quarta-feira, fevereiro 01, 2006

Análise do derby no quadro actual do futebol português

Agora já é possível fazer uma análise fria e racional sobre (ou suscitada por) o que se passou no sábado passado, no derby Benfica-Sporting. E porque a análise transcende o "chuta na bola vs. entrada de carrinho" habitual, justifica-se que a faça aqui.

É verdade que o resultado (e sobretudo o jogo) foi supreendente. Mas estou em crer que foi ainda mais surpreendente para os sportinguistas do que para os benfiquistas. Nos dias anteriores ao jogo criou-se um clima global de superioridade do Benfica sobre o Sporting no qual aparentemente toda a gente acreditou (incluindo os sportinguistas) e que espicaçou os jogadores do Sporting, como se viu em campo. Isso explica boa parte do jogo.

A outra parte é explicada por sobranceria do Benfica. E não me refiro tanto - embora ela tenha existido - à sobranceria dentro do campo, mas mais à sobranceria fora dele, nomeadamente no momento da nomeação do árbitro. Durante os 90 minutos houve vários lances em que um julgamento diferente teria dado ao jogo um caminho completamente diferente. Acontece que - arrisco - na altura de nomear o árbitro para este jogo tanto os dirigentes do Benfica como os responsáveis da arbitragem terão pensado que a superioridade era tanta que não havia necessidade de nomear um árbitro "amigo", evitando-se assim também eventuais polémicas, que são sempre maximizadas em jogos grandes. Por isso foi nomeado um árbitro que se pauta pelo famoso "military code" e que por isso instroduziu na equação a imprevisibilidade do falível julgamento humano. Ou seja, julgou sem premeditação, errando numas vezes e acertando noutras.

Mas nem os benfiquistas devem dar o caso como perdido nem os sportinguistas podem criar falsas esperanças. A equipa leonina não deixou de ser jovem, inexperiente (incluindo o treinador) e em parte desequilibrada e, sobretudo - convém não esquecer - vive-se um período pré-eleitoral decisivo que obviamente põe todas as outras questões "on hold". Por isso é muito provável que a irregularidade (de que este jogo afinal também faz parte) se mantenha. Os benfiquistas, por seu lado, podem esperar que a sua equipa regresse rapidamente à "normalidade" assim que o treinador, como habitualmente, ouça a voz da razão contra as suas próprias ideias.

Mas há outra razão para os benfiquistas estarem optimistas. O Benfica tem enormíssimas probabilidades de ganhar este campeonato. Já as tinha no seu início e continua a tê-las agora. O Benfica está hoje na situação em que estavam as sucessivas equipas do F.C.Porto que foram campeãs há alguns anos atrás: joga bem, tem um lote dos melhores jogadores do campeonato, em todas as posições, tem uma estrutura profissional e competente, e, em cima de tudo isso, controla o "sistema". Tal como no tempo de Pinto da Costa, este não é o único factor decisivo, mas é o único factor decisivo que não é desportivo.

Neste momento parece claro que o Benfica "roubou" o controlo do "sistema" ao F.C.Porto. É verdade que ainda há dirigentes das estruturas organizativas do futebol e de alguns clubes que são fiéis a Pinto da Costa. Afinal, são muitos almoços, muitas noitadas e muitas cumplicidades forjadas ao longo de muitos anos. Mas o que as nomeações dos árbitros, os castigos aos jogadores, as votações na liga, as contratações e empréstimos "tácticos", os almoços suspeitos e a "bofetada Moretto" vêm provar é que isso está definitivamente a mudar. Hoje quem manda no futebol português é o Benfica. E como é de Poder que se trata, já toda a gente está a mudar agulhas para o novo pólo de direcção do "sistema", que agora é o pólo sul: dos árbitros aos dirigentes da federação, dos dirigentes dos clubes "pequenos" aos juízes desportivos, até dos jogadores aos técnicos. Não é preciso que a demonstração de Poder seja explícita para que todos os agentes do futebol entendam de onde vem a força nos tempos que correm. Há dois ou três anos atrás ainda se lutava pelo ceptro do Poder no futebol português. Mas este é/foi o ano da viragem decisiva. Por isso, os adeptos benfiquistas podem estar descansados: eles terão o seu título no final da época. Que lhes faça bom proveito!

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