O que me preocupa no Código de Conduto do Expresso não é o seu conteúdo. Cada um dos parágrafos do documento suscitaria decerto por si só uma discussão, mas globalmente até concordo com eles. O que me preocupa é que um órgão de informação, qualquer que ele seja, decida implantar o seu próprio Código de Conduta. Existe um Código Deontológico do Jornalista que em princípio devia ser praticado por todos os jornalistas, incluindo os do Expresso, e que portanto obviaria à necessidade de existir um código do próprio jornal. Porque, das duas uma: ou a direcção do Expresso concorda com o actual Código Deontológico dos Jornalistas e portanto mais não tem que fazer do esperar calmamente que os seus profissionais por ele se rejam; ou o Expresso não concorda com o actual Código Deontológico dos Jornalistas e então tem que esperar que os jornalistas enquanto classe tratem de o mudar. Bem vistas as coisas, nem sequer é atribuição do jornal nem da sua direcção pronunciar-se sobre questões deontológicas. Essas questões são da responsabilidade dos jornalistas enquanto tais - e não enquanto funcionários do Expresso - e dos seus órgãos representativos.
É claro que todos sabemos que em muitos órgãos de informação - a maioria? -o Código Deontológico dos Jornalistas não é cumprido. Mas isso não dá direito a nenhum órgão de desvincular os seus jornalistas do seu cumprimento. Ao criar um Código de Conduta próprio - repito que nem discuto a bondade dos princípios que lhe estão subjacentes - o Expresso colocou os seus jornalistas perante uma dupla fidelidade. Nos casos, mesmo que sejam raros, em que um comportamento em concreto do jornalista tenha dois enquadramentos diferentes no Código de Conduta do Expresso e no Código Deontológico dos Jornalistas, qual deles o jornalista vai respeitar? Não sei se o Conselho de Redacção do Expresso foi ouvido ou participou no processo de criação deste Código, mas gostaria de conhecer a respectiva posição nesta matéria. Ou será que os jornalistas do Expresso acham que devem ser um caso à parte, colocados num pedestal acima de todos os seus colegas de profissão? Se no mundo lá fora ninguém respeita o Código, então criamos um Código só para nós!
No fundo o que parece é que criar um Código de Conduta próprio é para o Expresso afinal não mais do que um instrumento de marketing destinado a promover a sua imagem de isenção, objectividade e protecção da privacidade das pessoas que são objecto de notícia. E se cada órgão tiver o seu próprio código de conduta, na verdade não haverá um único código que seja válido. Se hoje cada órgão de informação tivesse um código diferente eu juro que não saberia - porque não conheço suficientemente bem estes órgãos - quais os princípios por que se regem os jornalistas do Euronotícias, da NTV ou da Rádio Renascença. E então não saberia como receber as notícias por eles veiculadas.
É evidente que o Código Deontológico dos Jornalistas não é respeitado em muito do que se publica ou se transmite hoje. É evidente que há grosseiras confusões entre notícia e entretenimento e entre informação de interesse público e busca de audiências. Mas este é um problema internacional e da sociedade moderna no seu todo, que está longe de poder ser resolvido por uma posição de um ou mesmo múltiplas posições de muitos órgãos de informação. Muito pelo contrário. Nesta matéria qualquer posição individual só serve para atomizar uma batalha que verdadeiramente só tem possibilidades - mesmo assim remotas - de ser vencida num esforço colectivo.
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