«The shortest and simplest answer I've ever been able to offer when asked why I write novels is, because I can't sing, play an instrument, or compose sonatas. I mean no disrespect to literature if I say that, should an extraterrestrial suddenly appear before me and ask to know something essential about the people of earth as expressed through their art, my first thought would be of Bach rather than Tolstoy. Writing, even great writing, is inevitably to some degree a local concern, in a way that music simply isn't. Our novels may not be read in Alpha Centauri, but it seems possible that some of our music will be played.»
Michael Cunningham, no texto de apresentação da BSO “The Hours” de Philip Glass
Tese + Antítese = Síntese. Espaço de reflexão sobre a actualidade. Media, política e jornalismo.
sexta-feira, outubro 31, 2003
Linchamento II
Afinal a SIC alinhou pela mesma bitola que o CM na primeira abordagem e posterior reacção ao psiquiatra de Bibi. Para que não pareça uma perseguição ao CM - quando muito será apenas uma perseguição ao mau jornalismo - conste que tudo o que disse para o jornal vale, na minha opinião, para a televisão. Se se tivesse concentrado no essencial e não no acessório mais popular a SIC teria passado ao lado de uma gaffe; e, em vez de justificar o lapso e pedir desculpas, atirou-se ao alegado psiquiatra para desfazer toda a sua credibilidade. Até pode ser que o senhor mereça; até pode ser que, em circunstâncias normais, fosse uma matéria jornalística interessante; mas no «dia seguinte» não pode deixar de ser considerada uma reacção de «olho por olho». Shame on you!
quinta-feira, outubro 30, 2003
Linchamento
Na sua edição de ontem, o Correio da Manhã titulou «Tem amnésia» a propósito do julgamento de Bibi, puxando para manchete um detalhe colateral da notícia principal, que era, obviamente: «Julgamento de novo adiado». Ora, como soubemos pelo Público do mesmo dia, cujo título de primeira página era justamente qualquer coisa deste género, o alegado psiquiatra que deu esta informação não o era na realidade e até passou por ter mais conhecimento sobre o processo do que na realidade tinha. Sem querer fazer processos de intenções, parece-me que o CM puxou para título o «Tem amnésia» justamente porque sabia qual a reacção de isso ia ter na «populaça»: indignação e mais jornais vendidos. Mas ao fazê-lo, o CM acabou por cair numa ratoeira que não foi criada para si mas lhe assenta como... uma ratoeira. Tivesse o tablóide resistido aos seus instintos tablóides e teria feito uma manchete jornalisticamente correcta, como as outras, teria vendido menos uns quantos milhares de exemplares e não teria que regressar ao assunto na edição de hoje.
Hoje, o CM, ressabiado e vingativo, não puxa para manchete as declarações do psiquiatra, mas o próprio psiquiatra, que é, segundo as informações apuradas pelo jornal, «mentiroso e sedutor». Aliás, mais precisamente, é-o segundo «fonte ligada ao processo». Ou seja, o CM não faz qualquer mea culpa relativa ao facto de ter posto na primeira página uma informação errada ou não devidamente enquadrada – como queiram. Também não explica como aquele senhor chegou a ter o crédito jornalístico que teve à saída do tribunal, o que de resto seria sempre uma nota à margem de importância muito relativa. O que o CM faz é mandar-se ao senhor – que não conheço nem respeito – com unhas e dentes. A intuito é muito simplesmente o de destruir profissionalmente o alegado psiquiatra. É errado, mais uma vez, duplamente errado, mesmo que ele mereça o castigo.
Hoje, o CM, ressabiado e vingativo, não puxa para manchete as declarações do psiquiatra, mas o próprio psiquiatra, que é, segundo as informações apuradas pelo jornal, «mentiroso e sedutor». Aliás, mais precisamente, é-o segundo «fonte ligada ao processo». Ou seja, o CM não faz qualquer mea culpa relativa ao facto de ter posto na primeira página uma informação errada ou não devidamente enquadrada – como queiram. Também não explica como aquele senhor chegou a ter o crédito jornalístico que teve à saída do tribunal, o que de resto seria sempre uma nota à margem de importância muito relativa. O que o CM faz é mandar-se ao senhor – que não conheço nem respeito – com unhas e dentes. A intuito é muito simplesmente o de destruir profissionalmente o alegado psiquiatra. É errado, mais uma vez, duplamente errado, mesmo que ele mereça o castigo.
quarta-feira, outubro 29, 2003
Temos ministro!
«O Estado tem que ser forte. A política não pode ser apenas uma gestão de interesses particulares»: o ministro Amílcar Theias distraiu-se ou assumiu o propósito de falar com verdade e sem hipocrisias? Os nossos ouvidos estarão atentos!
terça-feira, outubro 28, 2003
O Marinheiro
O Marinheiro já quase não se lembrava da última vez que tinha ido ao mar. Mas certo dia desvendou à mesa do café esse capítulo do seu passado e o rótulo colou-se-lhe como uma lapa. Vá lá perceber-se porquê? Caiu no goto dos companheiros e pronto. Hoje podiam perguntar a todos eles qual era o seu verdadeiro nome que poucos ou nenhuns saberiam responder. Todos o tratavam por Marinheiro e todos pensavam em ondas e em sal quando olhavam para ele, mesmo que esse fosse afinal apenas um pequeno capítulo da epopeia que tinha sido a sua vida. O Marinheiro andou no mar, é verdade, na pesca da sardinha, mas também carregou móveis, vendeu ferramentas, conduziu um taxi, abasteceu automóveis numa bomba de gasolina, foi ajudante de sapateiro, e viveu das esmolas alheias.
Hoje, o Marinheiro era um homem cansado e sozinho. A «sua velhota», como lhe chamava, tinha morrido há três anos de uma coisa no coração e ele sobrevivia desde então com a ajuda de alguns vizinhos e o sustento de uma reforma de miséria que todos os anos aumentava e parecia ficar mais curta. Por isso, passava as noites no clube, fintando a vida por entre copos de três. Acompanhava o dia-a-dia do seu Benfica como ninguém, dizia mal dos políticos todos sem excepção e encontrava uma réstia do sentido perdido da vida quando chegavam os santos populares e o pessoal lá do clube lhe pedia para ajudar no bar. Nesses dias ficava sempre mais irritadiço, primeiro porque encarava a sua pequena tarefa com o espírito de missão de quem embarca para a última faina, depois porque, entre dois servidos e um bebido, acabava sempre com uma carraspana de caixão à cova. Quem o conhecia já sabia o que acontecia a seguir: fechado o bar, arrumadas as cadeiras, o Marinheiro arregaçava as mangas da camisola até aos ombros, lançava uma qualquer imprecação aos jovens que por ali estivessem, do género «são putos novos, mas não batem aqui o velhote, seus merdanas», e começava a correr sem parar à volta do quarteirão. Se alguém lhe lançava um piropo entre sorridos – «Força marinheiro» – respondia sempre. Umas vezes com um som imperceptível e gutural, outras vezes com um claro «vai à merda!» Normalmente continuava até não ter mais força, o que, com a precisão de um relógio, acontecia por volta das 3 ou 4 da manhã. Então o Marinheiro sentava-se no passeio, encostava-se ligeiramente ao que quer que fosse que estivesse por perto – uma árvore, um carro ou um caixote da fruta – e o mais provável era que adormecesse ali mesmo.
No dia seguinte lembrava-se de tudo sem se lembrar de nada. Lembrava-se que ter bebido e de ter corrido, mas não fixava a quem tinha respondido, quanto tempo tinha corrido ou onde tinha «encostado». Por isso, quando alguém lhe perguntava quantas voltas tinha dado – incrivelmente, as pessoas eram sempre diferentes, mas a pergunta era sempre a mesma – inventava um número grande e redondo – «30» – e satisfazia a curiosidade alheia sem mais comentários ou pormenores. O ouvinte normalmente sorria sem exuberância, com a serenidade de quem já sabia a resposta antes de ter feito a pergunta.
Por isso, ninguém estranhou quando, naquela noite, bem bebido e razoavelmente cambaleante, o Marinheiro iniciou mais uma das suas maratonas à volta do quarteirão. O bar fechou, a festa desfez-se, toda a gente foi para a cama e do Marinheiro só se ouviu falar no dia seguinte. Alguém o tinha encontrado encostado a uma árvore como se dormisse profundamente. «Heh, marinheiro, vai para casa», gritou-lhe alguém. «Marinheiro! Acorda dorminhoco. Ainda ficas com a espinha torta. Vai dormir para a cama.» À falta de resposta, alguém se aproximou e lhe tocou no ombro. O corpo cedeu e resvalou para o chão mostrando os olhos apenas semicerrados, os lábios roxos e os membros inertes. Como era agora fácil de adivinhar, naquela noite, por volta das três ou quatro da manhã, o Marinheiro não se encostou à árvore apenas porque estava cansado. Uma forte dor no peito, cada vez mais intensa e assustadora, tomou conta do seu corpo até não conseguir respirar. Pareceu-lhe que ia morrer de asfixia, mas acabou por sucumbir por «paragem da máquina», como tantas vezes tinha previsto: «um dia a máquina pára e então acaba-se tudo», dizia.
Quem conhecia o Marinheiro – e, melhor ou pior, de certa forma todos o conheciam – ficou surpreendido mas não incrédulo. «Já era de esperar» disse alguém, «com a vida que ele levava...». «Mais cedo ou mais tarde, toca a todos», asseverou outrem. «Para andar cá a penar, se calhar mais vale assim», concluiu a vizinha que o ajudava a sobreviver.
Ao funeral do Marinheiro compareceu uma multidão de gente anónima e nenhum familiar. Muitos só então se perguntaram «será que ele tinha família?» Não tinha. E a que tinha estava ali. Os miúdos que tantas vezes tinham gozado com ele nas noites de correria sustinham agora uma lágrima no canto do olho para não darem parte de fracos. Os mais velhos começavam por despedir-se com pena de um velho louco mas acabavam invariavelmente a contar as pessoas presentes no funeral e a desejar, num acto de contrito respeito, ter tantas no seu como o velho louco tinha no dele. Na despedida do Marinheiro, o ar transportava um leve aroma de maresia que todos atribuíam às lágrimas. Suspenso no ar a caminho do Céu, o Marinheiro inalou pela última vez um cheiro terreno, compreendeu finalmente porque razão lhe chamavam assim e deu por bem empregue a sua vida.
Hoje, o Marinheiro era um homem cansado e sozinho. A «sua velhota», como lhe chamava, tinha morrido há três anos de uma coisa no coração e ele sobrevivia desde então com a ajuda de alguns vizinhos e o sustento de uma reforma de miséria que todos os anos aumentava e parecia ficar mais curta. Por isso, passava as noites no clube, fintando a vida por entre copos de três. Acompanhava o dia-a-dia do seu Benfica como ninguém, dizia mal dos políticos todos sem excepção e encontrava uma réstia do sentido perdido da vida quando chegavam os santos populares e o pessoal lá do clube lhe pedia para ajudar no bar. Nesses dias ficava sempre mais irritadiço, primeiro porque encarava a sua pequena tarefa com o espírito de missão de quem embarca para a última faina, depois porque, entre dois servidos e um bebido, acabava sempre com uma carraspana de caixão à cova. Quem o conhecia já sabia o que acontecia a seguir: fechado o bar, arrumadas as cadeiras, o Marinheiro arregaçava as mangas da camisola até aos ombros, lançava uma qualquer imprecação aos jovens que por ali estivessem, do género «são putos novos, mas não batem aqui o velhote, seus merdanas», e começava a correr sem parar à volta do quarteirão. Se alguém lhe lançava um piropo entre sorridos – «Força marinheiro» – respondia sempre. Umas vezes com um som imperceptível e gutural, outras vezes com um claro «vai à merda!» Normalmente continuava até não ter mais força, o que, com a precisão de um relógio, acontecia por volta das 3 ou 4 da manhã. Então o Marinheiro sentava-se no passeio, encostava-se ligeiramente ao que quer que fosse que estivesse por perto – uma árvore, um carro ou um caixote da fruta – e o mais provável era que adormecesse ali mesmo.
No dia seguinte lembrava-se de tudo sem se lembrar de nada. Lembrava-se que ter bebido e de ter corrido, mas não fixava a quem tinha respondido, quanto tempo tinha corrido ou onde tinha «encostado». Por isso, quando alguém lhe perguntava quantas voltas tinha dado – incrivelmente, as pessoas eram sempre diferentes, mas a pergunta era sempre a mesma – inventava um número grande e redondo – «30» – e satisfazia a curiosidade alheia sem mais comentários ou pormenores. O ouvinte normalmente sorria sem exuberância, com a serenidade de quem já sabia a resposta antes de ter feito a pergunta.
Por isso, ninguém estranhou quando, naquela noite, bem bebido e razoavelmente cambaleante, o Marinheiro iniciou mais uma das suas maratonas à volta do quarteirão. O bar fechou, a festa desfez-se, toda a gente foi para a cama e do Marinheiro só se ouviu falar no dia seguinte. Alguém o tinha encontrado encostado a uma árvore como se dormisse profundamente. «Heh, marinheiro, vai para casa», gritou-lhe alguém. «Marinheiro! Acorda dorminhoco. Ainda ficas com a espinha torta. Vai dormir para a cama.» À falta de resposta, alguém se aproximou e lhe tocou no ombro. O corpo cedeu e resvalou para o chão mostrando os olhos apenas semicerrados, os lábios roxos e os membros inertes. Como era agora fácil de adivinhar, naquela noite, por volta das três ou quatro da manhã, o Marinheiro não se encostou à árvore apenas porque estava cansado. Uma forte dor no peito, cada vez mais intensa e assustadora, tomou conta do seu corpo até não conseguir respirar. Pareceu-lhe que ia morrer de asfixia, mas acabou por sucumbir por «paragem da máquina», como tantas vezes tinha previsto: «um dia a máquina pára e então acaba-se tudo», dizia.
Quem conhecia o Marinheiro – e, melhor ou pior, de certa forma todos o conheciam – ficou surpreendido mas não incrédulo. «Já era de esperar» disse alguém, «com a vida que ele levava...». «Mais cedo ou mais tarde, toca a todos», asseverou outrem. «Para andar cá a penar, se calhar mais vale assim», concluiu a vizinha que o ajudava a sobreviver.
Ao funeral do Marinheiro compareceu uma multidão de gente anónima e nenhum familiar. Muitos só então se perguntaram «será que ele tinha família?» Não tinha. E a que tinha estava ali. Os miúdos que tantas vezes tinham gozado com ele nas noites de correria sustinham agora uma lágrima no canto do olho para não darem parte de fracos. Os mais velhos começavam por despedir-se com pena de um velho louco mas acabavam invariavelmente a contar as pessoas presentes no funeral e a desejar, num acto de contrito respeito, ter tantas no seu como o velho louco tinha no dele. Na despedida do Marinheiro, o ar transportava um leve aroma de maresia que todos atribuíam às lágrimas. Suspenso no ar a caminho do Céu, o Marinheiro inalou pela última vez um cheiro terreno, compreendeu finalmente porque razão lhe chamavam assim e deu por bem empregue a sua vida.
Sampaio crítico
É no mínimo curioso e no máximo irónico que um dos pontos mais altos da entrevista do Presidente na RTP tenha sido quando ele disse «eu também digo asneiras». Como se quisesse vir cá abaixo ao reduzidíssimo patamar no qual tem andado mergulhada a discussão política em Portugal nos últimos meses. Não é a primeira vez que o Presidente procura elevar o nível do debate. Oxalá seja ouvido e entendido por todos, jornalistas incluídos.
De resto, também achei interessante que Sampaio tivesse, por um lado defendido o Procurador e tivesse por outro posto as mãos no fogo pelo seu amigo Ferro. A crítica à divulgação das escutas deve preceder as implicações políticas que elas pudessem ter. E mais: a escuta assim divulgada – fora de contexto e fora da lei – não deve ter qualquer validade. Tal como num processo judicial não tem validade a prova ilegalmente obtida. O princípio ético subjacente é o mesmo: não se pode fazer o bem utilizando o mal, os fins não justificam os meios. A única coisa que me repugna na frase «estou-me cagando para o segredo de justiça» é o facto de alguém a ter divulgado.
Por fim, também registei um tom anormalmente crítico em relação à actuação do Governo. Acaso terei sido o único, porque a verdade é que ainda não ouvi quaisquer reacções, quer de comentadores, quer sobretudo do PSD. Há uns meses atrás a frase «há vida para além do défice» foi a afirmação mais arrojada que Sampaio proferiu e perdurou até hoje como chavão principal das suas críticas ao Governo. Mas na entrevista de ontem, o Presidente disse que se investia pouco na educação, que não há políticas estruturais e redução de despesas e aumento de receitas, que a reforma fiscal está atrasada, que a segurança social está falida, que o défice vai ser muito superior ao previsto – até esgrimiu números – e que isso é «muito sério», para usar as suas palavras precisas. No meio disto, Sampaio ainda achou tempo para uma alfinetada pessoal em Manuela Ferreira Leite quando disse «espero que a ministra das Finanças não me venha dizer que não posso falar sobre isto porque não sou economista». E ela, fica-se? E o PSD, fica-se?
Parece-me evidente que o Presidente Sampaio foi ontem mais crítico que habitualmente para com o executivo. E acho que faz o seu papel. Só me preocupa saber porque razão estas críticas surgem mais publicamente agora e não há alguns meses atrás. Será uma reacção aos alegados ataques e evidentes dificuldades do PS? Se sim, shame on you, senhor Presidente.
De resto, também achei interessante que Sampaio tivesse, por um lado defendido o Procurador e tivesse por outro posto as mãos no fogo pelo seu amigo Ferro. A crítica à divulgação das escutas deve preceder as implicações políticas que elas pudessem ter. E mais: a escuta assim divulgada – fora de contexto e fora da lei – não deve ter qualquer validade. Tal como num processo judicial não tem validade a prova ilegalmente obtida. O princípio ético subjacente é o mesmo: não se pode fazer o bem utilizando o mal, os fins não justificam os meios. A única coisa que me repugna na frase «estou-me cagando para o segredo de justiça» é o facto de alguém a ter divulgado.
Por fim, também registei um tom anormalmente crítico em relação à actuação do Governo. Acaso terei sido o único, porque a verdade é que ainda não ouvi quaisquer reacções, quer de comentadores, quer sobretudo do PSD. Há uns meses atrás a frase «há vida para além do défice» foi a afirmação mais arrojada que Sampaio proferiu e perdurou até hoje como chavão principal das suas críticas ao Governo. Mas na entrevista de ontem, o Presidente disse que se investia pouco na educação, que não há políticas estruturais e redução de despesas e aumento de receitas, que a reforma fiscal está atrasada, que a segurança social está falida, que o défice vai ser muito superior ao previsto – até esgrimiu números – e que isso é «muito sério», para usar as suas palavras precisas. No meio disto, Sampaio ainda achou tempo para uma alfinetada pessoal em Manuela Ferreira Leite quando disse «espero que a ministra das Finanças não me venha dizer que não posso falar sobre isto porque não sou economista». E ela, fica-se? E o PSD, fica-se?
Parece-me evidente que o Presidente Sampaio foi ontem mais crítico que habitualmente para com o executivo. E acho que faz o seu papel. Só me preocupa saber porque razão estas críticas surgem mais publicamente agora e não há alguns meses atrás. Será uma reacção aos alegados ataques e evidentes dificuldades do PS? Se sim, shame on you, senhor Presidente.
segunda-feira, outubro 27, 2003
Conversas com astronauta
Segundo a RTP citando um despacho Lusa, 20 crianças portuguesas e espanholas tiveram no domingo a oportunidade de falar via satélite com o astronauta espanhol, Pedro Duque, que como se sabe, se encontra na Estação Espacial Internacional.
A oportunidade é certamente única para as crianças portuguesas seleccionadas, mas o que me pergunto é como terá sido feita a selecção, da responsabilidade a Agência Espacial Europeia. Será que também entraram no processo de selecção crianças gregas? E francesas? Se o leque inicial incluía somente crianças catalãs, galegas, etc, porque razão foram incluídas as portuguesas. Se era para não serem apenas crianças espanholas, porque razão não há outras nacionalidades incluídas para além das crianças portuguesas.
Ou seja, a questão que me preocupa nesta notícia é saber porque é que, numa entrevista a um astronauta espanhol a Agencia Espacial Europeia acha que faz mais sentido juntar portugueses a espanhóis do que franceses a espanhóis ou gregos a espanhóis. Em que língua terão as crianças portuguesas colocado as suas questões ao astronauta espanhol?
A opção da Agencia Espacial Europeia de seleccionar crianças portuguesas para participarem na entrevista aos astronauta espanhol Pedro Duque faz todo o sentido do ponto de vista prático e aparentemente só tem vantagens, sobretudo para as próprias crianças. Mas subjacente a esta decisão está um entendimento da Península Ibérica que, no quadro de uma cada vez maior integração europeia, nos deve preocupar, sobretudo porque vindo de uma entidade exterior. O facto em si nada tem de criticável, muito pelo contrário. Mas o que está por detrás dele é que pode ser preocupante.
A oportunidade é certamente única para as crianças portuguesas seleccionadas, mas o que me pergunto é como terá sido feita a selecção, da responsabilidade a Agência Espacial Europeia. Será que também entraram no processo de selecção crianças gregas? E francesas? Se o leque inicial incluía somente crianças catalãs, galegas, etc, porque razão foram incluídas as portuguesas. Se era para não serem apenas crianças espanholas, porque razão não há outras nacionalidades incluídas para além das crianças portuguesas.
Ou seja, a questão que me preocupa nesta notícia é saber porque é que, numa entrevista a um astronauta espanhol a Agencia Espacial Europeia acha que faz mais sentido juntar portugueses a espanhóis do que franceses a espanhóis ou gregos a espanhóis. Em que língua terão as crianças portuguesas colocado as suas questões ao astronauta espanhol?
A opção da Agencia Espacial Europeia de seleccionar crianças portuguesas para participarem na entrevista aos astronauta espanhol Pedro Duque faz todo o sentido do ponto de vista prático e aparentemente só tem vantagens, sobretudo para as próprias crianças. Mas subjacente a esta decisão está um entendimento da Península Ibérica que, no quadro de uma cada vez maior integração europeia, nos deve preocupar, sobretudo porque vindo de uma entidade exterior. O facto em si nada tem de criticável, muito pelo contrário. Mas o que está por detrás dele é que pode ser preocupante.
Prostitutas colectadas?
Bem sei que a notícia saiu no Correio da Manhã e portanto a respectiva credibilidade merece reparos. Recordo um slogan antigo do Expresso que dizia “Acredite se ler no Expresso” e proponho dois complementares: “Duvide se ler o Correio da Manhã” e “Não acredite se ler no 24 Horas”. Mas, mesmo com dúvidas de credibilidade, a manchete é suficiente forte para captar a atenção quer do povão quer dos outros: “prostitutas podem pagar impostos”.
Se a prostituição deve ou não ser uma actividade legal é uma questão mais ampla que exige uma tratamento mais aprofundado. Mas o que é curioso nesta notícia é o facto de a lei ser taxativa ao considerar que, mesmo que uma actividade seja ilegal, isso não deve obstar a que ela seja colectada. Delirante, sem dúvida. Mas, por outro lado, como a Classificação das Actividades Económicos não prevê a actividade “Prostituição”, ´o próprio funcionário das finanças a recomendar às prostitutas que inscrevam “serviços não especificados” no lugar da actividade exercida.
Ou seja, por detrás deste “serviços não especificados” perpassa o que de pior pode existir na hipocrisia social de um país. As prostitutas são toleradas, podem até pagar impostos, mas não podem escrever no documento fiscal oficial aquilo que realmente fazem.
Duas medidas obviamente se impõem. A primeira é reformular a lei que permite esta anedota social: uma coisa que é ilegal não pode obviamente ser tributada. Senão está tudo louco.
A segunda medida é debater a fundo o problema da prostituição. Com alguma ironia até se podia argumentar se não seria de aproveitar a embalagem de artigos como o da Time para fazer deste um sector estratégico da nossa economia, obviamente legalizado e com apoios do Estado. Mas, mais a sério, impõe-se perguntar: para as prostitutas, para os clientes, para a segurança da actividade e para a clarificação da imagem que o país tem de si próprio, não seria melhor que tudo se passasse segundo regras claras e com transparência? Esta é uma pergunta, não é uma resposta.
Se a prostituição deve ou não ser uma actividade legal é uma questão mais ampla que exige uma tratamento mais aprofundado. Mas o que é curioso nesta notícia é o facto de a lei ser taxativa ao considerar que, mesmo que uma actividade seja ilegal, isso não deve obstar a que ela seja colectada. Delirante, sem dúvida. Mas, por outro lado, como a Classificação das Actividades Económicos não prevê a actividade “Prostituição”, ´o próprio funcionário das finanças a recomendar às prostitutas que inscrevam “serviços não especificados” no lugar da actividade exercida.
Ou seja, por detrás deste “serviços não especificados” perpassa o que de pior pode existir na hipocrisia social de um país. As prostitutas são toleradas, podem até pagar impostos, mas não podem escrever no documento fiscal oficial aquilo que realmente fazem.
Duas medidas obviamente se impõem. A primeira é reformular a lei que permite esta anedota social: uma coisa que é ilegal não pode obviamente ser tributada. Senão está tudo louco.
A segunda medida é debater a fundo o problema da prostituição. Com alguma ironia até se podia argumentar se não seria de aproveitar a embalagem de artigos como o da Time para fazer deste um sector estratégico da nossa economia, obviamente legalizado e com apoios do Estado. Mas, mais a sério, impõe-se perguntar: para as prostitutas, para os clientes, para a segurança da actividade e para a clarificação da imagem que o país tem de si próprio, não seria melhor que tudo se passasse segundo regras claras e com transparência? Esta é uma pergunta, não é uma resposta.
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