A capa do Record de hoje passa certamente a constituir mais uma página para a história do mau jornalismo em Portugal. O título garrafal diz simplesmente isto a propósito de Valentim Loureiro: «Tudo o que se diz que ele fez». Tudo o que «se diz»? Há alguma confirmação (já nem peço duas…) para o que «se diz»? Corresponde «o que se diz» a alguma acusação ou alguma denúncia imputável a alguém? Claro que não. «O que se diz» é simplesmente tudo aquilo de que os editores do jornal tomarem conhecimento e que achem suficientemente interessante para publicar. Independentemente de ter ou não ter qualquer tipo de confirmação. Não vi em detalhe o conteúdo do jornal, mas imagino que corresponde ao que é anunciado na primeira página.
Então pergunto: o que me impede a mim de, para prejudicar alguém ou por simples gozo, telefonar anonimamente para o jornal a dizer que também fui aliciado pelo suspeito A ou B para influenciar a classificação do árbitro X em função de um seu «serviço» no jogo Y. Se a montagem fosse minimamente credível e estivessem em causa clubes sonantes, seriam os mesmos editores que seguem esta política informativa capazes de resistir a publicar a informação ao abrigo do critério de «o que se diz».
Publicar «o que se diz» contraria todas as regras do jornalismo e coloca o órgão informativo que o faz à mercê de todo o tipo de imprecisões e manipulações. E não é por acontecer num jornal desportivo que esta primeira página deve merecer menos o nosso repúdio do que mereceria se acontecesse no Público ou no Diário de Notícias. Ou será que, tal como o futebol na sociedade, também o jornalismo desportivo é um mundo à parte do restante jornalismo? Será que não é também composto por jornalistas encartados? Será que não tem por missão transmitir informações fidedignas sobre as matérias que aborda? Talvez muitas pessoas achem que o assunto é de somenos porque estamos a falar de jornalismo desportivo, mas isso é um erro. É um erro correntemente repetido, mas não deixa de ser um erro. Primeiro porque, como todo o jornalismo, também o jornalismo desportivo contribui para a formação da opinião das pessoas sobre a actualidade; e, como toda a comunicação social, também aquilo que publicam os jornais desportivos serve para moldar o nosso entendimento da via em sociedade. E o que uma primeira página como esta diz a uns largos milhares de pessoas (tomara o Público ou o DN…) – tal como muitas outras capas que a imprensa desportiva publica com numa preocupante regularidade – é que não se pode confiar nos jornais. Desportivos ou não desportivos. Ou seja, uma primeira página como esta presta um mau serviço ao jornalismo, mas, sobretudo, presta um mau serviço à sociedade.
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