A posição do PP a propósito da condecoração de Isabel do Carmo, recusando-se a comparecer na cerimónia, é compreensível e até aceitável. É coerente com o discurso do partido, manifesta uma posição sem afrontar as instituições e tem fundamentos para reflexão.
Depois do 11 de Setembro, do atentado que vitimou Sérgio Vieira de Mello e das explosões de Madrid, a sensibilidade europeia ocidental face ao terrorismo mudou sensivelmente. Se já antes a frequência verdadeiramente assustadora com que explodiam os autocarros cheios de israelitas causava perplexidade a qualquer espírito não alinhado ideologicamente, agora é ainda maior o número de pessoas que compreendem porque razão existe terrorismo mas não o consideram legítimo. É verdade que Yasser Arafat continua a gozar de grande prestígio, mas mais pelo seu passado do que pelo seu presente, mais como representante de um povo martirizado a caminho do ocaso político do que como efectivo líder do movimento. Os efectivos terroristas, esses não recebem da opinião pública ocidental, em particular dos seus intelectuais, o mesmo grau de simpatia de que muitos terroristas beneficiaram no passado.
O clima político favorece, portanto, posições anti-terroristas e o PP foi inteligente ao percebê-lo. Mas, mais do que uma mera manobra de aproveitamento político, a decisão de não comparecer à cerimónia de atribuição das comendas como forma de protesto contra o elogio público de Isabel do Carmo parece genuína e é sem dúvida coerente com as posições recentes do partido e mesmo com a sua história.
Mas igualmente coerente foi o presidente Jorge Sampaio. Sampaio foi eleito com base num programa presidencial de esquerda (tão de esquerda quanto o pode ser um programa presidencial, obviamente com muitas ideias e poucas propostas de acção) e pôs a sufrágio – como qualquer candidato a presidente – o seu passado político, como se sabe recheado de posições pessoais corajosas e cheias de implicações práticas em defesa de valores que Isabel do Carmo partilha e a referida comenda se destina a premiar. Por isso, mesmo que não fosse previsível, a atribuição da Ordem da Liberdade a Isabel do Carmo era plausível. Não seria fácil de prever mas seria fácil de conceber atendendo ao que é a história política de Sampaio e as suas posições recentes.
Temos portanto uma reacção séria e legítima de um partido político, fundada nos valores que defende, à posição igualmente séria e legitima de um Presidente da República, em coerência com os princípios que defende e em nome dos quais foi eleito. As duas entidades tiveram portanto bem neste processo e deram ambas um exemplo de boa política, a contrastar com os muitos de sentido contrário que diariamente nos desiludem.
Mas a cereja no bolo veio da própria Isabel do Carmo que, quando confrontada com a recusa do PP em participar na cerimónia, considerou que essa recusa tinha «significado» e disse que já esperava esta reacção dos «partidos de direita para os quais a minha pessoa deve ser insuportável de facto. E oxalá que seja!». Nada mais claro portanto: a extrema-direita onde deve estar, a extrema-esquerda nos seus antípodas e o Presidente no cumprimento do seu programa eleitoral. Todos em respeito uns pelos outros e ao sistema democrático que lhes enquadra o discurso e a acção política. O acontecimento não é grandiloquente, mas a acção das partes foi-o.
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