quinta-feira, novembro 18, 2004

A coligação feita num "saco de gatos"

As reacções dos membros do governo e políticos da coligação à deliberação da Alta Autoridade para a Comunicação Social sobre o caso “Marcelo” foram tão inábeis como as declarações que lhe deram origem. E revelam, como bem sublinhou Artur Portela, da AACS, falta de “cultura democrática”.
Como diz Morais Sarmento, este pode ser um órgão moribundo (ele diz mesmo que é um “cadáver”), mas não deixa de ser aquele que neste momento está em funções, o qual votou segundo os seus estatutos. O que Morais Sarmento quer dizer é que nada do que a AACS produza tem qualquer validade.
Por outro lado, ao porta-voz do CDS-PP não fica bem (não fica bem ao partido, claro) dizer que respeita as conclusões, mas simplesmente não concorda com elas, querendo com isso significar que as mesmas não terão qualquer efeito prático.
Do mesmo modo, do nº 2 do governo não se espera que diga “quero lá saber”. Afinal, estamos a falar do principal assunto da actualidade e de batalha política durante os últimos meses. Estando devidamente calendarizada a decisão da AACS, do co-responsável máximo da coligação esperava-se que tivesse algo a reagir.
O que todas estas reacções revelam é um conjunto de tiques que vagamente evocam os do final da governação cavaquista em relação às então chamadas “forças de bloqueio”. A diferença é que o ciclo de poder cavaquista tinha então vários anos de existência e o santanismo dura há apenas alguns meses.

O que mais este “episódio” da novela santanista demonstra à saciedade é que não existe coordenação política na coligação. Já alguém ouviu o Primeiro-Ministro pronunciar-se sobre esta matéria? Não deveria ele ter preparado uma reacção única ou pelo menos coordenada a uma decisão que, esta ou outra, podia certamente ter sido antecipada? Não poderia ele ter preparado o terreno, por exemplo, anunciando algumas linhas mestras da futura entidade reguladora do sector como forma de desvalorizar o papel desta? É apenas um exemplo.

Pode não ser intencional, embora haja quem acredite que sim, mas a verdade é que a cadência com que os políticos da coligação, governantes ou não, criam polémicas políticas é absolutamente inédita na nossa história recente. Serve às mil maravilhas as manchetes de jornais e os comentários da blogosfera, e tornam difícil saber onde acaba a campanha anti-santana que se abriu assim que o seu nome começou a ser falado e começa a errância de rumo que também se sabe ser a da dupla Santana-Portas. Serve também às mil maravilhas a nova direcção do PS, que se tem mantido alegremente discreta deixando o “saco de gatos” em que se transformou a coligação fazer o seu “trabalho”. Mas o que a sucessão de polémicas e a ausência de rumo não serve de certeza é o país. E isso é que é preocupante. Não tenho dúvidas de que Cavaco Silva concordaria comigo.

As crianças como uma medida do nosso desenvolvimento

As revelações acerca da Casa do Gaiato vêm juntar-se ao caso Casa Pia e convocam a pedofilia nos Açores e na Madeira, tanto quando casos como os de Joana ou a Catarina para nos fazer reflectir sobre o que realmente se está a passar em Portugal. Pode parecer que o nosso país se tornou de repente um antro de selvajaria a que nem as crianças escapam. Parece-me, no entanto, que o que se passa, realmente, é precisamente o contrário.
Na Casa Pia sabemos hoje que a violência sobre os menores prolongou-se durante anos e anos sem que se soubesse ou sem que quem o soubesse o denunciasse. Ou mesmo sem que, perante denúncia, alguém fosse condenado. Não espantaria que na Casa do Gaiato, viéssemos a descobrir uma teia semelhante, urdida no tempo e pelo tempo, contra as crianças e a favor dos adultos. Com sexo ou sem sexo.
Por outro lado, histórias “sofridas” como as de Joana ou Catarina fazem parte do registo não escrito de muitas vilas e terreolas por esse Portugal fora. Na maior parte das vezes as crianças são “apenas” abusadas, com maior ou menor violência, sem chegar à morte, mas chegando de certeza a deixar marcas para o resto da vida. Mais uma vez, sem que alguém tenha a coragem de denunciar ou condenar estes actos.
A diferença nos dias que correm é que finalmente começamos a ouvir falar de penas pesadas para esses casos. O facto de sucederem muitos em simultâneo ou num curto período de tempo não significa que existam mais que no passado; quer dizer apenas que finalmente se começam a descobrir e sancionar situações que antes passavam incólumes. E isso é uma medida do nosso progresso como comunidade.
A existência de situações de violência sobre as crianças, caladas mas não ignoradas, são um dos traços que resta do nosso subdesenvolvimento, traços esses de que, infelizmente, continuamos a ter notícia de muitos outros países agora menos desenvolvidos do que nós. São também, permita-se-me uma provocação política, resultado da salazarenta hipocrisia social que durante muitas décadas nos caracterizou como nação. Este é talvez um dos últimos atavismos do salazarismo (entendido não como projecto político mas como resultado social) de que definitivamente nos livramos.
Por isso, por cada Joana ou Catarina, por cada Casa Pia ou Casa do Gaiato que sejamos capazes de descobrir e judicialmente sancionar, não devemos ficar mais deprimidos, mas antes mais optimistas quanto ao nosso futuro como comunidade. É de progresso que se trata quando conseguimos limpar as nossas feridas.

A diferença entre os dois PSD

Obviamente, os membros do actual governo não são obrigados a concordar com Miguel Cadilhe e já sabemos que a regionalização não está sobre a mesa. Por isso, indagado pelos jornalistas sobre esta “opinião” do presidente da Associação Portuguesa para o Investimento (não por acaso um social-democrata e ex-ministro das finanças), um ministro da tutela diplomático (para não dizer responsável) teria evitado a questão ou quando muito respondido que era a sua opinião, com a qual não concordava, nem ele nem o actual governo. Podia até explicar porque é que não concordava e achava a regionalização um erro. Mas escusava de ofender, como fez José Luis Arnaut, dizendo que preferia ouvir Cadilhe falar sobre “os investimentos que, como representante da API, trouxesse para Portugal”, insinuando de uma forma soez que devia antes ir fazer o seu trabalho. Não lhe ficou nada bem.
Cadilhe, por seu lado, não comentou, e com isso fez toda a diferença!

Um economista a favor da regionalização

Há pelo menos um economista eminente que considera que, caso Portugal tivesse tido coragem para realizar a regionalização, as finanças estariam hoje mais controladas do que estão. Durante o debate do referendo sobre a regionalização a questão do crescimento das despesas com a administração pública foi justamente um dos argumentos mais repetidos, mas Miguel Cadilhe (estanho-me a concordar com ele e considero o facto bastante “democrático”) acha que, pelo contrário, fazer a regionalização é uma condição de eficiência da administração pública e, no limite, uma forma de diminuir a despesa pública e não de a aumentar. Sempre achei que não fazer uma regionalização, qualquer que fosse o modelo escolhido, foi um erro nacional do qual sofremos consequências todos os dias, nos mais diversos planos da actualidade, quase sempre sem verdadeiramente nos darmos conta disso.

quarta-feira, novembro 17, 2004

Pim Fortuyn: o maior dos holandeses

Provando que a insanidade colectiva pode atingir qualquer povo, o Público noticia que Pim Fortuyn foi eleito num programa de televisão como o “maior dos holandeses”, à frente de figuras como Guilherme de Orange, Erasmus, Van Gogh ou Rembrandt. O insólito aconteceu na estação de televisão KRO. Durante o programa Pim Fortuyn arrecadou 115 mil votos contra 111 mil de Gulherme de Orange, mas a televisão esclarece que já depois da emissão, Guilher de Orange ultrapassou o seu opositor (o que é omisso na notícia do Público) com 161 mil votos contra 130.000.
Deixa-se a votação a cargo dos holandeses-que-vêm-televisão e o resultado é este! Quando os holandeses-como-deve-ser despertaram para a situação, já chegaram demasiado tarde para inverter a votação. Fica pelo menos a vitória moral…
Mas a pergunta que verdadeiramente se impõe é: e se fosse em Portugal? Suspeito que o João Castelo Branco seria um sério candidato a rivalizar com Luis Figo. E tenho quase a certeza que mesmo que estivéssemos alerta nem uma vitória moral conseguiríamos...

Alberto João e a Europa

Para provar que até das figuras mais inesperadas podem surgir questões pertinentes, eis o que disse Alberto João Jardim sobre a União Europeia:

"Portugal encontra-se num dos impasses constitucionais mais graves da sua História. A União Europeia poderá revelar não ser a grande esperança com que contamos."

Se não fossem as constantes palhaçadas, AJJ até podia ser levado a sério falando assim.

terça-feira, novembro 16, 2004

O "endurecimento" da política de Bush

Agora é oficial: Condoleezza Rice sucede a Colin Powell como responsável pela diplomacia norte-americana. Powell era talvez o governante norte-americano que nós, europeus, conhecíamos melhor, a seguir a Bush, obviamente. E conhecíamo-lo como o mais moderado dos membros do executivo. Não sei qual o alinhamento dos restantes demissionários do governos americano ou qual a linha perfilhada por aqueles que lhes vão suceder, mas parece-me que um “saneamento” dos moderados e um reforço de posições da “linha dura” é algo que poderia ter sido previsto a partir do conhecimento do resultado das eleições.
Os acontecimentos e a política de Bush após o 11 de Setembro foram um fortíssimo elemento de divisão entre os americanos e entre estes e o resto do mundo. Bush foi fortemente atacado tanto na frente interna como na frente externa e em determinadas alturas chegou a parecer que podia de facto perder a eleição. A prova de que esta não foi uma eleição como as outras está no volume de participação dos eleitores.
Ora, o facto de Bush ter enfrentado nesta eleição factores tão adversos e ter saído vencedor, deu a essa vitória um “peso” maior que o número de votos em que se sustenta. Psicologicamente – e politicamente – Bush “arrasou” a votação e ganhou toda uma nova legitimidade para sua política. E, no quadro da “guerra surda” que todos percebemos existir no seio do governo norte-americano, a “sua” política é a da linha dura.Por isso, a substituição de Colin Powell por Condoleezza Rice é apenas o primeiro dos sinais – e certamente um dos mais “ruidosos” – de que temos pela frente uma administração Bush provavelmente ainda mais isolacionista, neo-conservadora e politicamente agressiva que a anterior. O Mundo irá certamente notar isso nos próximos meses.

Contenção no processo Casa Pia

Não descobri em concreto as recentes declarações do bastonário da Ordem dos Advogados a propósito do processo Casa Pia. Não há nada como ouvir este tipo de coisas em discurso directo para ter a certeza do que foi dito, mas o report das suas declarações indica que José Miguel Júdice pediu contenção aos intervenientes no processo como forma de garantir um julgamento justo e equitativo.
Isto revela zelo, mas não excesso dele, pela parte do bastonário. Faz bem em chamar à atenção aos intervenientes no processo Casa Pia apelando aos sentido de responsabilidade de todos eles, advogados e não só. O que já revela algum excesso de zelo é a reacção quase unânime e algo virulenta dos advogados de defesa no processo. A maneira como reagiram a um apelo algo genérico e bem intencionado do bastonário (sempre corajoso nas suas tomadas de posição) revela que enfiaram a carapuça. No passado as fugas de informação no processo Casa Pia e a tentativa de manobrar externamente e internamente ao processo prejudicaram a imagem da justiça e dos advogados. É de todo provável que isso continue a acontecer no futuro, tanto mais quanto mais nos aproximarmos da data do julgamento (que aliás, em mais uma manobra dilatória, pode voltar a ser adiado). Mas, sendo provável, não é desejável. Por isso, o bastonário fez muito bem em alertar para o facto.

Rocco Butiglione é um homem inteligente

Rocco Buttiglione é um homem inteligente. Citado no blasfémias, o ex-comissário-to-be afirma querer fundar um lobby para lutar pela liberdade dos católicos face ao totalitarismo europeu de que ele próprio se considera vítima. E afirma: “In Europe our intellectuals were always convinced that modernity brings with itself the extinction of religious faith. Now America, the most advanced country in the world, shows us that religion may be and indeed is a fundamental element of a free society and modern economy.
Podemos concordar ou discordar das suas opiniões, ou podemos mesmo chegar a rir! Mas a verdade é que são as suas opiniões e a verdade é que não foi indigitado por causa delas. Ao relançar o debate em termos de “politicamente correcto (em versão europeia) versus liberdade de opinião”, Buttiglionne pode conquistar mais concordâncias do que seria de supor à primeira vista. E isso é inteligente.

segunda-feira, novembro 15, 2004

A "questão" presidencial

A questão “PP” não foi a única que Santana teve que enfrentar no congresso e vai continuar a ter que gerir proximamente. Tão ou mais premente que essa era – e é – a questão presidencial. O “convite” ou “desafio”a Cavaco, como lhe quiserem chamar (embora a diferença não seja despicienda), é, do ponto de vista de Santana, um ramo de oliveira. Mas, do ponto de vista de Cavaco, o prazo imposto pela moção é um espinho no ramo. A bola agora está claramente do lado de Cavaco. Ou aceita o “convite” de Santana e se “porta bem” até anunciar a candidatura e nesse caso terá tanta mais benevolência do partido quanto melhor se portar até lá; ou continua orgulhosamente só e arrisca não contar com o partido na eleição presidencial. Aquele traço de imprevisibilidade que tão bem conhecemos em Santana Lopes (e que tantas vezes toca a irresponsabilidade) seria capaz disso.
Mas creio que Cavado se vai “portar bem” daqui para a frente, dando uma ajudinha ao governo aqui e ali, como a propósito das SCUT’s provou saber fazer, e mesmo, quem sabe, lançando de novo para a arena a sua “fera” Marcelo com um registo comunicativo (contraditório) mais pró-governo. Se isso acontecer, Santana põe o partido ao serviço de Cavaco e até é capaz de não fazer finca-pé com as datas: afinal, a “candidatura presidencial é uma questão pessoal”, que depende sobretudo dos timings e razões individuais dos potenciais candidatos.

Como Paulo Portas ganhou o congresso do PSD

É interessante este post no Blasfémias sobre o CDS-PP no consulado de Paulo Portas. De facto, olhando para trás, encontramos uma sucessão de líderes aos quais atribuiríamos sem hesitar mais estatura política que a Paulo Portas, mas cuja “obra política” à frente do partido não se pode comparar com a de Portas. Portas e Monteiro, o primeiro no partido o segundo na comunicação social, descobriram quase ao mesmo tempo que havia um espaço sociológico por preencher em Portugal: o da moderna direita liberal. A existência desse “espaço político desocupado” explica metade do sucesso recente do CDS-PP; a outra metade explica-a o “faro político” de Paulo Portas. Não devemos esquecer que o PP era, há não muito tempo, sobretudo durante o consulado de Monteiro, um partido sobre o qual pairava o espectro do desaparecimento. Hoje, instalado no Governo e a distribuir jobs pelos boys, o PP ganha mais força do que alguma vez teve.
E esse é o grande dilema que se coloca a um partido de maioria que não obtém maioria absoluta: governar sozinho, expondo-se a crises; ou apoiar-se no pequeno partido do lado fazendo-o crescer. O PS já teria tido há muito o mesmo problema se o PCP fosse um partido “como os outros” e pode tê-lo em breve com o BE. A consequência de o PSD ter dado ao PP um protagonismo que ele não tinha há muitos anos está no seu fortalecimento, ao ponto de se dizer que é ele, o partido pequeno, que lidera a coligação com o partido grande. Isto, obviamente, é algo difícil de engolir para os militantes do PSD, conforme ficou demonstrado no Congresso. Por isso se torna claro que, mesmo não estando fisicamente presente (porque na verdade pairou como um fantasma), Paulo Portas ganhou o congresso de Vila do Conde. E ganhou-o porque, mais uma vez, “obrigou” Santana Lopes a defender a coligação com unhas e dentes e ficou, outra vez, na posição “tu é que precisas de mim e não eu de ti”. Isso transparecia em surdina com Barroso e é ruidosamente manifesto com Santana. E porquê? Porque Santana não pode perder! Em primeiro lugar porque é um líder fraco devido às circunstâncias em que ascendeu à liderança; e em segundo lugar porque esperou demasiado tempo por este momento para arriscar perdê-lo. No congresso, Santana tinha duas alternativas: ou convencia o partido a preparar uma coligação eleitoral com o PP e ficava em posição de força não só no PSD como também na coligação; ou mobilizava o partido para apostar tudo na capacidade do PSD para ganhar sozinho e assumia uma posição de força perante o PP, arriscando terminar a coligação – e o governo – antes do prazo mas chegando às urnas numa posição clara de “ou nós, ou eles”.
Se a situação era pantanosa, agora ficou um pouco mais pantanosa, porque ficámos a saber, que, ao contrário do seu líder, o PSD não quer uma coligação com o PP, mas quer o poder a qualquer custo. Cabe a Santana Lopes decifrar o enigma. Conhecendo-se a errância de rumo tão pessoalmente característica do Primeiro Ministro, é de esperar a continuação do tortuoso caminho que temos vindo a trilhar. E, claro, quem se fica a rir é Paulo Portas.

sábado, novembro 13, 2004

A correlação entre a votação em Bush e o Q.I. médio dos americanos

Afinal, aqui está a explicação!

Não sei se tem fundamento científico, mas lá que tem lógica, tem.

Um amigo enviou-me este curioso quadro correlativo entre a votação nas eleições americanas e o Q.I médio dos habitantes de cada estado. A vermelho os Estados de Bush, a azul os de Kerry. O site onde se encontra parece que se tornou de repente extremamente popular.




Num registo mais sério (mas nem por isso menos "alinhado"), este outro sítio também demonstra que por detrás dos resultados pode haver leituras interessantes.

Quando se começarem a dissecar os resultados, o sistema eleitoral americano vai voltar a ser posto em causa pelos europeus e pelos americanos que gostariam de ser europeus e Bush vai continuar a governar. Mas, ainda assim, as análises são interessantes

The President's salute

Ladies and Gentlemen,
The President of the United States: 8

Cara lavada

Com este post assinalo um restyling do blogue. Agora sim, está no caminho certo. Legível, claro e interactivo. E vai passar a ter fotos!

"Almas Gémeas"

Surfando na internet descobri via Google dois outros blogues chamados Alma Mater. Um de um ex-estudante português na União Soviética, que é um bom início de pesquisa sobre como funcionava a educação universitária e o condicionamento ideológico na ex-URSS; e outro de uma vilacondense a criar raízes em Portel (meu adorado Alentejo...), com bonitas fotografias e ainda mais belos textos. Qualquer deles vale uma visita, mas, se me permitem, como o meu é um mês mais "velho" que o mais "velho" dos dois, mantenho o nome e a natureza, até porque o "espaço virtual" tem a grande vantagem de ser infinito.

sexta-feira, novembro 12, 2004

Clara Ferreira Alves

Esta declaração não apareceu transcrita em nenhuma das notícias publicadas sobre o depoimento de Clara Ferreira Alves na AACS. No entanto, parece-me de longe a mais importante de todas as que então gastaram uns litros de tinta. Felizmente a TSF fez “ouvir” essa declaração e pô-la online. Merece reflexão, mesmo alguns dias depois. Se calhar, sobretudo, vários dias depois.

Acho que dirigir um jornal tornou-se hoje em dia um cargo político, não por ser um cargo de nomeação política, mas porque a gestão efectiva que hoje se faz dos múltiplos contactos, cumplicidades e guerras da política, é uma gestão puramente política. E no fundo é um cargo que tem que ser exercido com uma administração muito semelhante à da política. Portanto, é uma gestão política.

Homenagem a Arafat

Arafat projectou mundialmente a imagem da causa palestiniana, mas também sofreu, no final da sua vida, e agora, no momento da sua morte, as consequências do facto de ter sido um terrorista. No passado, Arafat foi recebido em muitos países com honras de chefe de Estado e com o impacto público que é dado às grandes figuras mundiais. Agora não merece mais do que a presença de uns quantos ministros de negócios estrangeiros no seu funeral. Há uns anos atrás havia abaixo-assinados a correr no Ocidente e jovens de lenço branco e negro ao pescoço em defesa da causa palestiniana. Hoje é difícil encontrar um artigo de jornal ou um blogue que não apresente Arafat como “um lutador, mas…”. Na maior parte dos casos, é apresentado como o último obstáculo para a Paz (como se Sharon não fosse um obstáculo de igual magnitude ou como se Arafat fosse o mais radical dos palestinianos e de repente todos os outros fossem “moderados” prontos a sentarem-se à mesa com os israelitas).
Arafat foi um terrorista e tem certamente as mãos manchadas de sangue, porventura inocente. Mas isso também é verdade para os generais israelitas e para os seus dirigentes políticos. Já vi escrito e dito repetidas vezes que “o terrorismo é sempre condenável” Mas não é. Tal como a guerra é a continuação da política por outros meios, o terrorismo é a continuação da guerra por outras formas. Quando os poderes em guerra são demasiado díspares, o terrorismo pode ser o último recurso de um povo oprimido. Sempre foi assim e, felizmente é-o cada vez menos, mas sempre há-de ser assim. Por isso, dizer que “o terrorismo é sempre condenável” é o mesmo que dizer que “a guerra é sempre condenável”. É-o de facto e nisso até monsieur de La Palisse concordaria.Mas essa não é a questão. A questão é se foi ou não, legítimo, no passado, que o povo palestiniano, liderado por Arafat, tivesse lutado pela sua liberdade usando o terrorismo como arma. Se foi legítimo no passado, então deve ser legítimo no presente, sobretudo no momento em que Arafat parte deste mundo. Quando visitou Portugal, no pico da “popularidade” da causa palestiniana, Arafat foi recebido pelo Primeiro-Ministro e teve honras de Estado (ou quase; não conheço em detalhe o protocolo). Não me parece que, agora, a presença de um Ministro de Negócios Estrangeiros seja suficiente para prestar homenagem a uma personalidade com a estatura mundial de Arafat e não tenho dúvidas que o Primeiro-Ministro ou o Presidente estariam presentes caso tivesse morrido outro estadista “legítimo” da mesma estatura mundial. Como será quando Fidel morrer? Admito que estarmos representados ao mais alto nível nas exéquias de Arafat seria hoje politicamente incómodo. Mas também acho que seria politicamente corajoso.

Arafat no Público

Apresentar Arafat como “O homem que perdeu a guerra e não ganhou a paz” parece-me um desvio de alinhamento ideológico da direcção do Público, um jornal que leio justamente por pensar que é o menos alinhado – ou o mais aberto ao “contraditório” – que conheço.
Arafat é justamente uma das figuras mundiais do final de século XX e princípio de século XXI que mais inquietações ideológicas suscita. E, bem pesados todos os argumentos, a asserção até pode ser verdadeira. Creio mesmo que o é. Mas apresentar Arafat como um homem duplamente falhado é esquecer o quanto ele fez pela causa palestiniana. E nem me refiro aos combates ou aos atentados. Refiro-me apenas e só à projecção internacional e à “simpatia” que os palestinianos suscitam em muitos pontos do mundo. Se há causa terrorista que acolhe simpatias um pouco por todo o mundo, é a causa palestiniana. Se há causa terrorista que desafia o princípio de que “o terrorismo é sempre condenável”, é a causa palestiniana. E isso é obra de Arafat.
Arafat ajudou a colocar a questão palestiniana na agenda internacional, mas, sobretudo, deu à causa palestiniana um rosto simpático e passou bem a mensagem de um povo oprimido que luta pela sua libertação. Há e houve muitos movimentos terroristas no mundo, mas não me ocorre nenhum que tenha tido a “popularidade” do movimento palestiniano. Independentemente do peso político específico da questão palestiniana, essa é uma conquista de Arafat. E está longe se ser um falhanço.Por isso, acho que a figura de Arafat e o seu “efeito no mundo” é certamente mais complexo do que o maniqueísta título de primeira página do Público deixa entender.