domingo, abril 18, 2004

Outra vez Saramago

Já comecei a ler romances de Saramago umas quantas vezes, mas apenas uma ou duas consegui acabá-los com um mínimo de interesse. Na verdade carreguei essa aparente impossibilidade de me ligar enquanto leitor com o mais famoso dos nossos escritores actuais com algum desconforto. Mas recentemente tenho vindo a descobrir que estou longe de ser o único e até me parece que somos mais os que não lemos Saramago do que os que o lêem com prazer. Isso deu-me coragem «to come out of the closet». Hoje em dia são certamente aqueles que se deliciam com Saramago que estão «in closet», cada vez menos à vontade para «confessarem» publicamente as suas preferências. O que constitui uma imensa ironia e um enorme ingratidão para com o próprio Saramago.
Goste-se ou não da escrita de Saramago – e eu incluo-me no segundo grupo – ele é o mais elevado vulto da literatura portuguesa actual e um dos maiores que alguma vez houve. Quando falamos de Saramago, falamos de um dos dois portugueses alguma vez laureados com um prémio Nobel e o único em Literatura. E falamos do português mais lido em todo o mundo. Não temos nenhum músico, pintor ou realizador cinematográfico com o mesmo grau de projecção internacional na sua área. Mesmo olhando para a o desporto, onde o grau de projecção é muito mais facilmente mensurável em títulos, temos somente dois campeões olímpicos e o inevitável Luís Figo.
Por isso, goste-se ou não da sua escrita, goste-se ou não das suas ideias políticas, Saramago deve ser respeitado. Para dar apenas alguns exemplos, não me parece elegante dizer, como Manuel António Pina «Até eu, pouco entusiasta de prosa sem pontuação, cheguei a pensar comprar o livro» (sublinhado meu), mesmo que seja numa crónica que no essencial estranha este corrupio à volta do último romance de Saramago, afinal apenas mais um romance. Também não me parece correcta a forma como ouvi Pacheco Pereira desvalorizar a instituição do Nobel, obviamente, todos o percebemos, porque Saramago o venceu. Por fim parece-me ainda mais criticável, dizer, como faz Pulido Valente, que «No fundo, no fundo, o nosso homem deve o seu Nobel à providencial burrice do pobre Sousa Lara. Infelizmente, em vez de agradecer, continuou «zangado» com o país, que por ínvios caminhos tão bem o tratara (…). Saramago vai ganhar com isto o patrocínio oficial para a sua beatificação literária.» Então Saramago deve ser responsabilizado por ter sido censurado há 12 anos, como se isso fizesse parte de um elaborado plano para vender mais livros? Podemos ler ou não ler Saramago, podemos concordar ou não com as suas ideias políticas, mas não devemos deixar as nossas discordâncias estéticas ou políticas toldar-nos o bom senso. Como manifestamente aconteceu com Pacheco Pereira e Vasco Pulido Valente.

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