reflexão sobre a actualidade. Media, política e jornalismo.
quarta-feira, junho 30, 2004
Se eu fosse holandês...
Conhecendo como conheço a forma como a imprensa desportiva portuguesa costuma reagir sempre que o prestígio nacional é minimamente beliscado além-fronteiras (como no recente caso do árbitro do Espanha-Portugal), imagino como me sentiria se fosse holandês e, de visita desportiva a Lisboa, descobrisse nas bancas as primeiras páginas de hoje dos jornais A Bola e Record. Revelam no mínimo mau gosto e no máximo uma atitude provocatória. E o mais grave é que os próprios nem se apercebem de que algures pelo meio perderam de vista o jornalismo...
Ainda a crise política...
Ainda sobre a crise política, ficou por dizer que a solução mais correcta no plano dos princípios seria no fundo o PSD pedir ele próprio a realização de eleições antecipadas. Tal como fez o PS em 2001, também depois da demissão do líder e também depois de umas eleições não legislativas em que sofreu uma derrota. O paralelo é mais que evidente e todos nos recordamos que na altura o Presidente quis manter o Governo mas o PS quis ir a votos, mesmo já então contra as sondagens que as urnas vieram a confirmar. Se tivermos em conta a constituição e a organizãção do nosso sistema político, o PSD não tem nada que o fazer, uma vez que o que conta é o resultado eleitoral das últimas eleições legislativas. Mas se o PSD quisesse ser fiel à quase manifesta vontade dos eleitores, então libertaria o Presidente do fardo de ter que tomar uma decisão tão difícil quanto esta e pediria eleições antecipadas. Mas, como dizia um amigo meu perante este cenário, "isso seria dar o ouro ao bandido", sendo o "ouro" o poder e o "bandido", obviamente, o PS. E esta é de facto a leitura que se faz no PSD, o mais "político" dos partidos políticos portugueses. A política não é mais do que a execução de todas as medidas tendentes à conquista e manutenção o poder. Ponto final.E é isso também que faz dele o mais "moderno" de todos os partidos portugueses. O que é preocupante.
terça-feira, junho 29, 2004
Rodrigo Leão está de volta
Rodrigo Leão está de volta com "Cinema", um disco onde o latim deu lugar às imagens. Há canções simples de reconforto, há versos de amor e há participações surpreendentes (Beth Gibbons) e outras quase "óbvias" (Ryuichi Sakamoto). Um disco a não perder.
A não perder também a conversa ao fim da tarde de Rodgrigo Leão com Carlos Vaz Marques. Ainda está em audição em três partes na TSF. Para se perceber como as explicações simples são as mais belas. Tal como a música.
A não perder também a conversa ao fim da tarde de Rodgrigo Leão com Carlos Vaz Marques. Ainda está em audição em três partes na TSF. Para se perceber como as explicações simples são as mais belas. Tal como a música.
O terramoto Durão
Algumas observações sobre a “exportação” de Durão Barroso:
1. O facto de um português poder vir a presidir à Comissão Europeia é sem dúvida prestigiante para o país. Mas não exageremos. É mais prestigiante para o próprio Durão Barroso do que para o país. Já vi escrito que o cargo de Presidente da Comissão era o terceiro cargo político mais importante no mundo actual. O que é um grande exagero a juntar a muitos pequenos exageros do mesmo teor que têm sido feitos nos últimos dias. A Presidência da Comissão nunca deixou de ser um cargo técnico mesmo quando a integração económica pressionou a integração política. E o efeito dessa pressão de integração e articulação política é, como se sabe, uma nova constituição europeia na qual a Comissão perde influência, justamente porque é um órgão técnico (próprio de uma Comunidade Económica mas não de um União Política). O que significa que, se a Constituição Europeia for aprovada, o cargo ao qual Durão Barroso está agora prestes a aceder será no futuro menos importante do que é hoje. Por outro lado, se a Constituição Europeia acabar por não ser aprovada (o que é possível se não mesmo provável se os governos optarem por de facto deixarem as populações expressarem a sua opinião em referendo), então a Comissão manterá as extensas atribuições que tem hoje mas receberá sobre os seus braços o peso insustentável de um crise política europeia sem precedentes (resultante da óbvia necessidade de aprofundamento político sem acordo entre as partes sobre como este deve ser feito, tudo num quadro alargado a 25 vozes).
2. Por outro lado, é também uma falácia pensar que o facto de o cargo de Presidente da Comissão Europeia ser desempenhado por um português pode trazer algum benefício ao país, tal como não consta que Romano Prodi tenha trazido alguma vantagem à Itália ou que Jaques Santer tenha feito algo de especial pelo seu Luxemburgo, um “país” ainda mais pequeno que Portugal. Tal como os comissários e por maioria de razão por ser chefe deles, o Presidente da Comissão tem que ser exemplarmente isento na gestão das políticas comunitárias. O que, bem vistas as coisas, até pode ter um efeito contrário: basta um pouco de excesso de zelo para que Portugal seja prejudicado e não beneficiado como forma de demonstrar a isenção do Presidente da Comissão Europeia.
3. Por outro lado ainda, não podemos esquecer que Durão Barroso foi pelo menos uma terceira escolha para o cargo, em resultado da ausência de acordo entre os grandes países de União. Assim a escolha de um nacional de um pequeno país resulta quase como um mínimo denominador comum do qual nem a França, nem a Alemanha, nem a Inglaterra esperam tanto quanto esperariam da sua primeira escolha.
4. Em face do exposto anteriormente, tenho sérias dúvidas que o cargo de Presidente da Comissão Europeia seja sequer mais importante do que o de Primeiro-ministro de Portugal. Eu, como votante para ambas as sedes de poder, certamente não lhe atribuo essa importância. E imagino que muitos outros portugueses pensem da mesma maneira. Se olharmos para os presidentes da Comissão Europeia vemos sobretudo pessoas que foram ministros dos respectivos governos e que, uma vez findo o seu mandato, “ascenderam” à Comissão. Se não estou em erro, não vemos sequer uma pessoa que tenha evoluído de um cargo de chefia de Governo ou da presidência de algum dos países da União para a liderança da Comissão Europeia. E basta perguntarmo-nos se achamos crível que Jaques Chirac, Gerhard Schroeder ou Tony Blair deixassem os respectivos governos – sobretudo meio do mandato – para irem ocupar o cargo de Presidente da Comissão? E se não o achamos crível para a França, Alemanha ou Grã-Bretanha, porque razão havíamos de o achar para Portugal? Ou seja, a escolha de Durão Barroso é compreensível do ponto de vista pessoal e profissional, mas não do ponto de vista das suas responsabilidades políticas. Eu esperaria de um governante com mais sentido de Estado que recusasse o cargo de presidente da Comissão Europeia senão em nome das suas preferências pessoais, pelo menos em nome das suas responsabilidades assumidas para com o povo português; e sobretudo tendo em conta que dificilmente tal saída pode ocorrer sem sérios tumultos políticos internos. Durão Barroso vai para a Bruxelas, mas deixa atrás de si um rasto de “destruição” que o próprio deveria ter sabido prever e evitar.
5. Esse “rasto de destruição” é já visível no PSD, com os conflitos latentes a tornarem-se expressos e as facas a serem afiadas para a longa noite de luta pelo poder. E, na verdade, é dentro do PSD que a questão deve ser dirimida, com mais ou menos sangue. No nosso regime constitucional, os resultados das eleições são a fonte do poder político, e o resultado das eleições não mudou pela demissão de Durão Barroso. Ao presidente cabe receber do partido mais votado a formação de um governo estável. E desde que ele seja estável e respeite os resultados eleitorais, o Presidente deve aceitá-lo. Cabe por isso ao PSD apresentar uma solução política que permita ambas as coisas e, se os órgãos internos do PSD estatutariamente encarregues dessa definição apresentarem Pedro Santana Lopes como a solução, então Pedro Santana Lopes deve ser o próximo primeiro-ministro. Sem eleições antecipadas.
6. Não faz sentido invocar eleições antecipadas sob o pretexto de que os portugueses votaram em Durão Barroso e não em Santana Lopes. Se as eleições legislativas foram tão pessoalizadas como têm sido a maioria dos actos eleitorais nos últimos anos, isso resulta de uma “doença” geral dos sistemas democráticos modernos, enredados nas teias da política-espectáculo. Porque, na realidade, aquilo em que os portugueses votaram – para agora não o esquecerem deviam na altura tê-lo recordado - foi em partidos políticos. E, desses, o PSD foi o mais votado, ganhando portanto o direito de propor uma liderança política para o país. Basta um exemplo para percebermos como os resultados eleitorais são a fonte do poder: a coligação centro-direita actualmente no governo não é pré-eleitoral. O que significa que quem votou, não votou para pôr a direita no poder e Paulo Portas no Governo. E não me lembro de alguém ter feito alguma manifestação para dizer que tinha votado em Durão e não em Portas, quando na realidade me parece muito mais significativa politicamente a ascensão do PP ao poder (sem qualquer reserva mental) do que a mera substituição do líder do PSD. Os resultados foram aceites em todas as suas consequências, tal como deve ser em democracia. E a verdade é que nada disso mudou entretanto. Mais razões haveria para pôr em causa o governo se surgissem problemas na coligação que o sustenta do que em resultado da demissão do primeiro-ministro.
7. O problema pode residir afinal na capacidade do PSD para propor uma solução estável de Governo. No seu afã de preservar o equilíbrio na coligação, escolhendo um nome aceitável pelo PP, Durão Barroso pode ter desequilibrado o próprio PSD, escolhendo um sucessor capaz de dividir as hostes como poucos. O Presidente da República está certamente atento e, se é verdade que o antevejo capaz de aceitar uma solução de continuidade (como impõem a nossa teoria e prática constitucionais), não é menos verdade que dispõe da margem de manobra suficiente para convocar eleições antecipadas caso detecte fissuras, primeiro na base partidária e depois na base social de apoio ao Governo. E isso foi o que vimos claramente nos últimos dias e nas últimas eleições europeias.
1. O facto de um português poder vir a presidir à Comissão Europeia é sem dúvida prestigiante para o país. Mas não exageremos. É mais prestigiante para o próprio Durão Barroso do que para o país. Já vi escrito que o cargo de Presidente da Comissão era o terceiro cargo político mais importante no mundo actual. O que é um grande exagero a juntar a muitos pequenos exageros do mesmo teor que têm sido feitos nos últimos dias. A Presidência da Comissão nunca deixou de ser um cargo técnico mesmo quando a integração económica pressionou a integração política. E o efeito dessa pressão de integração e articulação política é, como se sabe, uma nova constituição europeia na qual a Comissão perde influência, justamente porque é um órgão técnico (próprio de uma Comunidade Económica mas não de um União Política). O que significa que, se a Constituição Europeia for aprovada, o cargo ao qual Durão Barroso está agora prestes a aceder será no futuro menos importante do que é hoje. Por outro lado, se a Constituição Europeia acabar por não ser aprovada (o que é possível se não mesmo provável se os governos optarem por de facto deixarem as populações expressarem a sua opinião em referendo), então a Comissão manterá as extensas atribuições que tem hoje mas receberá sobre os seus braços o peso insustentável de um crise política europeia sem precedentes (resultante da óbvia necessidade de aprofundamento político sem acordo entre as partes sobre como este deve ser feito, tudo num quadro alargado a 25 vozes).
2. Por outro lado, é também uma falácia pensar que o facto de o cargo de Presidente da Comissão Europeia ser desempenhado por um português pode trazer algum benefício ao país, tal como não consta que Romano Prodi tenha trazido alguma vantagem à Itália ou que Jaques Santer tenha feito algo de especial pelo seu Luxemburgo, um “país” ainda mais pequeno que Portugal. Tal como os comissários e por maioria de razão por ser chefe deles, o Presidente da Comissão tem que ser exemplarmente isento na gestão das políticas comunitárias. O que, bem vistas as coisas, até pode ter um efeito contrário: basta um pouco de excesso de zelo para que Portugal seja prejudicado e não beneficiado como forma de demonstrar a isenção do Presidente da Comissão Europeia.
3. Por outro lado ainda, não podemos esquecer que Durão Barroso foi pelo menos uma terceira escolha para o cargo, em resultado da ausência de acordo entre os grandes países de União. Assim a escolha de um nacional de um pequeno país resulta quase como um mínimo denominador comum do qual nem a França, nem a Alemanha, nem a Inglaterra esperam tanto quanto esperariam da sua primeira escolha.
4. Em face do exposto anteriormente, tenho sérias dúvidas que o cargo de Presidente da Comissão Europeia seja sequer mais importante do que o de Primeiro-ministro de Portugal. Eu, como votante para ambas as sedes de poder, certamente não lhe atribuo essa importância. E imagino que muitos outros portugueses pensem da mesma maneira. Se olharmos para os presidentes da Comissão Europeia vemos sobretudo pessoas que foram ministros dos respectivos governos e que, uma vez findo o seu mandato, “ascenderam” à Comissão. Se não estou em erro, não vemos sequer uma pessoa que tenha evoluído de um cargo de chefia de Governo ou da presidência de algum dos países da União para a liderança da Comissão Europeia. E basta perguntarmo-nos se achamos crível que Jaques Chirac, Gerhard Schroeder ou Tony Blair deixassem os respectivos governos – sobretudo meio do mandato – para irem ocupar o cargo de Presidente da Comissão? E se não o achamos crível para a França, Alemanha ou Grã-Bretanha, porque razão havíamos de o achar para Portugal? Ou seja, a escolha de Durão Barroso é compreensível do ponto de vista pessoal e profissional, mas não do ponto de vista das suas responsabilidades políticas. Eu esperaria de um governante com mais sentido de Estado que recusasse o cargo de presidente da Comissão Europeia senão em nome das suas preferências pessoais, pelo menos em nome das suas responsabilidades assumidas para com o povo português; e sobretudo tendo em conta que dificilmente tal saída pode ocorrer sem sérios tumultos políticos internos. Durão Barroso vai para a Bruxelas, mas deixa atrás de si um rasto de “destruição” que o próprio deveria ter sabido prever e evitar.
5. Esse “rasto de destruição” é já visível no PSD, com os conflitos latentes a tornarem-se expressos e as facas a serem afiadas para a longa noite de luta pelo poder. E, na verdade, é dentro do PSD que a questão deve ser dirimida, com mais ou menos sangue. No nosso regime constitucional, os resultados das eleições são a fonte do poder político, e o resultado das eleições não mudou pela demissão de Durão Barroso. Ao presidente cabe receber do partido mais votado a formação de um governo estável. E desde que ele seja estável e respeite os resultados eleitorais, o Presidente deve aceitá-lo. Cabe por isso ao PSD apresentar uma solução política que permita ambas as coisas e, se os órgãos internos do PSD estatutariamente encarregues dessa definição apresentarem Pedro Santana Lopes como a solução, então Pedro Santana Lopes deve ser o próximo primeiro-ministro. Sem eleições antecipadas.
6. Não faz sentido invocar eleições antecipadas sob o pretexto de que os portugueses votaram em Durão Barroso e não em Santana Lopes. Se as eleições legislativas foram tão pessoalizadas como têm sido a maioria dos actos eleitorais nos últimos anos, isso resulta de uma “doença” geral dos sistemas democráticos modernos, enredados nas teias da política-espectáculo. Porque, na realidade, aquilo em que os portugueses votaram – para agora não o esquecerem deviam na altura tê-lo recordado - foi em partidos políticos. E, desses, o PSD foi o mais votado, ganhando portanto o direito de propor uma liderança política para o país. Basta um exemplo para percebermos como os resultados eleitorais são a fonte do poder: a coligação centro-direita actualmente no governo não é pré-eleitoral. O que significa que quem votou, não votou para pôr a direita no poder e Paulo Portas no Governo. E não me lembro de alguém ter feito alguma manifestação para dizer que tinha votado em Durão e não em Portas, quando na realidade me parece muito mais significativa politicamente a ascensão do PP ao poder (sem qualquer reserva mental) do que a mera substituição do líder do PSD. Os resultados foram aceites em todas as suas consequências, tal como deve ser em democracia. E a verdade é que nada disso mudou entretanto. Mais razões haveria para pôr em causa o governo se surgissem problemas na coligação que o sustenta do que em resultado da demissão do primeiro-ministro.
7. O problema pode residir afinal na capacidade do PSD para propor uma solução estável de Governo. No seu afã de preservar o equilíbrio na coligação, escolhendo um nome aceitável pelo PP, Durão Barroso pode ter desequilibrado o próprio PSD, escolhendo um sucessor capaz de dividir as hostes como poucos. O Presidente da República está certamente atento e, se é verdade que o antevejo capaz de aceitar uma solução de continuidade (como impõem a nossa teoria e prática constitucionais), não é menos verdade que dispõe da margem de manobra suficiente para convocar eleições antecipadas caso detecte fissuras, primeiro na base partidária e depois na base social de apoio ao Governo. E isso foi o que vimos claramente nos últimos dias e nas últimas eleições europeias.
segunda-feira, junho 21, 2004
De Espanha veio bom senso
A vitória portuguesa de ontem teve concerteza para a larga maioria dos portugueses um sabor especial por ser contra os espanhóis. E Marcelo Rebelo de Sousa não foi de certeza o único a puxar de referências a Aljubarrota. Eu ouvi falar em ala dos namorados, da técnica do quadrado e daquele comentário bem mais moderno que fica como uma verdadeira imagem do país: "eles compram as empresas mas nós ganhamos no futebol". Sem dúvida irónico.
Mas o que achei mais interessante no meio de todo este fervor anti-espanhol foi a forma como do outro lado só descobri bom senso, boa educação e desportivismo. A maior parte dos adetpos anónimos entrevistados pela TV diziam quase sempre "o nosso treinador é um asno. Portugal esteve melhor. Parabéns. Agora estamos todos por Portugal". O primeiro espanhol com quem falei ao telefone no dia seguinte começou por me dar os parabéns e repetiu quase a mesma coisa. Nenhum deles falou das duas bola ao poste ou de qualquer decisão polémica do árbitro.
Não tenho dúvidas de que, se o resultado tivesse ficado ao contrário, decerto já teríamos arranajdo um belo conjunto de desculpas para desvalorizar a vitória alheia e assim minorar a nossa própria derrota. Decerto falaríamos do árbitro e de como ele teria sido sensível às pressões espanholas. Falaríamos do mau futebol dos espanhóis e do carácter fortuito da vitória, etc. De Espanha não veio nada disso. De Espanha veio apenas bom senso e desportivismo.
Por outro lado, com ou sem excesso de álcool, os ingleses não se esquecem de agradecer a hospitalidade nacional, fazem coro por Portugal nos jogos da nossa seleção e dizem que esperam ganhar nos quatros de final mas gostariam que Portugal também seguisse em frente. Isto é desportivismo, com álcool ou sem ele.
No jogo da abertura no Estádio do Dragão fiquei quase lado a lado com um grupo de franceses e francesas que obviamente não eram adeptos de Portugal nem da Grécia, mas tinham alguma simpatia pela nossa selecção (os pobres gregos parece que não conquistaram a simpatia de ninguém...). Viam o jogo com a despreocupação de quem não se envolve no resultado, é verdade, mas era em parte por isso que faziam da ocasião uma festa. Imagino que num jogo da sua selecção estejam um pouco mais tensos, mas não tenho dúvidas de que continuará a ser uma festa.
Os exemplos que o Euro trouxe até nós mostram-nos, para onde quer que olhemos, uma forma muito mais saudável de viver o futebol. A nossa realidadezinha de tricas entre clubes e dirigentes quase nos fez esquecer que existe toda uma outra forma de viver esse fenómeno social que é o pontapé da bola. Mas, mais ainda do que isso, a forma como rodeámos o embate espanhol com toda a espécie de referências a desforras históricas e a forma como os espanhóis responderam com desportivismo e elevação põe à mostra aquilo que no fundo não passa de uma demonstração de pequenez histórica a cultural da nossa parte. Aprendamos com os bons exemplos.
Mas o que achei mais interessante no meio de todo este fervor anti-espanhol foi a forma como do outro lado só descobri bom senso, boa educação e desportivismo. A maior parte dos adetpos anónimos entrevistados pela TV diziam quase sempre "o nosso treinador é um asno. Portugal esteve melhor. Parabéns. Agora estamos todos por Portugal". O primeiro espanhol com quem falei ao telefone no dia seguinte começou por me dar os parabéns e repetiu quase a mesma coisa. Nenhum deles falou das duas bola ao poste ou de qualquer decisão polémica do árbitro.
Não tenho dúvidas de que, se o resultado tivesse ficado ao contrário, decerto já teríamos arranajdo um belo conjunto de desculpas para desvalorizar a vitória alheia e assim minorar a nossa própria derrota. Decerto falaríamos do árbitro e de como ele teria sido sensível às pressões espanholas. Falaríamos do mau futebol dos espanhóis e do carácter fortuito da vitória, etc. De Espanha não veio nada disso. De Espanha veio apenas bom senso e desportivismo.
Por outro lado, com ou sem excesso de álcool, os ingleses não se esquecem de agradecer a hospitalidade nacional, fazem coro por Portugal nos jogos da nossa seleção e dizem que esperam ganhar nos quatros de final mas gostariam que Portugal também seguisse em frente. Isto é desportivismo, com álcool ou sem ele.
No jogo da abertura no Estádio do Dragão fiquei quase lado a lado com um grupo de franceses e francesas que obviamente não eram adeptos de Portugal nem da Grécia, mas tinham alguma simpatia pela nossa selecção (os pobres gregos parece que não conquistaram a simpatia de ninguém...). Viam o jogo com a despreocupação de quem não se envolve no resultado, é verdade, mas era em parte por isso que faziam da ocasião uma festa. Imagino que num jogo da sua selecção estejam um pouco mais tensos, mas não tenho dúvidas de que continuará a ser uma festa.
Os exemplos que o Euro trouxe até nós mostram-nos, para onde quer que olhemos, uma forma muito mais saudável de viver o futebol. A nossa realidadezinha de tricas entre clubes e dirigentes quase nos fez esquecer que existe toda uma outra forma de viver esse fenómeno social que é o pontapé da bola. Mas, mais ainda do que isso, a forma como rodeámos o embate espanhol com toda a espécie de referências a desforras históricas e a forma como os espanhóis responderam com desportivismo e elevação põe à mostra aquilo que no fundo não passa de uma demonstração de pequenez histórica a cultural da nossa parte. Aprendamos com os bons exemplos.
sexta-feira, junho 18, 2004
Um caso de polícia e o jornalismo tablóide
A maneira como um caso de polícia passado em Porto de Mós é reportado em três jornais diários diferentes é ilustrativo das diferenças e semelhanças entre eles mas também do quanto se não pode confiar nos jornais para saber o que realmente aconteceu. Os jornais em causa são o Jornal de Notícias, o Correio de Manha e o Público. A notícia é mais longa e detalhada no CM, um pouco mais pequena no JN e ainda mais reduzida no Público. Há algumas informações importantes para uma boa peça de reportagem em que os três jornais são unanímes: Houve uma pessoa morta; essa pessoa foi morta à facada; posteriormente foi enterrada na areia; houve também dois feridos, um deles grave; e tudo aconteceu em Porto de Mós. Mas é só isto. Em tudo o resto, os três jornais dão informações divergentes. E em “tudo o resto” há coisas que convinha que estivessem de acordo, como o sexo da vítima mortal (mulher em dois e homem num); o motivo do crime (passional ou roubo); e a nacionalidade dos alegados autores (desconhecida segundo o JN e de leste segundo os outros dois).
Sobre este pequeno exercício há alguma reflexões que podem ser feitas:
1.Obviamente duas pessoas que leiam esta notícia em dois jornais diferentes terão uma ideia diferente do que aconteceu. E se porventura comentarem o caso uma com a outra, poderão ter a vaga noção de que estão a falar do mesmo assunto (o areal, as facadas, o corpo enterrado na areia, a nacionalidade da vítima ou dos alegados autores) mas notarão de imediato a divergência de informações. Foi isso que de facto sucedeu e suscitou esta reflexão. E isso é talvez o pior que pode acontecer do ponto de vista do jornalismo. Significa que dois leitores concluem que o mes moacontecimento (nem sequer estamos a falar de interpretações; trata-se de um mero reportar de factos) pode dar origem a notícias substancialmente diferentes.
2. Se se fizer uma média entre as três notícias e se procurar o maior denominador comum como forma de nos aproximarmos do que de facto terá acontecido no areal de Porto de Mós, concluiremos que o Público, jornal de referência, é certamente o que está mais longe da verdade. Pode ser porque não arrisca informações tão “etéreas” quanto os outros, o que não me parece ser o caso nesta notícia em particular, embora admita que o possa ser em muitas outras deste teor. Também pode ser porque não tem devidamente “oleada” a máquina de produção deste tipo de notícias. Ou seja, os seus jornalistas, editores, etc, tratam mais frquentemente outros assuntos e a sua ligação ao terreno deste tipo de notícias é necessariamente diferente daquela que possuem os jornalistas ou editores do JN ou o CM. Para o Público, um assassínio à facada em Porto de Mós é uma pequena notícia no Local. No JN ou no CM é uma notícia bem mais importante(a dimensão desta é bem o exemplo disso) e até pode ser manchete.
Isto não parece novidade. Mas o que acho interessante é que, tendo a dúvida sido suscitada por uma conversa em que eu tinha lido no Público e outra pessoas tinha lido no JN referências diferentes à mesma notícia de “faca e alguidar”, se venha a concluir que a outra pessoa estava afinal, sobre este assunto em particular, mais bem informada do que eu. É primeiro que tudo um desprestígio para o jornal de referência, que, ou não aborda o assunto por o não achar relevante; ou, se o aborda, deve abordá-lo com as informações devidamente fundamentadas (é por isso que se diz “de referência"). Mas é também uma prova de que, para quem procura este tipo de notícias, o CM ou o JN são realmente as escolhas certas. Não porque dão estas notícias e os outros não, mas também porque as dão tecnicamente melhor: mais aprofundadas; mais detalhadas e sobretudo mais fundamentadas.
3. O grau de detalhe que o CM consegue reproduzir na notícia é espantoso. Enquanto os outros nem “cheiram” a verdade ou simplesmente andam às “apalpadelas”, o CM até dá nome à vítima e reproduz todo o acontecimento num curioso registo narrativo próximo do da novela venezuelana. E fá-lo porque é este o registo que procuram os seus leitores; não querem interpretação, enquadramento ou opinião, como os leitores do Público; querem apenas saber como tudo aconteceu. Por isso o CM vende quatro vezes mais do que o Público. Procura o seu público, dá-lhe o que ele quer e beneficia do facto de ele ser mais numeroso. Talvez os jornais e referência devessem também aproximar o seu estilo a este, com menos análise e mais narrativa. Talvez assim cumprissem melhor a sua função social.
4. Outra análise curiosa é a gradação dos títulos. Já se viu que a notícia do Público é a mais pequena, a do CM é a maior e a do JN está entre ambas. Ora, os títulos seguem a mesma gradação, do mais frio e isento de emoção para o mais exuberante e carregado de emoção, típico de um tablóide. O Público titula “Rixa em Lagos Faz Um Morto e Dois Feridos”; o JN tem no título “Mulher esfaqueada enterrada na praia” e o CM faz valer uma informação mais precisa para dizer “Morta com 20 facadas”. O número faz aqui o papel de elemento emocional; destina-se a despoletar uma reação no leitor, a reacção que o levará a ler a notícia e a memorizar toda a história. O “enterrada na praia” do JN é quase tão bom, mas fica ainda assim uns furos abaixo das “20 facadas” do CM.
5. Mas este número tão preciso do CM não é afinal tão preciso assim. O Correio da “manha” desmascara mais uma das suas “manhas” no parágrafo seguinte: “A jovem terá sofrido cerca de duas dezenas de golpes de faca, um pouco por todo o corpo, que lhe provocaram a morte, após o que os homicidas tentaram enterrá-la no areal. O rapaz, que também foi esfaqueado, terá desfalecido ou ter-se-á feito passar por morto, o que, ao que tudo indica, lhe terá salvo a vida.”
“Terá sofrido”? Então mas o título não dizia “Morta com 20 facadas”? Não interessa. Nesta altura o leitor já está preso à narrativa e nem repara. Caiu no logro e ficarão para sempre 20 facadas, reais ou não.
Por outro lado, no mesmo parágrafo, também é interessante o “terá desfalecido ou ter-se-á feito passar por morto”. É uma das duas coisas! Mas melhor ainda é o detalhe de que “ao que tudo indica” isso lhe terá salvo a vida. O que é que “indica”? Já sabemos que “tudo” indica isso. Mas que “tudo”? Que informações sustentam essa indicação? Aquelas que já lemos no restante na notícia?
Jornalismo tablóide é isto. É assim que se faz e é assim que opera na mente de quem o lê. Qualquer pessoa o pode fazer, desde que tenha estômago para isso.
Sobre este pequeno exercício há alguma reflexões que podem ser feitas:
1.Obviamente duas pessoas que leiam esta notícia em dois jornais diferentes terão uma ideia diferente do que aconteceu. E se porventura comentarem o caso uma com a outra, poderão ter a vaga noção de que estão a falar do mesmo assunto (o areal, as facadas, o corpo enterrado na areia, a nacionalidade da vítima ou dos alegados autores) mas notarão de imediato a divergência de informações. Foi isso que de facto sucedeu e suscitou esta reflexão. E isso é talvez o pior que pode acontecer do ponto de vista do jornalismo. Significa que dois leitores concluem que o mes moacontecimento (nem sequer estamos a falar de interpretações; trata-se de um mero reportar de factos) pode dar origem a notícias substancialmente diferentes.
2. Se se fizer uma média entre as três notícias e se procurar o maior denominador comum como forma de nos aproximarmos do que de facto terá acontecido no areal de Porto de Mós, concluiremos que o Público, jornal de referência, é certamente o que está mais longe da verdade. Pode ser porque não arrisca informações tão “etéreas” quanto os outros, o que não me parece ser o caso nesta notícia em particular, embora admita que o possa ser em muitas outras deste teor. Também pode ser porque não tem devidamente “oleada” a máquina de produção deste tipo de notícias. Ou seja, os seus jornalistas, editores, etc, tratam mais frquentemente outros assuntos e a sua ligação ao terreno deste tipo de notícias é necessariamente diferente daquela que possuem os jornalistas ou editores do JN ou o CM. Para o Público, um assassínio à facada em Porto de Mós é uma pequena notícia no Local. No JN ou no CM é uma notícia bem mais importante(a dimensão desta é bem o exemplo disso) e até pode ser manchete.
Isto não parece novidade. Mas o que acho interessante é que, tendo a dúvida sido suscitada por uma conversa em que eu tinha lido no Público e outra pessoas tinha lido no JN referências diferentes à mesma notícia de “faca e alguidar”, se venha a concluir que a outra pessoa estava afinal, sobre este assunto em particular, mais bem informada do que eu. É primeiro que tudo um desprestígio para o jornal de referência, que, ou não aborda o assunto por o não achar relevante; ou, se o aborda, deve abordá-lo com as informações devidamente fundamentadas (é por isso que se diz “de referência"). Mas é também uma prova de que, para quem procura este tipo de notícias, o CM ou o JN são realmente as escolhas certas. Não porque dão estas notícias e os outros não, mas também porque as dão tecnicamente melhor: mais aprofundadas; mais detalhadas e sobretudo mais fundamentadas.
3. O grau de detalhe que o CM consegue reproduzir na notícia é espantoso. Enquanto os outros nem “cheiram” a verdade ou simplesmente andam às “apalpadelas”, o CM até dá nome à vítima e reproduz todo o acontecimento num curioso registo narrativo próximo do da novela venezuelana. E fá-lo porque é este o registo que procuram os seus leitores; não querem interpretação, enquadramento ou opinião, como os leitores do Público; querem apenas saber como tudo aconteceu. Por isso o CM vende quatro vezes mais do que o Público. Procura o seu público, dá-lhe o que ele quer e beneficia do facto de ele ser mais numeroso. Talvez os jornais e referência devessem também aproximar o seu estilo a este, com menos análise e mais narrativa. Talvez assim cumprissem melhor a sua função social.
4. Outra análise curiosa é a gradação dos títulos. Já se viu que a notícia do Público é a mais pequena, a do CM é a maior e a do JN está entre ambas. Ora, os títulos seguem a mesma gradação, do mais frio e isento de emoção para o mais exuberante e carregado de emoção, típico de um tablóide. O Público titula “Rixa em Lagos Faz Um Morto e Dois Feridos”; o JN tem no título “Mulher esfaqueada enterrada na praia” e o CM faz valer uma informação mais precisa para dizer “Morta com 20 facadas”. O número faz aqui o papel de elemento emocional; destina-se a despoletar uma reação no leitor, a reacção que o levará a ler a notícia e a memorizar toda a história. O “enterrada na praia” do JN é quase tão bom, mas fica ainda assim uns furos abaixo das “20 facadas” do CM.
5. Mas este número tão preciso do CM não é afinal tão preciso assim. O Correio da “manha” desmascara mais uma das suas “manhas” no parágrafo seguinte: “A jovem terá sofrido cerca de duas dezenas de golpes de faca, um pouco por todo o corpo, que lhe provocaram a morte, após o que os homicidas tentaram enterrá-la no areal. O rapaz, que também foi esfaqueado, terá desfalecido ou ter-se-á feito passar por morto, o que, ao que tudo indica, lhe terá salvo a vida.”
“Terá sofrido”? Então mas o título não dizia “Morta com 20 facadas”? Não interessa. Nesta altura o leitor já está preso à narrativa e nem repara. Caiu no logro e ficarão para sempre 20 facadas, reais ou não.
Por outro lado, no mesmo parágrafo, também é interessante o “terá desfalecido ou ter-se-á feito passar por morto”. É uma das duas coisas! Mas melhor ainda é o detalhe de que “ao que tudo indica” isso lhe terá salvo a vida. O que é que “indica”? Já sabemos que “tudo” indica isso. Mas que “tudo”? Que informações sustentam essa indicação? Aquelas que já lemos no restante na notícia?
Jornalismo tablóide é isto. É assim que se faz e é assim que opera na mente de quem o lê. Qualquer pessoa o pode fazer, desde que tenha estômago para isso.
quinta-feira, junho 17, 2004
Duas ironias a propósito das bandeiras
Esta súbita emergência de bandeiras em todas as janelas e em todos os automóveis deste país encerra duas ironias interessantes.
A primeira usa a Grécia como exemplo. A última vez que estive em Atenas coincidiu, por um mero acaso, com a celebração do dia nacional da Grécia, o equivalente ao nosso 10 de Junho. Nesse dia, fiquei espantado com a quantidade de bandeiras que vi desfraldadas das janelas gregas, demonstração de patriotismo dos gregos e também de confiança no seu momento actual como nação. Curiosamente, o nosso 10 de Junho aconteceu dias antes de iniciado o Euro 2004 e então eram ainda poucas as bandeiras que se viam na rua. E na mesma data há um ano atrás, não me lembro de ter visto qualquer bandeira que não as oficiais. Mas bastou que estivesse em causa o pontapé na bola para que os portugueses despertassem em massa para a exibição do seu símbolo nacional. E isso é profundamente irónico. Não sou capaz de dizer que demonstra falta de patriotismo (será mais um "clubismo nacional" do que "patriotismo"), mas demonstra pelo menos uma manifestaão bastante enviesada do patriotismo.
A segunda ironia prende-se com a notícia que ouvi que dizia que muitas têm sido as bandeiras roubadas a particulares e a entidades públicas, nalguns casos com os próprios mastros que as sustentam. É mais uma demonstração bem irónica do patriotismo desta gente: patriota sim mas sem custos e à custa dos outros!
A primeira usa a Grécia como exemplo. A última vez que estive em Atenas coincidiu, por um mero acaso, com a celebração do dia nacional da Grécia, o equivalente ao nosso 10 de Junho. Nesse dia, fiquei espantado com a quantidade de bandeiras que vi desfraldadas das janelas gregas, demonstração de patriotismo dos gregos e também de confiança no seu momento actual como nação. Curiosamente, o nosso 10 de Junho aconteceu dias antes de iniciado o Euro 2004 e então eram ainda poucas as bandeiras que se viam na rua. E na mesma data há um ano atrás, não me lembro de ter visto qualquer bandeira que não as oficiais. Mas bastou que estivesse em causa o pontapé na bola para que os portugueses despertassem em massa para a exibição do seu símbolo nacional. E isso é profundamente irónico. Não sou capaz de dizer que demonstra falta de patriotismo (será mais um "clubismo nacional" do que "patriotismo"), mas demonstra pelo menos uma manifestaão bastante enviesada do patriotismo.
A segunda ironia prende-se com a notícia que ouvi que dizia que muitas têm sido as bandeiras roubadas a particulares e a entidades públicas, nalguns casos com os próprios mastros que as sustentam. É mais uma demonstração bem irónica do patriotismo desta gente: patriota sim mas sem custos e à custa dos outros!
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