quarta-feira, dezembro 15, 2004

Cavaco no papel de messias

Pacheco Pereira (30-11-04) é que tem razão. Estou convencido que o melhor que podia acontecer ao país era Cavaco concluir que os constrangimentos macroeconómicos e as exigências de rigor orçamental que esperam o novo governo exigem uma atitude verdadeiramente messiânica e decidir candidatar-se a primeiro-ministro em vez de Presidente.

A situação económica externa não dá sinais de melhorar, a situação interna exige espírito de rigor e a verdade é que nenhum dos putativos governantes - Santana ou Sócrates - parece capaz de implantar as medidas que o país exige. O primeiro porque é congenitamente populista e só assim sabe viver a política (vai prometer tudo a todos durante a campanha e vai cumprir mais do que devia se chegar ao governo). O segundo porque emana de um partido com vocação de big spender, ainda para mais "estimulado" por um Bloco de Esquerda mediaticamente acutilante ou formalmente interveniente (conforme os resultados eleitorais).

Cavaco é insuportavelmente self-righteous e provou quando foi primeiro-ministro, que tinha mais vocação para os primeiros mandatos do que para os seguintes. Deve vir com "prazo de validade". Mas, talvez devido ao seu auto-conceito messiânico, parece estar, na sua verticalidade e empertigamento, a anos-luz dos invertebrados políticos de hoje, qualquer que seja o quadrante partidário para que olhemos.

Cavaco, Sá Carneiro, Soares, Cunhal, Eanes, Amaro da Costa, Freitas do Amaral: estes foram os nomes que, puxando cada um para seu lado, confrontando-se e digladiando-se, estruturaram a democracia portuguesa. É verdade que os tempos eram outros, mas compará-los hoje com os políticos que temos não pode deixar de ser deprimente. Com a agravante de os dois líderes partidários longamente forjados na sombra de cada um dos respectivos partidos - Guterres e Durão - terem ambos fugido e abandonado o país à sua sorte. Quase como se tivessem combinado.

Não admira por isso que quer o PSD quer o PS olhem com saudade os seus líderes históricos, ao ponto de Soares se ver obrigado a dizer "basta!" e Cavaco ser reclamado por mais do que alguns barões (sim, Pacheco Pereira já se pode considerar politicamente brasonado). O PS aprovou Sócrates por falta de alternativas mas na realidade não o tem em muito boa conta; e o PSD votou maciçamente em Santana, mas dar-lhe-ia um pipanote assim que Cavaco surgisse do nevoeiro. Se surgisse.

De Soares já sabemos que está cansado e mais interessado nas suas palestras. Mas Cavaco vacila. O PSD ficaria de pantanas, mas o país só teria a ganhar. Pelo menos nos primeiros anos, por causa do já referido “prazo de validade”.

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