Antecipo em um dia o período de reflexão, para dar conta da perplexidade com que encaro estas eleições e que não duvido seja partilhada por uma grande parte dos portugueses. Volto e revolto e só me ocorrem razões para não votar PS, para não votar PSD, para não votar BE, para não votar PCP, para não votar PP, para não votar em branco e para não me abster.
A primeira é a mais fácil. Não votar está para a cidadania como não dar de comer ao filho está para a paternidade. É absolutamente impensável e se não fosse um atentado à liberdade devia ser proibido.
Votar em Santana é contrário às regras do bom senso para todas as pessoas cujo o senso não esteja toldado pela clubite partidária. Como eu não sofro de nenhuma clubite que não seja desportiva, e "este" PSD está longe da social-democracia que eu admiro, votar no PSD está fora de causa.
O Partido Popular é politicamente admirável. Fez de longe a melhor comunicação de campanha, definiu muito bem o seu posicionamento político, tem um líder inteligente e carismático e juntou uma equipa de grande nível. Mas é um partido de direita. E isso significa tudo para quem é estruturalmente de esquerda. Por cada ideia do PP com a qual concordo deve haver cinco das quais discordo.
Surpreendentemente, Jerónimo de Sousa foi o melhor do PCP nesta campanha. O partido definha e não é Jerónimo que o vai salvar (os comícios do PCP parecem-se cada vez mais com um jogo de loto num lar de terceira idade), mas sempre que interveio e "teve voz", afirmou-se pela positiva, com sobriedade e elevação, com capacidade de exprimir ideias simples e verdadeiras. O problema é o essencial do qual ele é o actual acessório. O PCP já passou provavelmente o ponto de não retorno e o resultado do BE nesta eleição pode torná-lo definitivamente claro. Por isso, só vota no PCP quem... vota sempre no PCP, por "idade" ou, na falta de "idade", por "diferença". À medida que uns vão morrendo e os outros vão descobrindo o BE, o partido vai definhando, apesar de Jerónimo de Sousa.
O Bloco de Esquerda vai ser um dos vencedores da noite eleitoral, o que só surpreende quem não tem estado atento à política portuguesa nos últimos anos. O seu crescimento tem sido consistente, mas dia 20 vai dar o seu passo decisivo. Começou por ser Louçã e uns amigos, mas hoje já é bem mais do que isso (vidé Barnabé). O BE cresceu à custa do imobilismo comunista e do carisma do seu lider, mas hoje está num ponto de viragem: o que tiver que fazer com os votos que uns quantos milhares de portugueses lhes vão dar, vai determinar o seu futuro. Se os votos do BE não forem necessários para construir uma maioria de Governo, o bloco vai continuar na sua alegre, permanente e irresponsável campanha pelas bandeiras da esquerda. Se os seus votos forem necessários para fazer uma maioria, então sim, aí iremos ver de que é feito o bloco. Serão os bloquistas capazes de aceitar viabilizar uma política claramente à sua direita em troca de duas ou três bandeiras? Mais ainda, será a unidade do bloco capaz de resistir à primeira dessas coisas e à escolha das bandeiras? Acho difícil. Por isso me parece que, se for necessário para tal, o bloco pode ser para o PS um sério indutor de instabilidade governativa. Para além de perder o fascínio de anti-regime que faz parte da sua genética (e se perder isso perde uma boa parte dos votos na eleição seguinte). Tudo isto com uma agravante: as bandeiras do BE são todas bastante bonitas, mas inteiramente e seguramente incompatíveis com o equilibio das contas públicas. E, não nos tiverem estado a enganar este tempo todo, isso é "só" o mais importante nesta eleição.
Será que o Partido Socialista aprendeu com os seus próprios erros? Penso que esta vai ser a pergunta que mais vezes os eleitores vão colocar a si próprios. O PS é o único partido do espectro partidário com capacidade e possibilidade de formar um governo "a sério" e de tomar as decisões necessárias ao país, mesmo que seja governando mais à direita do que gostaria. Mas não me parece que esteja na disposição de o fazer. Foi procupante ver Sócrates prometer uma benesse diferente para cada região por onde passava o seu périplo pelo país, juntando-lhe nos debates um conjunto de ideias vagas, mas caras. Caras demais para serem compatíveis com o equilíbrio das contas públicas. Com os socialistas de volta ao poder, vai de certeza voltar o clientelismo (com os guterristas sem guterres à cabeça de uma longa fila de boys for the jobs) e, se de fora não os puserem na ordem, vai provavelmente voltar o despesismo. A única esperança do pobre povo português é que a Europa tenha mão nestes governantes e os "obrige" a governar decentemente. E isso é mais do que possível e menos do que provável, está algures entre o possível e o provável. Seja como for, um voto no PS é deste ponto de vista um mal menor: está longe de garantir um bom governo e (com Sócrates ou sem Sócrates) dificilmente teria qualquer hipótese com um PSD entregue a alguém decente, mas pode gerar um "governo" para o país e, desse ponto de vista, é um voto diferente de qualquer outro.
Com a direita moderada enredada no seu santanismo e a esquerda incapaz de refrear os seus impulsos despesistas, o voto em branco pode vir a ser um dos grandes "vencedores" desta eleição. Já toda a gente percebeu que o PS não tem mais para dar do que aquilo que nos deu Guterres e que a "associação" ao BE apenas pode servir para tornar o governo ainda mais despesista. Acresce que nenhum dos líderes dos dois principais partidos tem realmente estatura para liderar o país. Este é o lado conjuntural. Do ponto de vista estrutural é sabido que o fosso entre eleitos e eleitores, entre a classe política e a população é cada vez maior, tornando os cidadãos descrentes na política e nos políticos. Talvez este seja o momento de mostrar com votos brancos um cartão amarelo a toda a classe política sem excepção. Esse sim, seria um voto útil, se não fosse o carácter profundamente demissionário do voto branco. O voto em branco é uma espécie de abstenção activa. Realmente não serve para nada de positivo. Não afirma nenhuma solução para o país, não dá nenhum rumo ao nosso futuro colectivo. E a verdade é que com mais ou menos votos brancos, da próxima eleição vai sair um governo.
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