«O simplismo ideológico do pensamento dos americanos tanto pode ser uma forma salutar e instintiva de distinguir entre o bem e o mal e não hesitar no caminho, como pode ser reflexo de uma genética incapacidade para entender um mundo que não encaixe nos seus padrões primários de análise.»
Concordo com estas palavras de Miguel Sousa Tavares no Público que, parece-me, fazem um diagnóstico certo - e sem juízos de valor – da maneira americana de ver o Mundo. E, acrescentaria eu, esta é a maneira como vê o Mundo uma potência que domina sobre o mesmo. A história está cheia de exemplos de potências dominantes que também olhavam assim para os dominados (por oposição aos casos muito raros de algumas potências dominantes que revelaram historicamente uma estranha vontade de conhecer os dominados).
Por isso é que já não concordo tanto com a seguinte passagem um pouco à frente no mesmo texto:
«A incapacidade dos americanos em entenderem o mundo árabe, que é a incompreensão por toda uma civilização que está nos antípodas dos "valores" americanos, representa uma ameaça à paz tão grande quanto a resposta que suscita. E é lícito duvidar hoje se é o terrorismo que gera a resposta errática e condenada ao fracasso dos americanos, ou se é essa resposta que potencia o terrorismo.»
Esta consequência do diagnóstico anterior – que já envolve um juízo de valor - e que os pró-americanos considerariam anti-americana, é característica da maior parte da intelectualidade europeia e, embora com um fundo verdadeiro, contém também em si o algum ressentimento pelo facto de os europeus serem no fundo parte dos dominados e não dos dominantes. A política americana é criticável sob muitas formas e não tenho dúvidas de que é em si mesma um problema mundial. Mas não acho que seja «lícito» duvidar de que o terrorismo existe antes e independentemente de qualquer política americana para lidar com ele. Isso parece-me claramente um exagero característico da intelectualidade europeia.
Tese + Antítese = Síntese. Espaço de reflexão sobre a actualidade. Media, política e jornalismo.
sexta-feira, dezembro 19, 2003
Publicidade contra publicidade?
Não sei quem tem razão na guerra relativa aos gastos de publicidade na Câmara Municipal de Lisboa, mas acho no mínimo «sui generis» que o executivo actual decida investir em publicidade para explicar que o anterior executivo... investia demasiado em publicidade. É uma originalidade que só podia partir do «criativo» Pedro Santana Lopes! Por outro lado, a ideia de gastar dinheiro público para denegrir o antecessor político – e portanto também, de certa forma, a actual oposição – é no mínimo «deselegante».
Quando, pouco depois de Santana Lopes ter chegado à CML, começaram a aparecer por toda a cidade obras coercivas, pensei que finalmente tinha chegado alguém com coragem para cortar a direito face aos interesses instalados. Com a sua natural e conhecida predisposição para «apagar fogos com gasolina», como J.A.Saraiva em tempos escreveu, Santana Lopes é o homem ideal para os confrontos de que uma cidade como Lisboa precisa. Mas a verdade é que, como eu já notei, o BE já pôs em painéis de propaganda e o PS também já está a dizer, os taipais das obras coercivas continuam lá sem que algo aconteça por trás deles. Corajoso e frontal, às vezes contra ventos e marés, a verdade é que Santana Lopes também é um sedutor cujo desempenho muitas vezes não corresponde ao que a sedução promete (passe a figura...). O que pode ser o caso em Lisboa. A ver vamos...
Quando, pouco depois de Santana Lopes ter chegado à CML, começaram a aparecer por toda a cidade obras coercivas, pensei que finalmente tinha chegado alguém com coragem para cortar a direito face aos interesses instalados. Com a sua natural e conhecida predisposição para «apagar fogos com gasolina», como J.A.Saraiva em tempos escreveu, Santana Lopes é o homem ideal para os confrontos de que uma cidade como Lisboa precisa. Mas a verdade é que, como eu já notei, o BE já pôs em painéis de propaganda e o PS também já está a dizer, os taipais das obras coercivas continuam lá sem que algo aconteça por trás deles. Corajoso e frontal, às vezes contra ventos e marés, a verdade é que Santana Lopes também é um sedutor cujo desempenho muitas vezes não corresponde ao que a sedução promete (passe a figura...). O que pode ser o caso em Lisboa. A ver vamos...
segunda-feira, dezembro 15, 2003
Aldeia Global
O link está no site Eu Sou Jornalista, mas hoje vale a pena destacá-lo e recomendar uma visita ao Today’s Frontpage para ver como uma foto –basicamente – faz o pleno em todas as línguas e por todos os cantos do mundo. Poucos acontecimentos fazem um pleno tão amplo. A última vez que me lembro de ver imagens do mesmo acontecimento tantas vezes repetida em tantos os jornais do mundo foi no 11 de Setembro.
sexta-feira, dezembro 12, 2003
Alhos e bugalhos
O ideia governamental de aumentar a taxa sobre os combustíveis para financiar um fundo florestal contra incêndios é despropositada e só não é surpreendente porque é recorrente os governos responderem aos alhos com os bugalhos. Neste caso, a única ligação entre a gasolina e os incêndios deve ser o facto de a primeira ser combustível.
As medidas de um governo geram sempre beneficiados e prejudicados. E para que ambos aceitem como razoável a decisão – pedir que todos aceitem bem é pedir demais - é preciso que a mesma tenha alguma lógica interna e pareça justa. Esta não cumpre nenhum dos requisitos. Não se percebe porque razão hão-de ser os combustíveis a pagar a prevenção de incêndios. Porque não uma taxa sobre os supermercados, ou um novo imposto especial do bacalhau ou o turismo? Não tem lógica. E também não se entende que a medida incida sobre um sector que já se sente suficientemente saturado de peso fiscal, o que, em face da falta de lógica, aparece naturalmente como uma injustiça. Têm por isso razão as reacções negativas a esta medida.
Como é óbvio, a defesa das florestas devia ser feita por fundos gerados pelas próprias florestas e cobrados, naturalmente, às entidades que delas usufruem: as empresas papeleiras, as empresas de madeiras, os agricultores, as pessoas que tem casas de campo, etc. O que imagino é que o governo tenha dificuldade em organizar uma cobrança deste tipo porque tem pouco conhecimento e um controle demasiado distante sobre a efectiva ocupação da mancha florestal. Por isso prefere recorrer a um imposto já instituído e perfeitamente articulado nas mecânica da máquina administrativa. Ou seja, este é um puro efeito de centralismo. Pergunte-se a um autarca quem detém e como explora a floresta do seu concelho e ele saberá responder sem sequer ter que consultar quaisquer documentos. O que quer dizer que a cobrança dos fundos para protecção florestal devia ser feita localmente – melhor ainda, regionalmente – e não centralmente. A preservação da floresta de Monchique é uma preocupação dos habitantes de Monchique antes de ser de todos os outros e portanto são eles que estão em melhores condições para aceitar o esforço financeiro necessário à geração de fundos para preservação dessa mesma floresta. Existe uma óbvia relação de cobrança-retribuição que mais dificilmente seria posta em dúvida do que financiando a preservação da floresta de Monchique com uma parte do que paga um automobilista que abastece o seu carro nos arredores do Porto. Para além de que muitos automobilistas nem vão tomar consciência de que o estão a pagar, o que, bem vistas as coisas, é precisamente o que mais interessa ao Governo.
Ou seja, a preservação das florestas era mais bem conseguida com mecanismos regionais ou locais do que com mecanismos centrais, para além de que seria mais bem aceite por todos. Ou seja, na minha opinião, este é mais um dos múltiplos aspectos em que, partidos e caciques à parte, a regionalização faz todo o sentido como princípio de reorganização do Estado.
As medidas de um governo geram sempre beneficiados e prejudicados. E para que ambos aceitem como razoável a decisão – pedir que todos aceitem bem é pedir demais - é preciso que a mesma tenha alguma lógica interna e pareça justa. Esta não cumpre nenhum dos requisitos. Não se percebe porque razão hão-de ser os combustíveis a pagar a prevenção de incêndios. Porque não uma taxa sobre os supermercados, ou um novo imposto especial do bacalhau ou o turismo? Não tem lógica. E também não se entende que a medida incida sobre um sector que já se sente suficientemente saturado de peso fiscal, o que, em face da falta de lógica, aparece naturalmente como uma injustiça. Têm por isso razão as reacções negativas a esta medida.
Como é óbvio, a defesa das florestas devia ser feita por fundos gerados pelas próprias florestas e cobrados, naturalmente, às entidades que delas usufruem: as empresas papeleiras, as empresas de madeiras, os agricultores, as pessoas que tem casas de campo, etc. O que imagino é que o governo tenha dificuldade em organizar uma cobrança deste tipo porque tem pouco conhecimento e um controle demasiado distante sobre a efectiva ocupação da mancha florestal. Por isso prefere recorrer a um imposto já instituído e perfeitamente articulado nas mecânica da máquina administrativa. Ou seja, este é um puro efeito de centralismo. Pergunte-se a um autarca quem detém e como explora a floresta do seu concelho e ele saberá responder sem sequer ter que consultar quaisquer documentos. O que quer dizer que a cobrança dos fundos para protecção florestal devia ser feita localmente – melhor ainda, regionalmente – e não centralmente. A preservação da floresta de Monchique é uma preocupação dos habitantes de Monchique antes de ser de todos os outros e portanto são eles que estão em melhores condições para aceitar o esforço financeiro necessário à geração de fundos para preservação dessa mesma floresta. Existe uma óbvia relação de cobrança-retribuição que mais dificilmente seria posta em dúvida do que financiando a preservação da floresta de Monchique com uma parte do que paga um automobilista que abastece o seu carro nos arredores do Porto. Para além de que muitos automobilistas nem vão tomar consciência de que o estão a pagar, o que, bem vistas as coisas, é precisamente o que mais interessa ao Governo.
Ou seja, a preservação das florestas era mais bem conseguida com mecanismos regionais ou locais do que com mecanismos centrais, para além de que seria mais bem aceite por todos. Ou seja, na minha opinião, este é mais um dos múltiplos aspectos em que, partidos e caciques à parte, a regionalização faz todo o sentido como princípio de reorganização do Estado.
É para rir?
Há já algum tempo que não me ria ao folhear um jornal circunspecto e até um pouco “cinzentão” como o DN. É verdade que depois de ter sabido que o governo irlandês pondera proibir o fumo de tabaco nos locais públicos – logo também nos pubs (consegue-se imaginar um pub irlandês sem uma espessa nuvem de fumo?!) – já nada me devia surpreender, mas a notícia de que a UEFA vai proibir os treinadores de fumarem no banco durante os jogos é realmente de rir. Então mas se os jogos são disputados ao ar livre!! Alegadamente os treinadores servem de exemplo e então não devem dar maus exemplos durante os jogos e sobretudo durante as transmissões televisivas dos jogos.
Duas reflexões se me impõem a este propósito. Primeira: eles não são intervenientes directos nos jogo (esses são os jogadores e os árbitros) e não pedem para ser filmados. Na realidade até acredito que a maior parte deles preferisse que os não filmassem. Mais: esse é um recurso que lhes assiste. Se não podem fumar no banco por causa do mau exemplo que isso constitui, os treinadores que o queiram fazer podem sempre escrever uma carta às televisões impedindo-as de os filmarem noutra circunstância que não seja em conferências de imprensa. Parece-me que estão no seu pleno direito enquanto pessoas com direito a pôr e dispôr da sua imagem.
Segunda reflexão: ao limitar a possibilidade de uma pessoa, qualquer pessoa, ter o seu comportamento normal (e não ilegal) porque isso constitui um mau exemplo é, visto noutra perspectiva, uma forma de obrigar a pessoa a veicular o que se julga socialmente que é um bom exemplo. E isso, perdoe-se-me, é um perigoso mecanismo de conformidade social. Trata-se de obrigar as pessoas a desempenhar um papel social que por vontade própria não desempenhariam. Por vontade própria um treinador fumador não participaria em nenhuma acção, de qualquer tipo, de promoção da supressão do tabaco. Mas, de uma certa forma muito subtil, é obrigado a fazê-lo nesta situação em concreto. E a subtileza da forma como o faz – abstendo-se de fumar numa situação de stress em que habitualmente fuma - não altera a natureza do facto: trata-se de uma imposição de comportamento.
Digo eu, que não fumo.
Duas reflexões se me impõem a este propósito. Primeira: eles não são intervenientes directos nos jogo (esses são os jogadores e os árbitros) e não pedem para ser filmados. Na realidade até acredito que a maior parte deles preferisse que os não filmassem. Mais: esse é um recurso que lhes assiste. Se não podem fumar no banco por causa do mau exemplo que isso constitui, os treinadores que o queiram fazer podem sempre escrever uma carta às televisões impedindo-as de os filmarem noutra circunstância que não seja em conferências de imprensa. Parece-me que estão no seu pleno direito enquanto pessoas com direito a pôr e dispôr da sua imagem.
Segunda reflexão: ao limitar a possibilidade de uma pessoa, qualquer pessoa, ter o seu comportamento normal (e não ilegal) porque isso constitui um mau exemplo é, visto noutra perspectiva, uma forma de obrigar a pessoa a veicular o que se julga socialmente que é um bom exemplo. E isso, perdoe-se-me, é um perigoso mecanismo de conformidade social. Trata-se de obrigar as pessoas a desempenhar um papel social que por vontade própria não desempenhariam. Por vontade própria um treinador fumador não participaria em nenhuma acção, de qualquer tipo, de promoção da supressão do tabaco. Mas, de uma certa forma muito subtil, é obrigado a fazê-lo nesta situação em concreto. E a subtileza da forma como o faz – abstendo-se de fumar numa situação de stress em que habitualmente fuma - não altera a natureza do facto: trata-se de uma imposição de comportamento.
Digo eu, que não fumo.
quarta-feira, dezembro 10, 2003
A nova guerra fria?
Ouvi a notícia de que o EUA restringiam a participação internacional no programa de reconstrução do Iraque na TSF logo pela manhã. Confesso que a primeira reacção foi de alguma desconfiança. Também eu achei um erro a invasão do Iraque, mas também eu acho que na Europa muitas vezes deixamos que algum anti-americanismo mal recalcado (cujas razões históricas profundas merecem – e já mereceram – vários livros) nos tolde a percepção da realidade. Por isso fui à procura de uma fonte mais próxima do original para confirmar – porque me custava a acreditar – que fossem mesmo «razões de segurança dos EUA» as invocadas para impedir que empresas francesas, alemãs ou canadianas trabalhem no Iraque. E o que encontrei, no site do Washington Post, foi o próprio documento. E está lá tudo. Preto no branco. É mesmo a segurança que está em causa!
Mas a minha segunda reacção à notícia não foi de surpresa. E acho que isso já diz algo sobre a minha opinião, mesmo antes de eu mentalmente a formular. É verdade que é uma acção mesquinha por parte dos EUA, mas em política internacional este tipo que mesquinhez é a regra e não a excepção. Não tenho dúvidas que em muitas outras circunstâncias da história, outras nações vencedoras tiveram atitudes semelhantes em relação aos derrotados ou aos neutrais em conflitos passados. E se calhar, muitas vezes, com os países agora citados em lados bem diferentes das barricadas.
O que sinceramente me parece é que, na frieza da declaração americana, é de certa forma uma declaração de guerra surda que transparece. Esta guerra está ser declarada há meses, por pequenas ou não tão pequenas decisões como estas, que necessariamente se seguem a decisões originadoras de todo o processo, como foram a americana de começar a guerra e a europeia (França, Alemanha e acólitos) de não os acompanhar. Todas as restantes decisões – incluindo esta - são consequências lógicas das primeiras. Até que alguém decida inverter este processo e tomar uma decisão ilógica, mas corajosa. De um lado ou de outro. Ou a Europa engole o orgulho ou Bush é magnânimo. Se do lado europeu o eixo franco-alemão parece suficientemente sólido para resistir orgulhosamente, do outro lado a previsível reeleição de Bush quase garante uma manutenção – senão mesmo reforço – das políticas actuais. Ou seja, o futuro não augura nada de bom...
Mas a minha segunda reacção à notícia não foi de surpresa. E acho que isso já diz algo sobre a minha opinião, mesmo antes de eu mentalmente a formular. É verdade que é uma acção mesquinha por parte dos EUA, mas em política internacional este tipo que mesquinhez é a regra e não a excepção. Não tenho dúvidas que em muitas outras circunstâncias da história, outras nações vencedoras tiveram atitudes semelhantes em relação aos derrotados ou aos neutrais em conflitos passados. E se calhar, muitas vezes, com os países agora citados em lados bem diferentes das barricadas.
O que sinceramente me parece é que, na frieza da declaração americana, é de certa forma uma declaração de guerra surda que transparece. Esta guerra está ser declarada há meses, por pequenas ou não tão pequenas decisões como estas, que necessariamente se seguem a decisões originadoras de todo o processo, como foram a americana de começar a guerra e a europeia (França, Alemanha e acólitos) de não os acompanhar. Todas as restantes decisões – incluindo esta - são consequências lógicas das primeiras. Até que alguém decida inverter este processo e tomar uma decisão ilógica, mas corajosa. De um lado ou de outro. Ou a Europa engole o orgulho ou Bush é magnânimo. Se do lado europeu o eixo franco-alemão parece suficientemente sólido para resistir orgulhosamente, do outro lado a previsível reeleição de Bush quase garante uma manutenção – senão mesmo reforço – das políticas actuais. Ou seja, o futuro não augura nada de bom...
Correio da manha strikes again!
Vou explicar de que forma tomei conhecimento da primeira página do Correio da Manha de hoje. Estava a preparar-me para sair de casa pela manhã com a televisão sintonizada na SIC Notícias (alterno com a RTP). Eu não gosto de imagens violentas e sempre que posso evito-as activamente. Não em filmes ou ficções; essas não me incomodam; mas aquelas que sei serem verdadeiras são-me penosas e por isso normalmente olho para o lado, desvio o olhar quando passo por um acidente na estrada e mudo de canal quando a televisão embarca nesse tipo de notícias. Sou eu que sou assim, mas admito perfeitamente que nem toda a gente seja igual. Mas foi durante a revista de imprensa - uma das minhas rubricas favoritas no programa televisivo dessa manhã - que vi pela primeira vez - inadvertidamente, portanto - na primeira página do CM, a foto de um corpo separado da sua própria cabeça.
Faço esta pequena narração doméstica para enquadrar duas ou três reflexões sobre esta matéria. A primeira reflexão é relativa ao próprio CM, obviamente. Na primeira página referida a informação relativa ao atentado no Kremlin - ao qual a imagem se refere - é pouco mais do que discreta. Na verdade só depois de a procurarmos com algum cuidado encontramos a informação relativa à mesma. O que, claramente, significa que neste caso não é a imagem que sustenta a informação mas o inverso: aquela informação só esta lá para sustentar a imagem. Até porque a primeira página do CM é quase sempre ocupada por temas nacionais como a pedofilia, os impostos, o aumento de preços ou um ou outro crime, raramente com temas internacionais. Não sabemos mas podemos apostar que se não houvesse aquela imagem, a correspondente informação não teria merecido honras de primeira página no CM. E o que é que isso significa? Simplesmente que a função não é transmitir uma informação mas sim criar um efeito de choque em banca; ou seja, o objectivo não é dar uma notícia, mas sim vender jornais. Grande conclusão!! dirão. De facto a conclusão não é surpreendente. Mas se não é surpreendente, isso quer dizer que com ela concorda quem com ela não se surpreende. E então? Se todos concordamos com esta conclusão, o que é que acontece? Nada? Não acontece nada ao CM? Nada é dito ao jornalista que dirige o jornal? Um cidadão - como eu - que considere que foi ultrapassado um limite não dispõe de mecanismos para se defender?
É por estas e por outras que acho - como alguém defendeu em tempos, aparentemente sem sucesso - que os jornalistas deviam reger-se por uma Ordem. Uma Ordem capaz de vigiar e sancionar as más práticas jornalísticas da mesma forma que a Ordem dos Médicos sanciona as más práticas médicas ou a Ordem dos Advogados controla o desempenho em tribunal dos seus profissionais. Porque, sinceramente, não acho que a importância social dos jornalistas e - sobretudo - as consequências sociais das más práticas jornalísticas sejam menores que as outras. Pelo contrário. Quando todos falamos de banalização da violência nas sociedades ocidentais, é de primeiras páginas como esta que estamos a falar. Porque, para alguns milhares de portugueses, amanhã será um pouquinho mais banal ver uma cabeça separado do seu corpo. Eu, pela minha parte, gostaria - se me for permitido – de continuar a ficar incomodado com imagens como esta. E gostaria - se me deixarem - de continuar a evitá-las. Posso?
Esta questão entronca na segunda reflexão que gostaria de fazer a propósito da referida primeira página. Obviamente, eu não sou leitor habitual do CM. Não procuro o jornal em banca nem estou interessado em saber o que traz na primeira página em qualquer emissão televisiva. Mas em qualquer das duas situações eu posso ser confrontado com uma imagem de um corpo decepado sem que o queira ver ou sem que esteja preparado para o que o meu olhar vai encontrar, seja num jornal exposto em banca, seja numa emissão de televisão. Por isso pergunto: que direito tem um editor de expor assim uma imagem pela qual eu posso ser incomodado? Porque razão há-de o seu direito de expor a imagem ser superior ao meu direito de não ser exposto a ela? Não será o direito do CM em publicar imagens de corpos decepados mais prejudicial à sociedade do que o meu direito de não ser inadvertidamente confrontado com essas mesmas imagens? Se ela porventura estivesse dentro do jornal a questão não se colocaria. Se o jornal estivesse dentro do quiosque em vez de fora, a questão também não se colocaria. Se a revista de imprensa daquela manhã não tivesse incluído o CM, eu não estaria agora a indignar-me com o assunto.
O que me leva à terceira reflexão: será correcto que uma revista de imprensa de um canal noticioso, durante um programa de informação sério, dê relevância a uma manchete destas ou mesmo a qualquer das manchetes habituais de jornais como o CM ou o 24 Horas? Mesmo que, em nome do princípio da liberdade de imprensa, se responda que sim, devia uma estação de televisão responsável transmitir esta manchete? Se por hipótese absurda um jornal qualquer publicasse uma notícia qualquer ilustrada com a imagem clara e em grande plano de um órgão sexual, a estação de televisiva que faz revista de imprensa faria – e bem - uma da duas coisas: ou distorcia a imagem na zona do jornal que podia incomodar pessoas como eu; ou simplesmente não incluía a edição de hoje desse jornal na revista de imprensa, mesmo que amanhã tudo voltasse ao normal. Ou seja, o facto de ser o CM a publicar uma foto altamente criticável não isenta de críticas a estação de televisão que indirectamente reproduziu a mesma imagem como se não fosse nada com ela. Na verdade é com ela! Se a SIC não tivesse reproduzido aquela foto (imagino que a RTP o tenha feito também), eu não teria sido incomodado por ela e não estaria agora aqui a abordar o assunto. A banalização da violência resulta da reprodução da imagem violenta e não da sua autoria. E se o CM reproduziu aquela imagem violenta várias dezenas de milhar de vezes, a televisão fê-lo centenas de milhares de vezes.
Faço esta pequena narração doméstica para enquadrar duas ou três reflexões sobre esta matéria. A primeira reflexão é relativa ao próprio CM, obviamente. Na primeira página referida a informação relativa ao atentado no Kremlin - ao qual a imagem se refere - é pouco mais do que discreta. Na verdade só depois de a procurarmos com algum cuidado encontramos a informação relativa à mesma. O que, claramente, significa que neste caso não é a imagem que sustenta a informação mas o inverso: aquela informação só esta lá para sustentar a imagem. Até porque a primeira página do CM é quase sempre ocupada por temas nacionais como a pedofilia, os impostos, o aumento de preços ou um ou outro crime, raramente com temas internacionais. Não sabemos mas podemos apostar que se não houvesse aquela imagem, a correspondente informação não teria merecido honras de primeira página no CM. E o que é que isso significa? Simplesmente que a função não é transmitir uma informação mas sim criar um efeito de choque em banca; ou seja, o objectivo não é dar uma notícia, mas sim vender jornais. Grande conclusão!! dirão. De facto a conclusão não é surpreendente. Mas se não é surpreendente, isso quer dizer que com ela concorda quem com ela não se surpreende. E então? Se todos concordamos com esta conclusão, o que é que acontece? Nada? Não acontece nada ao CM? Nada é dito ao jornalista que dirige o jornal? Um cidadão - como eu - que considere que foi ultrapassado um limite não dispõe de mecanismos para se defender?
É por estas e por outras que acho - como alguém defendeu em tempos, aparentemente sem sucesso - que os jornalistas deviam reger-se por uma Ordem. Uma Ordem capaz de vigiar e sancionar as más práticas jornalísticas da mesma forma que a Ordem dos Médicos sanciona as más práticas médicas ou a Ordem dos Advogados controla o desempenho em tribunal dos seus profissionais. Porque, sinceramente, não acho que a importância social dos jornalistas e - sobretudo - as consequências sociais das más práticas jornalísticas sejam menores que as outras. Pelo contrário. Quando todos falamos de banalização da violência nas sociedades ocidentais, é de primeiras páginas como esta que estamos a falar. Porque, para alguns milhares de portugueses, amanhã será um pouquinho mais banal ver uma cabeça separado do seu corpo. Eu, pela minha parte, gostaria - se me for permitido – de continuar a ficar incomodado com imagens como esta. E gostaria - se me deixarem - de continuar a evitá-las. Posso?
Esta questão entronca na segunda reflexão que gostaria de fazer a propósito da referida primeira página. Obviamente, eu não sou leitor habitual do CM. Não procuro o jornal em banca nem estou interessado em saber o que traz na primeira página em qualquer emissão televisiva. Mas em qualquer das duas situações eu posso ser confrontado com uma imagem de um corpo decepado sem que o queira ver ou sem que esteja preparado para o que o meu olhar vai encontrar, seja num jornal exposto em banca, seja numa emissão de televisão. Por isso pergunto: que direito tem um editor de expor assim uma imagem pela qual eu posso ser incomodado? Porque razão há-de o seu direito de expor a imagem ser superior ao meu direito de não ser exposto a ela? Não será o direito do CM em publicar imagens de corpos decepados mais prejudicial à sociedade do que o meu direito de não ser inadvertidamente confrontado com essas mesmas imagens? Se ela porventura estivesse dentro do jornal a questão não se colocaria. Se o jornal estivesse dentro do quiosque em vez de fora, a questão também não se colocaria. Se a revista de imprensa daquela manhã não tivesse incluído o CM, eu não estaria agora a indignar-me com o assunto.
O que me leva à terceira reflexão: será correcto que uma revista de imprensa de um canal noticioso, durante um programa de informação sério, dê relevância a uma manchete destas ou mesmo a qualquer das manchetes habituais de jornais como o CM ou o 24 Horas? Mesmo que, em nome do princípio da liberdade de imprensa, se responda que sim, devia uma estação de televisão responsável transmitir esta manchete? Se por hipótese absurda um jornal qualquer publicasse uma notícia qualquer ilustrada com a imagem clara e em grande plano de um órgão sexual, a estação de televisiva que faz revista de imprensa faria – e bem - uma da duas coisas: ou distorcia a imagem na zona do jornal que podia incomodar pessoas como eu; ou simplesmente não incluía a edição de hoje desse jornal na revista de imprensa, mesmo que amanhã tudo voltasse ao normal. Ou seja, o facto de ser o CM a publicar uma foto altamente criticável não isenta de críticas a estação de televisão que indirectamente reproduziu a mesma imagem como se não fosse nada com ela. Na verdade é com ela! Se a SIC não tivesse reproduzido aquela foto (imagino que a RTP o tenha feito também), eu não teria sido incomodado por ela e não estaria agora aqui a abordar o assunto. A banalização da violência resulta da reprodução da imagem violenta e não da sua autoria. E se o CM reproduziu aquela imagem violenta várias dezenas de milhar de vezes, a televisão fê-lo centenas de milhares de vezes.
Subscrever:
Mensagens (Atom)