Não encontrei um link para a mais recente crónica de Manuel António Pina na Visão, mas porque a acho particularmente desgostosa e acertada, não resisto a reproduzi-la na íntegra. À atenção de Vasco Pulido Valente, cujo nihilismo lusitano Manuel António Pina aqui partilha:
«Não é novidade para ninguém que o sistema representativo, principalmente por culpa da maior parte dos políticos (e das políticas) que temos tido em 30 anos de democracia, foi progressivamente perdendo a confiança dos cidadãos. A situação não é muito diferente em outras democracias, onde é cada vez maior o divórcio entre cidadãos e profissionais da política, mas onde, apesar de tudo, existe um património democrático mais ou menos antigo, que vai constituindo uma espécie de almofada ideológica, capaz de amortecer os efeitos devastadores da frustração das esperanças colectivas. Mas a nossa democracia é recente, caiu do céu aos trambolhões por acção de um grupo de militares que não faziam a mínima ideia da caixa de Pandora que abriam. Os mais ingénuos foram trucidados logo no dia seguinte e os restantes, mesmo os que revelaram insuspeitadas capacidades de adaptação, acabaram consumados no fogo dos acontecimentos até saírem de palco transformados, como Conh-Bendit disse, em “cornudos da história” ou feitos patéticas figuras de museu. A lição é de Carlyle (só que os militares não são habitualmente gente muito dada a leituras): “As revolução são sonhadas por idealistas e realizadas por fanáticos, mas quem delas se aproveita são sempre os oportunista de todas as espécies”.
De há 30 anos para cá, após a explosão da esperança, primeiro na rua, depois nas urnas (a participação nas primeiras eleições após o 25 de Abril ultrapassou os 90%), foram-se queimando etapas até se ultrapassar pela direita tudo o que de pior o sistema democrático pode, mantendo-se democrático, produzir. Hoje, com excepção dos que votam por clubismo partidário, os portugueses que se dão ainda ao trabalho de votar (que são, como se sabe, cada vez menos) votam principalmente contra: umas vezes contra o PSD, outras contra o PS, outras contra o PSD e o CDS, outras ainda contra o PSD, o PS e o CDS ou contra o PSD, o PS, o CDS e o PCP (o BE não tem relevância suficiente para alguém se incomodar a votar contra o BE), ou, abstendo-se, contra todos eles. Até porque os portugueses foram aprendendo com a experiência que é inútil votar por programas eleitorais visto que os programas eleitorais são letra morta depois das eleições e que é inútil votar por listas eleitorais porque muitos dos que nelas figuram nunca exercerão os lugares para que forem eleitos ou figuram nelas por todos os motivos (alguns deles bem singulares…) menos pela competência. Dito de outro modo: o sistema representativo tem funcionado perfeitamente.
Nos últimos tempos, contudo, a coisa transformou-se num libreto de opereta: um primeiro-ministro eleito que arranja melhor emprego e abandona o barco, um presidente da República que empossa um primeiro-ministro não-eleito em nome de uma mirífica estabilidade que só ele antevê e que, quatro meses de instabilidade depois, em lugar de demitir o Governo, dissolve o Parlamento, e um Governo que, dissolvido o Parlamento, se demite…
Os portugueses irão, tudo o indica, votar agora contra o PSD e o CDS. Mas a maior parte deles ficará, como de costume, em casa. Poderia votar em branco; só que ninguém acredita que isso pudesse ter, como na fábula de Saramago, alguma consequência.»
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