terça-feira, fevereiro 15, 2005

Resposta ao directo de direita

Vamos lá então abordar o incómodo dossier "Directo de Direita".

Depois da toda a polémica suscitada pelo artigo do Independente sobre o licenciamento do Freeport de Alcochete e as suspeitas da sua relação com o financiamento do Partido Socialista, convém recordar, em primeiro lugar, que também o Público fez eco da mesma notícia do mesmo dia, o que por si só desmonta a tese da "campanha" do Independente. Se houve "campanha" ela foi "a montante" do Independente. É verdade que o Público não deu à notícia o destaque que o Independente lhe deu, mas é precisamente por isso que o Público é o Público e o Independente é o Independente. Não há nada de estranho em um dar a notícia no corpo do jornal sem chamada de capa e sem acicatar polémica e o outro dar toda a primeira página ao assunto com laivos de escândalo. Isso tem a ver com a natureza de um e de outro e é por isso que eu sou regularmente leitor de um e apenas esporadicamente leitor do outro. Ou seja, agrada-me que ambos existam.

No artigo do Independente afirma-se:
"Um documento da PJ a que tivemos acesso explica: 'As diligências efectuadas (no inquérito) permitiram apurar a existência de fortes indícios de que a alteração da Zona de Protecção Especial do Estuário do Tejo (ZPE), pelo então ministro do ambiente, teve como contrapartida o financiamento de campanhas eleitorais'".

No dia seguinte e nas ondas de choque desta notícia, um comunicado da PJ afirmou:
"Dos elementos que foram carreados para o processo não ressaltam, por ora, indícios que apontem como arguido qualquer líder partidário".

Quase em simultâneo a PGR também veio esclarecer o seguinte:
"Tanto quanto os elementos indiciários reunidos até ao momento permitem avaliar, não existe nenhuma suspeita de cometimento por parte do Engº José Sócrates de qualquer ilícito criminal relacionado com o aludido processo de licenciamento."

Ora, chegados ao cerne da questão, parece existir uma contradição evidente entre estes dois comunicados e a citação directa de um documento feita pelo artigo do Independente.

Primeiro cenário
Se o referido documento não existe e o jornalista ou o jornal se limitaram a inventá-lo, então devia haver uma forma de os processar criminalmente por aquilo que não é mais do que uma fraude. E, nesse caso, a fraude pode ter objectivos comerciais ou políticos: se forem políticos, então têm razão todos aqueles que disseram e escreveram que estávamos perante uma "campanha".

Segundo cenário
Se o documento, sendo falso, existe e foi fornecido ao Independente, então o jornal esteve mal porque não verificou esta "fonte" e devia tê-lo feito. Prestou portanto um mau serviço jornalístico e é bom que os leitores de jornais o saibam. Mas não foi agente de nenhuma "campanha". Terá sido quando muito o seu veículo.
Outro lado da mesma questão: se alguém forneceu um documento falso ao jornal na expectativa que ele desse o resultado que efectivamente deu (transformando-se em notícia), então é esse alguém é de facto o agente de uma "campanha" com fins políticos. Não é o jornal.
E, ludibriado e manietado por esta fonte, o jornal não se deve sentir obrigado a preservar o seu anonimato. A protecção das fontes não é uma obrigação, é um direito. E, como tal, deve ser exercido quando é necessário, não deve ser exercido quando não é necessário e, manifestamente, deve não ser exercido quando o seu exercício é prejudicial ao apuramento da verdade (do caso e das manobras à sua volta). Não sei se esta opinião é concordante com o Código Deontológico ou com a Lei, mas parece-me do mais elementar bom-senso. Obviamente, devia haver (o que não quer dizer que haja), também neste cenário, uma forma de sancionar o comportamento desonesto dos agentes de uma tal "campanha".

Terceiro cenário
Se o documento existir de facto e não for falso, isso significa que uma entidade policial (ou dois serviços dessa mesma entidade) emitiu dois paraceres contrários sobre a mesma matéria. Isso está longe de ser impossível ou mesmo raro. Basta pensarmos nas ligações porosas que tantas vezes se estabelecem entre agentes da polícia, aos mais diversos níveis da hierarquia, e jornalistas (e mesmo tendo em atenção que, aqui, estamos a falar de um "documento"). Neste caso, compete ao jornal obviamente preservar o anonimato da sua fonte, mas impende sobre ele o dever de confirmar a história (e eventualmente aprofundá-la).


Ou seja:

Perante uma tão óbvia contradição entre versões de uma mesma história, estamos todos certamente expectantes sobre o que a próxima edição do Independente terá para "dizer" sobre esta matéria. Até porque, estivesse ela antes já mais afectada ou menos afectada, é a credibilidade do jornal que está em causa. E ignorar a questão seria o pior que a respectiva direcção poderia fazer.
Qualquer dos cenários é possível e se escolhermos um estamos certamente a especular no vazio, mas, pela, parte que me toca, aposto (para usar um termo em voga) no segundo cenário mas não acredito que o jornal divulge a respectiva fonte.

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