quarta-feira, junho 22, 2005

Os incautos jornalistas

Segundo o Sindicado dos Jogadores Profissionais de Futebol, 80% dos clubes da Superliga e Segunda Liga e 90% dos clubes da 2ª B e 3ª divisão têm ou tiveram salários em atraso durante a última época. A "notícia" começou na TSF e rapidamente chegou à SIC. E compreende-se, uma vez que tem todos os condimentos para seguir esse percurso.

Acontece que, olhando para a construção da notícia, não encontramos qualquer fundamentação séria dos números apresentados nem qualquer explicação de como a eles se chegou, com excepção do facto de serem veiculados pelo Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol. Uma visita ao site do sindicato não revela qualquer estudo, comunicado ou informação nesse sentido (a notícia mais recente data de Novembro de 2004 e a classificação da Superliga mostrada ainda tem o F.C.Porto como campeão...).

Aliás, já em 2003 o sindicato fazia a mesma denúncia e curiosamente o número era o mesmo: 80 por cento dos clubes têm salários em atraso. Resta-nos portanto a consolação de a situação não ter piorado entretanto...

Por outro lado, todos sabemos o que acontece quando uma equipa de futebol tem salários em atraso, isso primeiro nota-se no campo e depois sabe-se nos jornais. E isso não aconteceu este ano em 90 por cento das equipas da superliga. Simplesmente não é credível.

Ou seja, se os próximos desenvolvimentos não me desmentirem, estou convicto de que os números que sustentam a notícia não têm qualquer fundamento; que a informação do sindicato, à qual eles dão uma cobertura de aparente credibilidade é meramenete especulativa; e que os meios de comunicação que à volta deles construiram uma notícia não verificaram devidamene as informações. O resultado é uma "notícia" que naturalmente serve os propósitos da entidade que a veicula, o que, por si só, devia levar qualquer jornalista competente a verificar ou confirmar independentente os números. Seja porque a notícia era, assim mesmo, demasiado "apetitosa" para um noticiário televisivo, seja porque não havia tempo para a confirmar, suspeito que essa verificação não tenha sido feita. Do que tenho a certeza, isso sim, é de que amanhã ninguém se irá lembrar disto e essa informação terá passado como se nada fosse.

Não me interessa nada defender os clubes de futebol e não tenho dúvidas que alguns deles não cumprem as suas obrigações para com os jogadores e muitos deles não as cumprem... bem, com ninguém. E até concordo com o Sindicato quando reclama que um clube de futebol que deixa as suas finanças chegar aos salários am atraso devia descer de divisão. Seria da mais elementar justiça e seria uma medida de higiene social, uma vez que aquilo que os clubes fazem é tirar proveito da ligação emocional (irracional, portanto) de uma massa humana para fazerem o que querem sem a mais pequena ameaça de punição (os exemplos são abundantes e de todo o tipo).

O que me interessa face a nesta notícia não é fazer a defesa dos clubes de futebol. É antes fazer a defesa do bom jornalismo. Porque se perbece desta "mecânica" que é assim que se faz a criação de factos mediáticos aos serviço de determinados fins (bons ou maus, justo ou injustos, isso é irrelevante para este fim). E o jornalismo e os jornalistas que neste processo embarcam estão no fundo a ser os incautos desta história. Os prejudicados, esses são todos os cidadãos.



PS. Adenda matemática às observações anteriores: 80% de 36 equipas (18+18) é 28,8 equipas. Como uma equipa não se pode dividir ao meio, das duas: ou são 28 equipas (80,5%) ou são 27 (75%). Os números não enganam...

Sem comentários: