Folheei hoje com alguma curiosidade adicional o DN à procura de uma reacção à polémica das escutas telefónicas a Ferro Rodrigues, mas nada. Estive quase para comentar o facto no Sábado (foi sábado?), quando o Público fazia notícia de o secretário geral ter continuado a ser escutado depois da detenção de Paulo Pedroso (e de essas escutas terem servido para prolongar essa detenção). Não pela notícia, como é óbvio, mas pelo facto ter chamada à primeira página e ser quase toda construída no condicional: “terá sido”, “pode ter sido”, etc.
Depois, na terça-feira, segundo julgo, o DN e o JN (estratégia de grupo ?) noticiavam que Ferro nunca mais tinha sido escutado desde a detenção dos seu camarada. Na altura achei estranha a notícia – que valor tem como notícia senão o de desmentir um concorrente? – mas mais ainda a contradição entre dois jornais que se pretendem sérios e respeitáveis. Afinal, bem vistas as coisas, um deles estava a mentir. Acredito que por defeito de informação, mas ainda assim a mentir.
Mas não tive tempo para abordar o assunto e adiei o comentário para o dia seguinte. Claro que na quarta-feira fiquei tão espantado como deve ter ficado o director do DN perante o detalhe da confirmação da notícia do Público. Números de escuta, número de alvo, tudo muito detalhado, mas ainda assim com boa parte da notícia no condicional. Se repararem aparecem várias vezes as malfadadas expressões “terá sido”. Estive quase a opinar sobre o assunto mas acabei por adiar mais um dia, agora sim, especificamente à espera da reacção do DN. E eis que folheando o jornal de um ponta à outra não encontro nada. Quando li o título do editorial – “À procura da verdade” – ainda pensei que fosse sobre o assunto. Mas não! Ao director Bettencourt Resendes pareceu mais acertado falar sobre o caso David Kelly/BBC do que sobre o caso Público/DN. Defraudou os leitores atentos e preocupados com estas questões.
Cheira-me que esta história ainda vai dar que falar, mas mesmo assim arrisco um comentário. Claro que o Público deu 10 a 0 nesta matéria. A notícia era extensamente documentada e o Procurador da República já veio conformar toda a mecânica das escutas que o Público relatou sem contudo confirmar se sim ou não tinha havido escutas. Parece portanto que o Público estava certo e o DN redonda e inapelavelmente errado naquilo que chamou à primeira página na terça-feira num indisfarçável afã de deixar mal o seu competir jornalístico. Shame on you!!!
Mas o Público também esteve mal na forma como construiu as suas notícias, com muito discurso no condicional, daqueles que deixam dúvidas no leitor. "Terá sido"? Mas isso significa o quê? Que foi ou que não foi. O jornalismo deve ser factual e não convencional. Claro que percebo que, a respeitar integralmente essa regra, o jornalismo ficaria mais pobre e muitas das notícias importantes não chegaria à estampa. Por isso acho admissível fazer notícias no condicional quando estamos perante a conjugação de um tema de grande importância com informações não cabalmente confirmáveis. Mas não me parece que algo deste género deva ser chamado à primeira página. Porque se o fizermos estamos a utilizar um engodo. Estamos a seduzir leitores com algo de que não temos a certeza. Pode-se argumentar que se uma coisa é boa para estar lá dentro também é boa para estar na primeira página. É um bom argumento. Mas o pudor dos responsáveis do jornal, enquanto jornalistas, é que deve levá-los a não o fazer, primeiro que tudo porque as vendas em banca não devem sequer ser neste caso um critério a considerar. Claro que na realidade não é assim que funciona. Mas devia ser.
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