"É uma decisão natural sem dramatismos. Até ao congresso continuarei a desempenhar cabalmente as minhas funções tal como o tenho feito há mais um ano, isto é desde de que dei conhecimento aos órgãos executivos do partido". Carlos Carvalhas, no Público.
Será que li bem? Dando como boas as declarações (não conheço razão para o não fazer), há mais de um ano que os órgãos executivos do partido sabiam da decisão. E não se soube nada? Nem uma fugazinha para um jornal? Nem um "disse à esposa, que disse à amiga, que disse ao primo, que disse ao jornal"? Haverá outro partido português - ou de qualquer democracia ocidental - no qual uma informação com o peso desta permanecesse em segredo? Este é um bom exemplo daquilo que distingue o PCP dos restantes partidos portugueses e provavelmente de todo o mundo democrático. E é, independentemente de tudo o resto, admirável em si mesmo.
O PCP foi forjado na clandestinidade e o segredo tem por lá certamente um valor diferente do que tem nos outros partidos. O centralismo democrático também moldou ao longo do anos os comportamentos admissíveis nos membros do partido tornando-os mais "cúmplices" uns dos outros.
Mas essas são apenas duas partes da explicação deste fenómeno. A terceira resulta do facto de o PCP ser um partido "do antigamente": cheio de velhos, de velhos métodos e de velhas ideias. E uma dessas ideias é a de que a política faz-se em nome de valores pelos quais temos o dever de lutar independentemente dos nossos interesses. É isso também que forja a cumplicidade entre os membros de um partido, uma cumplicidade capaz de manter um segredo como este inviolável durante tanto tempo.
Nos partidos "modernos" das democracias liberais, o móbil para a acção política é mais vezes os interesses (invididuais ou colectivos, é irrelevante) do que as verdadeiras convicções políticas ligadas à crença em determinado valores pelos quais a sociedade se deve reger. Num partido liberal - dou o PP como exemplo - uma informação como aquela não permaneceria em segredo mais do que uma semana.
É também por isso que a extinção do PCP ou a sua conversão à democracia liberal (não me parece que vá acontecer agora, mas está agora naturalmente a ser discutida) representará o fim de uma era, não só em termos nacionais, mas também, de certo modo, em termos internacionais. Este é o último dos "velhos" partidos comunistas. É por isso o representante de outros tempos e de outra forma de fazer política. Resta saber se nesta "nova era", a forma de fazer política é mais capaz de nos satisfazer enquanto sociedade. A mim basta-me olhar o mundo em volta para ficar com sérias dúvidas. E essa é a melhor homenagem que posso fazer ao PCP.
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