quinta-feira, junho 30, 2005

Uma novela com final infeliz

Esta história (citada pelo Comunicar a Direito) merece ser contada em detalhe:

1. Ferreira Fernandes assina no Record uma crónica, irónica, como sempre, sobre a viagem de Luis Filipe Vieira a Cabo Verde:
"LFV telefona à mulher: “Cabo Verde deu-me a volta à cabeça!” Um homem parte para umas ilhas tropicais, deixa a mulher em casa e telefona-lhe: “Não posso abandonar esta gente!” Que pensa a mulher? Que ele a vai deixar, que o maganão até já tem uma caterva de bastardos, que há que contratar advogados...Mas LFV explica-se. Que vai continuar a ser presidente do Benfica porque a euforia popular dos cabo-verdianos o convenceu do destino. E que pensa a mulher, ela, que até queria que ele largasse os futebóis? Suspira de alívio. LFV é um ganda psicólogo."

2. LFV escreve uma longa carta ao jornal, misturando queixas pessoais (relativas à sua pessoa e à mulher), insitucionais (relativas ao Benfica) e até internacionais (relativas ao prestígio de Cabo Verde). Destaco as seguintes passagens:
"Venho pela presente expressar de forma sucinta os meus sentimentos quanto a uma coluna publicada na edição da passada segunda-feira no V/ jornal(...). Julgo, também, expressar os sentimentos de uma larguíssima maioria de Sócios e Simpatizantes do Sport Lisboa e Benfica(...).
Cheguei esta madrugada de Cabo Verde onde estive durante três dias a convite de entidades oficiais (...). Merecem-me, pois, povo de Cabo Verde e seus dirigentes a maior das considerações. (...) tenho perfeita consciência que o acolhimento que tive não foi dado ao Luís Filipe Vieira. Foi dado ao Presidente do Benfica (...). Não é, pois, de ofensas pessoais a razão da minha mágoa. Não o é porque (...) só me ofende quem eu quero. (...) A razão da minha mágoa (...) é o insulto feito ao povo de Cabo Verde na referida coluna. Diz-se, a determinada altura (...) que "? que o maganão até já tem uma caterva de bastardos?", numa alusão a um possível pensamento que teria ocorrido a minha mulher quando lhe telefonei daquelas Ilhas a comunicar que o meu sentimento de Benfiquista é cada vez mais profundo e que a minha gratidão pelos momentos de felicidade que o Benfica me está a permitir viver é infinda. Não é, volto a dizer, o gracejo com a minha mulher – injustificadamente – metida ao barulho que me ofende. (...) Não posso, contudo, aceitar que uma "embaixada" de Portugal seja recebida pelo Povo e autoridades de Cabo Verde como foi a pequena delegação do Benfica que liderei e que um qualquer cronista com pose de engraçadinho ofenda aquelas gentes (...). Dizer que fui a Cabo Verde e que lá tenho uma caterva de bastardos é ofender a dignidade das mulheres cabo-verdianas e todo o Povo daquele país. (...) só me faz pensar que alguns portugueses ainda não ultrapassaram tentações coloniais a roçar o racismo mais primário."

3. Ferreira Fernandes, contrariado, responde a LFV:
"(...) Na crónica "Passe Curto" que assino diariamente no Record (...) pretendo escrever com ironia. Mas, admito, esta corre sempre o risco de não ser entendida. Se eu tenho de explicar o meu "Passe Curto" de segunda-feira passada, e parece que tenho, eu explico: admiro como Luís Filipe Vieira descalçou a bota de ter ameaçado deixar a presidência do Benfica se não tiver os 300 mil sócios, aproveitando a emocionante recepção que teve em Cabo Verde. A sério que admiro, é de mestre, inclusivamente ao dar o toque pessoal invocando o telefonema que fez à sua mulher. É a explicação que tenho para dar.(...)"

4. O director do jornal, Alexandre Pais, pede desculpa a Luis Filipe Vieira:
"O ilustre presidente do Benfica leu na diagonal uma crónica de Ferreira Fernandes e não captou o tom irónico que é próprio dos textos do nosso colaborador. (...)Mas as "ofensas pessoais" a que se reporta o líder encarnado são dores que o director de Record deve tomar para si. (...) gostaria que não ficassem dúvidas de que a direcção de Record, assegurando sempre a liberdade de expressão a todos os seus jornalistas e colaboradores, jamais toleraria, viesse de quem viesse, uma atitude dessas. (...) é o ofendido – real ou supostamente, com intenção ou sem ela – e apenas ele, quem sabe se se sente ou não magoado. Luís Filipe Vieira acha que sim, pelo que mais não me cabe, em nome do jornal que me orgulho de dirigir, do que lhe apresentar o pedido de desculpas."

5. Ferreira Fernandes, obviamente, demite-se. O que é um final infeliz para quem gosta de ler bons textos.

MORAL DA HISTÓRIA: Podemos esperar do Record ou dos seus jornalistas que publiquem o que quer que seja sem atender ao que o presidente de um clube vai achar disso? Alguém de bom senso pode continuar a comprar aquele jornal para ler "notícias"? Se é para entreter, para quê trabalharem lá jornalistas?

Sem comentários: