quinta-feira, junho 30, 2005

Uma novela com final infeliz

Esta história (citada pelo Comunicar a Direito) merece ser contada em detalhe:

1. Ferreira Fernandes assina no Record uma crónica, irónica, como sempre, sobre a viagem de Luis Filipe Vieira a Cabo Verde:
"LFV telefona à mulher: “Cabo Verde deu-me a volta à cabeça!” Um homem parte para umas ilhas tropicais, deixa a mulher em casa e telefona-lhe: “Não posso abandonar esta gente!” Que pensa a mulher? Que ele a vai deixar, que o maganão até já tem uma caterva de bastardos, que há que contratar advogados...Mas LFV explica-se. Que vai continuar a ser presidente do Benfica porque a euforia popular dos cabo-verdianos o convenceu do destino. E que pensa a mulher, ela, que até queria que ele largasse os futebóis? Suspira de alívio. LFV é um ganda psicólogo."

2. LFV escreve uma longa carta ao jornal, misturando queixas pessoais (relativas à sua pessoa e à mulher), insitucionais (relativas ao Benfica) e até internacionais (relativas ao prestígio de Cabo Verde). Destaco as seguintes passagens:
"Venho pela presente expressar de forma sucinta os meus sentimentos quanto a uma coluna publicada na edição da passada segunda-feira no V/ jornal(...). Julgo, também, expressar os sentimentos de uma larguíssima maioria de Sócios e Simpatizantes do Sport Lisboa e Benfica(...).
Cheguei esta madrugada de Cabo Verde onde estive durante três dias a convite de entidades oficiais (...). Merecem-me, pois, povo de Cabo Verde e seus dirigentes a maior das considerações. (...) tenho perfeita consciência que o acolhimento que tive não foi dado ao Luís Filipe Vieira. Foi dado ao Presidente do Benfica (...). Não é, pois, de ofensas pessoais a razão da minha mágoa. Não o é porque (...) só me ofende quem eu quero. (...) A razão da minha mágoa (...) é o insulto feito ao povo de Cabo Verde na referida coluna. Diz-se, a determinada altura (...) que "? que o maganão até já tem uma caterva de bastardos?", numa alusão a um possível pensamento que teria ocorrido a minha mulher quando lhe telefonei daquelas Ilhas a comunicar que o meu sentimento de Benfiquista é cada vez mais profundo e que a minha gratidão pelos momentos de felicidade que o Benfica me está a permitir viver é infinda. Não é, volto a dizer, o gracejo com a minha mulher – injustificadamente – metida ao barulho que me ofende. (...) Não posso, contudo, aceitar que uma "embaixada" de Portugal seja recebida pelo Povo e autoridades de Cabo Verde como foi a pequena delegação do Benfica que liderei e que um qualquer cronista com pose de engraçadinho ofenda aquelas gentes (...). Dizer que fui a Cabo Verde e que lá tenho uma caterva de bastardos é ofender a dignidade das mulheres cabo-verdianas e todo o Povo daquele país. (...) só me faz pensar que alguns portugueses ainda não ultrapassaram tentações coloniais a roçar o racismo mais primário."

3. Ferreira Fernandes, contrariado, responde a LFV:
"(...) Na crónica "Passe Curto" que assino diariamente no Record (...) pretendo escrever com ironia. Mas, admito, esta corre sempre o risco de não ser entendida. Se eu tenho de explicar o meu "Passe Curto" de segunda-feira passada, e parece que tenho, eu explico: admiro como Luís Filipe Vieira descalçou a bota de ter ameaçado deixar a presidência do Benfica se não tiver os 300 mil sócios, aproveitando a emocionante recepção que teve em Cabo Verde. A sério que admiro, é de mestre, inclusivamente ao dar o toque pessoal invocando o telefonema que fez à sua mulher. É a explicação que tenho para dar.(...)"

4. O director do jornal, Alexandre Pais, pede desculpa a Luis Filipe Vieira:
"O ilustre presidente do Benfica leu na diagonal uma crónica de Ferreira Fernandes e não captou o tom irónico que é próprio dos textos do nosso colaborador. (...)Mas as "ofensas pessoais" a que se reporta o líder encarnado são dores que o director de Record deve tomar para si. (...) gostaria que não ficassem dúvidas de que a direcção de Record, assegurando sempre a liberdade de expressão a todos os seus jornalistas e colaboradores, jamais toleraria, viesse de quem viesse, uma atitude dessas. (...) é o ofendido – real ou supostamente, com intenção ou sem ela – e apenas ele, quem sabe se se sente ou não magoado. Luís Filipe Vieira acha que sim, pelo que mais não me cabe, em nome do jornal que me orgulho de dirigir, do que lhe apresentar o pedido de desculpas."

5. Ferreira Fernandes, obviamente, demite-se. O que é um final infeliz para quem gosta de ler bons textos.

MORAL DA HISTÓRIA: Podemos esperar do Record ou dos seus jornalistas que publiquem o que quer que seja sem atender ao que o presidente de um clube vai achar disso? Alguém de bom senso pode continuar a comprar aquele jornal para ler "notícias"? Se é para entreter, para quê trabalharem lá jornalistas?

Apoiado!

"As pessoas têm de ser exigentes. A cultura da irresponsabilidade tem de acabar porque só há cuidado quando há responsabilidade. A sociedade é o grande motor da mudança."
José Pires, membro da direcção do Observatório de Segurança das Estradas e Cidades, a propósito da queixa apresentada na PGR na sequência do estudo que detectou no IP4 e no Eixo Norte-Sul curvas perigosas (e mortais) que não respeitam a lei nesta matéria.

Estranho...

Porque será que eu não acho estranho que Isaltino ache uma "estranha coincidência" ter sido constituído arguido em plena pré-campanha eleitoral?

Ética e política

A polémica que se gerou no Reino Unido a propósito da criação de um Bilhete de Identidade nacional serve de exemplo para relativizar a discussão das matérias políticas. Todas as matérias políticas. Para um britânico dificilmente existirá uma matéria mais eminentemente política do que esta, pelas questões que levanta em termos de liberdades cívicas. Aliás, se os britânicos fossem portugueses decerto já estariam a pedir um referendo sobre a matéria. No entanto, para os portugueses, semelhante discussão parece no mínimo esotérica e no máximo inócua. Qualquer um de nós concorda que há matérias mais importantes para debater e questões mais substancias para separar politicamente as pessoas.
Ou seja: em qualquer comunidade social politicamente organizada (e não as há não politicamente organizadas) as matérias de debate político, ao contrário da moral, são relativas. A moral não tem quaquer relativismo; move-se no âmbito da filosofia e portanto é semelhante em qualquer homem que possua um intelecto. Mas, embora seja uma das fontes da nossa organização política (uma das principais), a moral não pode ser confundida com ela. A forma como nos organizamos politicamente é alimentada pelos valores éticos que partilhamos e tende para um estado de respeito absoluto pelos mesmos. Mas, por mais que concordemos nos valores éticos, iremos sempre discordar na forma de os manifestar politicamente (na forma como fazemos as nossas instituições políticas respeitá-los e na forma como pomos a nossa acção colectiva ao seu serviço).
Os valores éticos de um britânico não são diferentes dos de um português (pelo menos se ambos os definirem segundo a "moral vazia" de Kant). Mas a forma de os materializar politicamente em leis é bastante diversa. Concretizando: ambos partilham a o valor ético de que o Estado não deve subjugar o indivíduo. Mas para um português a existência de um cartão de identidade não ameaça isso e para um britânico sim. É por isso que a questão não se coloca em Portugal e é profundamente polémica no Reino Unido.
Claro que esta distinção entre valores éticos e organização política se pode aplicar a praticamente todas as linhas de discussão no seio de uma comunidade organizada, justamente porque a ética está sempre a enformar a política e a política está sempre a tender para a ética. Um exemplo: a questão do aborto. Qualquer espírito racional adopta como valor ético o respeito pela vida humana. Mas a forma de pôr em lei esse valor no caso de uma mulher grávida depende do nosso entendimento do que é "vida humana" e isso é politicamente determinado. Ou seja, são os princípios políticos pelos quais cada um de nós se norteia que determinam a nossa posição nesta matéria. Daí a polémica (que curiosamente quase não existe no Reino Unido) e daí o referendo.

quarta-feira, junho 29, 2005

Xerxes na Jukebox

Inauguro a Jokebox deste blogue com Xerxes, o "nome artístico" de um produtor norueguês chamado Klaus Lunde cuja música merece ser divulgada. Está em fundo para que se possa apreciar. Quem quiser saber (um pouco) mais sobre o artista deve ir aqui e aqui. Quem quiser fazer o download da sua música pode dirigir-se aqui. Quem souber mais do que aqui está faça favor de me dizer que eu também gostava de saber. Nesta Jukebox vão tocar alternadamente novos sons pouco divulgados (ou de todo não editados, como é o caso) e sons de referência da minha biblioteca musical. Cumprindo uma missão de serviço público, começamos com os primeiros.

Eu vou!


Thievery Corporation no Cool Jazz Fest, na Casa da Pesca, Oeiras, no próximo dia 13 de Julho.

A Terra vista do céu


A Terra vista do céu deixou de ser um privilégio dos astronautas e dos técnicos da NASA. A versão beta do Google Earth pode ser descarregada gratuitamente aqui para nos permitir "viajar" sem levantar os pés do chão. Mais uma bela surpresa da Google.

terça-feira, junho 28, 2005

Blair: mais liderança política para a Europa

(via Comsenso)
O discurso de Blair ao parlamento europeu deve ser lido com atenção. Embora ainda demasiado "preso" às questões económicas, aquele que é talvez o mais "político" dos actuais lideres europeus intui que o futuro, a existir, passa pela política, não pela economia. Destaco as seguintes passagens:

"In every crisis there is an opportunity. There is one here for Europe now, if we have the courage to take it.

The issue is not between a "free market" Europe and a social Europe, between those who want to retreat to a common market and those who believe in Europe as a political project.

I am a passionate pro-European. I always have been.

I believe in Europe as a political project. I believe in Europe with a strong and caring social dimension. I would never accept a Europe that was simply an economic market.

If so, it is not a crisis of political institutions, it is a crisis of political leadership. People in Europe are posing hard questions to us.

It is time to give ourselves a reality check. To receive the wake-up call. The people are blowing the trumpets round the city walls. Are we listening? Have we the political will to go out and meet them so that they regard our leadership as part of the solution not the problem?

Don't let us kid ourselves that this debate is unnecessary; that if only we assume "business as usual", people will sooner or later relent and acquiesce in Europe as it is, not as they want it to be. In my time as prime minister, I have found that the hard part is not taking the decision, it is spotting when it has to be taken. This is such a moment of decision for Europe.

The people of Europe are speaking to us. They are posing the questions. They are wanting our leadership. It is time we gave it to them."

Pérolas da profissão

Ouvido na TSF:

"Na Itália está em vigor a racionalização da energia eléctrica"

... e dois minutos depois:

"a explosão localiza-se na Rua de Santa Catarina..."

Mundo Novo

Ontem um colega e amigo disse-me que eu era o último dos que acreditavam na deontologia profissional dos jornalistas.

Será que estou a ficar velho? Ou é o Mundo que está a ficar novo?

segunda-feira, junho 27, 2005

Revolução no Barnabé

Estão agitadas as águas no Barnabé que, de blogue de referência da esquerda redical, ameaça tornar-se num blogue de direita moderada com a saída dos fundadores Daniel Oliveira e Rui Tavares.

À parte os restantes afazeres e projectadas intenções de ambos (que é algo que só aos próprios diz respeito) lamento perder a crítica acutilante de ambos (não conheço muitos bloggers pelo nome e estes são certamente dois deles), mas tenho esperança de a reencontrar brevemente noutro lugar.

Mas há duas observações que gostaria de fazer neste momento a propósito deste PREC:
1. É deprimente que menos de uma mão-cheia de intelectuais brilhantes cheios de indomável espírito crítico não consiga conviver numa mesma plataforma de exercício livre de opinião. É deprimente que o tamanho dos seus egos os obrigue a acotovelarem-se no espaço limitado de um blogue ao ponto de um ou dois deles terem que sair. Porque a verdade é que nenhum sai por causa das ideias (suas ou dos outros), mas por causa da reacções (as suas) às ideias próprias e dos outros. E isso é uma pura manifestação do ego.

2. O Barnabé, como outro blogues, sempre pautou a sua "acção" pela falta de respeito por aqueles que eram objecto de crítica, em nome da liberdade e acutilância dessa critíca e em nome do desejo de provocar polémica, mesmo quando os criticados eram os próprio co-bloggers. Verdade seja dita, isso mesmo está inscrito no código genético do blogue. Mas, visitando o Barnabé (como outros blogues que com ele polemizaram), perguntei-me frequentemente por onde andaria a "geração rasca" que há uns anos tinha mostrado os seus universitários rabos à ministra da educação. Pois bem, pelos vistos ela anda a blogar. O resultado está aqui à vista. Vários anos depois, a "geração rasca" não é capaz de exercer uma discussão intelectualmente séria e livre sem se ofender pelo meio, o que também é genético. Quando isso acontece no "espaço" fechado de um blogue, naturalmente alguém tem que sair. Foi o que aconteceu. Mas convém nesta hora recordar que a discussão séria, livre, polémica e em respeito pela opiniões alheias é possível.

domingo, junho 26, 2005

A luta continua

Noticiado pelo Corriere della Sera, o relatório de 2005 do Nessuno Tocchi Caino (Hands Off Cain) conta 138 países que deixaram se aplicar a pena de morte. Os que a praticam são ainda 58, contra 61 em 2003 e 64 em 2002.

Não há coisa que melhor nos dê a imagem do progresso civilizacional do que o número de países que optam por, na lei ou na prática, abolir a pena de morte. Felizmente, o número de países que a utilizam tem vindo a diminiur. Infelizmente ainda não acabou. A luta continua.

Mais vale tarde que nunca

Edgar Ray Killen, de 80 anos, foi condenado pelo assassínio de três jovens trabalhadores dos direitos cívicos em Neshoba Couty, Mississipi, no ano de 1964. Isso mesmo: o plot de "Mississipi Burning" ("Mississipi em chamas") conhece finalmente um epílogo, 41 anos depois.
(pergunta: em Portugal um crimes destes escaparia à prescrição?)

Revista de imprensa

Segundo uma sondagem publicada no Corriere della Sera, 94% por cento dos jovens entre os 14 e os 17 anos usa regularmente o telemóvel para jogar e enviar sms, tantos quantos os que vêm televisão...

That's cool...

Check out the 50 coolest websites 2005 according to Time magazine.

Alguns confrontos nas autárquicas



Há vários confrontos em curso a propósito das próximas eleições autárquicas:

1. O confronto Carrilho-Carmona é o confronto entre o técnico o político. Para uma câmara municipal, mesmo que seja Lisboa, este combate pode vir provar que o político está grandemente sobrevalorizado em relação ao técnico. Pode ser que as pessoas continuem a preferir um presidente competente. Tanto mais que Carrilho devia cavalgar uma onda rosa (minimizada pelo molhe do défice e respectiva cura, mas ainda uma onda). E tanto mais que Carmona podia surgir como o sucedâneo das trapalhadas santanistas.

2. O confronto Carrilho-PS está ao rubro e ameaça o resultado final. Os cartazes de Carrilho parecem os de um independente (com um logozinho discreto do PS no canto superior direito) e por isso o PS de Lisboa responde com outdoors em que o candidato não existe e até a rosa aparece secundada em relação ao punho que já se julgava politicamente extinto. Mas a verdade é que, como estão as coisas estão, Carrilho precisa que o PS lhe cole cartazes e lhe encha comícios e o PS precisa que Carrilho fale para fora e não amue.

3. O confronto Sócrates-PS está em banho-maria até à noite das eleições. Até ao momento, o primeiro-ministro nada fez para "salvar" os autarcas e candidatos autárquicos do seu partido. E com isso demonstrou coragem e subiu mais uns pontos na consideração que merece. Resta saber, primeiro, se consegue manter essa postura até depois das eleições e resistir às pressões do partido. E, segundo, se continua inacessível às fisgadas que lhe vão querer mandar depois em caso de derrota.

Telelénovela?

Outra notícia que merece atenção no Diário Digital: a espanhola Amena e a produtora Globomedia estão a desenvolver a primeira série espanhola de ficção para... telemóvel.

Já era tempo

Já era tempo de a informática ultrapassar uma limitação tão simples: a partir de 1 de Julho os endereços de internet vão poder ter acentos e cedilhas, uma coisa bem portuguesa.

sábado, junho 25, 2005

Os ínvios caminhos do futebol moderno

Depois de um empresário norte-americano de football ter comprado uma equipa europeia de soccer, chega-me via 5 violinos a notícia de que o Liverpool vaqi defrontar o Total Network Solutions FC na primeira ronda de pré-qualificações para a Liga dos Campeões. Isso mesmo: Total Network Solutions FC é o nome da equipa. A história toda está aqui. Não tarda nada temos o Real Madrid a disputar a final da Liga dos Campeões contra a Microsoft Sports Activities... Acabo por isso a dar razão a Joel Neto a à sua crónica na última Grande Reportagem (sem link): as pessoas só vão perceber que existe um problema quando, em plena guerra Adidas-Nike, uma jornada da Campions League não se disputar por... faltarem as chuteiras. É que, convém recordar, em tempos a F1 também foi um desporto...

quarta-feira, junho 22, 2005

Wikitorials do L.A. Times suprimidos

A breve experiência de wikitorials do LA Times chegou ao fim porque alguns leitores insistiam em inundar o wiki de material "inapropriado". A coisa durou pouco, o que em parte prova que há boas ideias que ainda não são para este mundo. Mas a força das boas ideias é que elas ficam por aí e regressam um dia mais fortes que nunca. Esperemos para ver.

Citizen Journalism nos EUA

Pela mão de Dan Gillmor, o tal do "We the Media", está a ser montado nos EUA um projecto de Ctitzen Journalism semelhante ao OhMyNews sul-coreano que apela à participação de todas as pessoas que subscrevam este Citizen Journalist Pledge. É um assunto a acompanhar com atenção.

Blog jornalístico

Via Blogouve-se, junto a minha voz à divulgação da iniciativa do lisbonlab de Hugo Neves da Silva, um blog jornalístico com editores experientes destinado a dar espaço de publicação (e por essa via de demonstração de proficiência) aos jornalistas desempregados ou recém-fromados. É uma iniciativa inteligente e muito útil.

Música: faça voçê mesmo!

Qual GT4, qual Championship Manager? O melhor mesmo é o Beaterator!

Declaração de interesses



Segundo o Political Compass, este sou eu: um liberal de esquerda com 70% de libertinismo pessoal e 30% de libertinismo económico. Hoje...

Os incautos jornalistas

Segundo o Sindicado dos Jogadores Profissionais de Futebol, 80% dos clubes da Superliga e Segunda Liga e 90% dos clubes da 2ª B e 3ª divisão têm ou tiveram salários em atraso durante a última época. A "notícia" começou na TSF e rapidamente chegou à SIC. E compreende-se, uma vez que tem todos os condimentos para seguir esse percurso.

Acontece que, olhando para a construção da notícia, não encontramos qualquer fundamentação séria dos números apresentados nem qualquer explicação de como a eles se chegou, com excepção do facto de serem veiculados pelo Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol. Uma visita ao site do sindicato não revela qualquer estudo, comunicado ou informação nesse sentido (a notícia mais recente data de Novembro de 2004 e a classificação da Superliga mostrada ainda tem o F.C.Porto como campeão...).

Aliás, já em 2003 o sindicato fazia a mesma denúncia e curiosamente o número era o mesmo: 80 por cento dos clubes têm salários em atraso. Resta-nos portanto a consolação de a situação não ter piorado entretanto...

Por outro lado, todos sabemos o que acontece quando uma equipa de futebol tem salários em atraso, isso primeiro nota-se no campo e depois sabe-se nos jornais. E isso não aconteceu este ano em 90 por cento das equipas da superliga. Simplesmente não é credível.

Ou seja, se os próximos desenvolvimentos não me desmentirem, estou convicto de que os números que sustentam a notícia não têm qualquer fundamento; que a informação do sindicato, à qual eles dão uma cobertura de aparente credibilidade é meramenete especulativa; e que os meios de comunicação que à volta deles construiram uma notícia não verificaram devidamene as informações. O resultado é uma "notícia" que naturalmente serve os propósitos da entidade que a veicula, o que, por si só, devia levar qualquer jornalista competente a verificar ou confirmar independentente os números. Seja porque a notícia era, assim mesmo, demasiado "apetitosa" para um noticiário televisivo, seja porque não havia tempo para a confirmar, suspeito que essa verificação não tenha sido feita. Do que tenho a certeza, isso sim, é de que amanhã ninguém se irá lembrar disto e essa informação terá passado como se nada fosse.

Não me interessa nada defender os clubes de futebol e não tenho dúvidas que alguns deles não cumprem as suas obrigações para com os jogadores e muitos deles não as cumprem... bem, com ninguém. E até concordo com o Sindicato quando reclama que um clube de futebol que deixa as suas finanças chegar aos salários am atraso devia descer de divisão. Seria da mais elementar justiça e seria uma medida de higiene social, uma vez que aquilo que os clubes fazem é tirar proveito da ligação emocional (irracional, portanto) de uma massa humana para fazerem o que querem sem a mais pequena ameaça de punição (os exemplos são abundantes e de todo o tipo).

O que me interessa face a nesta notícia não é fazer a defesa dos clubes de futebol. É antes fazer a defesa do bom jornalismo. Porque se perbece desta "mecânica" que é assim que se faz a criação de factos mediáticos aos serviço de determinados fins (bons ou maus, justo ou injustos, isso é irrelevante para este fim). E o jornalismo e os jornalistas que neste processo embarcam estão no fundo a ser os incautos desta história. Os prejudicados, esses são todos os cidadãos.



PS. Adenda matemática às observações anteriores: 80% de 36 equipas (18+18) é 28,8 equipas. Como uma equipa não se pode dividir ao meio, das duas: ou são 28 equipas (80,5%) ou são 27 (75%). Os números não enganam...

Mais uma "europeíce"...

Segundo Luis Mira, Secretário Geral da CAP, citado pela TSF, a possível descida dos preços de referência de Bruxelas para o açucar por pôr em causa a continuidade de uma refinaria que a própria união europeia financiou a fundo perdido há uns anos atrás.

A ser verdade (temos que primeiro eliminar o espectro de corporativismo que sempre paira sobre este tipo de notícias), trata-se de mais um exemplo (melhor, de dois exemplos) de quão irracional pode ser o centralismo europeu. Foi por estas e por outras semelhantes - muitas outras - que a Europa chegou ao beco sem saída no qual presentemente se encontra.

A "função social" dos bancos

"A banca não tem que investir em capital de risco, o que nós fazemos são financiamentos."
João Freixa, vice-presidente da CGD

"Estamos numa situação em que a economia está menos fácil e portanto os bancos têm de gerir os riscos."
Artur Santos, presidente do BPI

Se me permitem, não foi nada disso que o presidente disse.

O que Sampaio disse foi que os bancos eram expeditos a dar crédito ao consumo e menos expeditos a dar crédito às empresas. Falou da segunda parte, mas também falou da primeira. Porque será que os bancos agem assim? Será porque o primeiro crédito é mais fácil de recuperar do que o segundo? Ou mais "lucrativo"? Será porque a sociedade civil é fraca e os bancos são fortes e portanto os consumidores individuais (primeiro aliciados e depois abandonados) são presas fáceis?

A promoção do crédito ao consumo desenfreado por parte dos bancos, como muitos outros exemplos na sociedade portuguesa, levanta o problema da responsabilidade social das grandes empresas. Serão as empresas apenas responsáveis por produzir lucros, desde que dentro do respeito pela lei? Ou terão uma responsabilidade social adicional não diferente da de qualquer cidadão individual? Existem sancões sociais para muitas coisas que podemos fazer individualmente e que não são ilícitos civis ou criminais. É normal que hajam e é saudável que hajam. Isso faz parte dos mecanismos normais de funcionamento de uma comunidade organizada.
Pois bem: as empresas em geral e os bancos em particular não estão (ou não deviam estar) isentos dessa sanção social. Não duvido que a promoção do crédito ao consumo, com o facilitismo que insinua, cumpre todos os requisitos legais. Mas é socialmente pernicioso e os bancos sabem-no. A concessão de capital de risco, pelo contrário, é economica e socialmente decisivo para Portugal e isso os bancos também o sabem. Então porque não transferir assumpções de risco do primeiro para o segundo apartado? Não corresponderia isso a um melhor exercício da sua "função social"? Foi isso que o Presidente sugeriu e a isso os dirigentes bancários só ainda em parte responderam.

Afinal era tão simples...

Ainda me recordo das linhas e linhas que foram escritas (nomeadamente aquando do tratado de Maastricht, mas também do de Nice), muitas vezes com destaque de primeira página, acerca da impossibilidade constitucional de referendar tratados internacionais e da dificuldade de conseguir acordo para alterar a constituição. Talvez por não ser jurista, isso sempre me fez bastante confusão.

Mas, depois do recambolesco episódio de abrir e logo fechar uma excepção para consultar os portugueses em simultâneo com as eleições autárquicas (sempre ouvi dizer que a lei era geral e não específica...), e depois do pacífico acordo agora obtido para que se possam referendar acordos internacionais (curiosamente remetido para um pouco importante pé-de-página), vejo que tinha razão para não entender a dificuldade. Afinal era tão simples...

Ainda Cunhal

No Público de hoje, sem link, vale a pena ler o artigo de opinião de José Neves, histpriador e ex-comunista, uma interessante abordagem à dimensão mítica de Cunhal. Como teaser reproduzo apenas um extracto:

"Cunhal pode não ter sido um simples comunista, mas ele foi simplesmente um comunista. Na sua rejeição do ‘culto da personalidade’ leiamos a rejeição do conceito de ‘grande homem’ a que agora o forçam."

Mais à frente na mesma edição, menos como análise ciêntifica e mais como sentimento, certamente partilhado por muitas gente da sua geração, João Gil diz que Cunhal era o seu herói, o seu Corto Maltese. É um elogio que certamente o próprio saberia apreciar e um dos melhores que lhe vi feito.

terça-feira, junho 21, 2005

Um "novo" United de Manchster

A notícia é do MaisFutebol: um grupo de adeptos do Manchester United descontentes com a tomada do clube por parte de Malcolm Glazer fundou um novo clube, o Footbal Club United of Manchester. Tem havido muitas vezes reacções de adeptos à posse privada dos clubes, mas, de que eu tenha conhecimento, é a primeira vez que um grupo deles decide fundar um clube alternativo. Se em Manchester ficar de um lado o capital e do outro a affición, vai ser interessante acompanhar este caso...

segunda-feira, junho 20, 2005

O "circo" da F1

É incrível como um conjunto de homens inteligentes formados nas melhores escolas de gestão conseguem dar cabo de um desporto. A "palhaçada" de Indianapolis (logo Indianapolis...!) bateu todos os recordes de irracionalidade, mas o caso já vem de trás.

Entre interesses vários, estratégias políticas conflituantes e regulamentos cada vez mais complexos, a F1 tem vindo a afundar-se sem que ninguém - FIA, Marcas, Pilotos, Televisões, etc - consiga por uma vez que seja pôr os interesses do desporto, ou seja de todos, sequer ao mesmo nível dos seus, quanto mais acima. Neste caso, certamente que se vão apurar responsabilidades e "cortar" cabeças, mas depois tudo ficará na mesma.

Uma coisa é certa: a partir de um erro crasso da Michelin, todos deram o seu pequeno ou grande contributo para que se chegasse a este resultado: a FIA que não arranjou maneira de permitir que as regras deixassem que houvesse corrida; as equipas Michelin que não tiveram a coragem de perder na pista (e nem sequer avisaram a tempo o público incauto de que não ia haver corrida); as equipas Bridgestone que não tiveram a honra de abrir caminho ao precedente para que de facto houvesse corrida.

Ontem ouvi alguém dizer que isto era o fim da F1 nos EUA. Eu acho que é o fim da F1. Ponto.

Sobra obviamente o lado positivo da pódio de Monteiro, um justo prémio caído do céu para uma temporada feita de persistência e humildade. É justo.

Very silly season?

Via Terceiro Anel, eis uma transcrição interessantíssima de uma notícia (??) da edição em papel de A Bola de hoje (sublinhados deles):

"Depois do jovem Anderson, os dragões estarão apontados a um grande craque do futebol internacional, de um grande clube europeu e que conhece muito bem o futebol português. O assunto rola no segredo dos deuses que decidem estas coisas mas espera-se uma semana rica em movimentações'.
(...)
O nome do futebolista a contratar é um segredo bem guardado entre Co Adriaanse e a SAD dos dragões mas que vai ser revelado durante esta semana, ao estilo de prenda de S. João. Há várias possibilidades, muitos nomes que podiam ser atirados, mas, neste momento, seria entrar no reino da especulação. E apesar de ser o defeso futebolístico, não há que inventar. Aguardemos, pois, por uma novidade das grandes e que poderá surpreender muita gente."

domingo, junho 19, 2005

Os 11 passos para o jornalismo participativo

Já citados pelo JornalismoPortoWeb, estas são, segundo o Poynter Intitute os 11 passos para integrar o jornalismo participativo nos media tradicionais e online. À atenção portanto dos editores.

Os 11 passos são:
1. Opening up to public comment
2. The citizen add-on reporter
3. Now we're getting serious: Open-source reporting
4. The citizen bloghouse
5. Newsroom citizen 'transparency' blogs
6. The stand-alone citizen-journalism site: Edited version
7. The stand-alone citizen-journalism site: Unedited version
8. Add a print edition9. The hybrid: Pro + citizen journalism
10. Integrating citizen and pro journalism under one roof
11. Wiki journalism: Where the readers are editors

Os melhores blogues do Mundo segundo uma boa causa

A Repórteres Sem Fronteiras levou a cabo a eleição dos blogues que mais contribuiram para a liberdade de expressão em várias regiões do Mundo. A organização pré-selecionou algumas dezenas de blogues e depois os internautas disseram de sua justiça. A ideia é estimular os weblogs nas regiões do Mundo onde eles são muitas vezes o único meio de expressão livre. Nem que seja só pela boa causa vale a pena uma visita.
Fonte: editors weblog

sábado, junho 18, 2005

Moldando o futuro

Citado no Jornalismo e Comunicação, Joel de Rosnay, futurólogo, afirma o seguinte:

"Les citoyens sont en train d'inventer une nouvelle démocratie, non pas une "E-démocratie" caractérisée par le vote à distance via internet, mais une vraie démocratie de la communication. Cette nouvelle démocratie, qui s'appuie sur les "media des masses ", émerge spontanément, dynamisée par les dernières technologies de l'information et de la communication auxquelles sont associés de nouveaux modèles économiques. Ni les media traditionnels, ni les politiques, n'en comprennent véritablement les enjeux. Les media des masses, seuls véritables media démocratiques, vont radicalement modifier la relation entre le politique et le citoyen et, par voie de conséquences, avoir des impacts considérables dans les champs culturel, social et politique. Je pense que les internautes commencent seulement à réaliser à quel point le Net du futur va leur permettre d'exercer leur pouvoir, si tant est qu'ils parviennent à se montrer solidaires et organisés...".

A entrevista é interessante e faz parte do AgoraVox, o primeiro jornal jornal digital de cidadãos em França.

Mais uma sobre "empowerment", fique-se a saber também, via Ponto Media, que o LA Times pretende criar wikitorials, uma ferramenta online que permitrá que sejam os leitores a escrever os artigos de opinião do jornal.

A Europa Unida será política ou não será Unida

José Medeiros Ferreira escreveu no Bicho Carpinteiro que "A pausa para reflexão não se destina apenas ao modo de funcionamento da UE, antes deve começar pela nossa própria maneira acrítica de participar no processo de decisão europeu desde que começámos a ser bons alunos de mestres discutíveis.
Temos que inverter a nossa forma de olhar os nãos que por aí vão surgindo. A actual burocracia europeia não é uma coisa externa a nós. Fomos nós que a criámos com a nossa falta de espírito crítico e participação activa no processo europeu. Prescindimos de qualquer voto na matéria na esperança de obtermos frutos económicos e com isso criámos o "monstro". A Europa está no ponto em que precisa de deixar de ser predominantemente económica para passar a ser predominantemente política.
Por isso a pausa para reflexão pode ser uma boa ideia, tanto na Europa como em Portugal. Mas só será uma boa ideia se de facto se reflectir. E não interessa nada reflectir sobre a PAC, o tamanho dos tubérculos ou as ajudas à indústria textil. O próximo referendo devia ser realizado em simultâneo em todos os países europeus e devia ter uma só pergunta bastante simples na sua complexidade:

"Concorda com a criação de uma federação europeia de estados autónomos?"

Isto é o que verdadeiramente nunca foi perguntado aos europeus e isto é o que verdadeiramente importa saber se eles desejam.

quinta-feira, junho 16, 2005

O que eu realmente penso sobre Cunhal

1. Álvaro Cunhal foi um derrotado político. Acabou amargurado, mas conseguiu sempre escondê-lo razoavelmente. Porque acreditou sempre nos ideais, mesmo contra as evidências da história, que não duvido que Cunhal conhecia e reconhecia. E a verdade é que os ideais valem, mesmo contra as evidências. Quanta da social-democracia nórdica foi buscar aquilo que hoje é às influências teóricas do comunismo? As ideias e os ideais perduram para além do que os homens decidem fazer com eles. São como condimentos que usamos para os nossos cozinhados políticos. Não tenho dúvidas que o comunismo, derrotado em toda a linha como materialização histórica desses ideais, perdurou e perdura em muitos regimes e muitos estados, também eles materializações históricas, como um elemento de construções políticas mais complexas. Cunhal sabia-o e creio (creio, sublinho) que lutou sempre pelos ideais, nunca pela sua materialização histórica desligada deles. Ou seja, Cunhal pactuou com regimes hediondos e fechou os olhos à evolução da história, mas fê-lo em nome dos ideais, nunca em nome dos benefícios que ele ou os seus seguidores podiam retirar da materialização histórica do comunismo. É injusto acusá-lo do contrário.

2. Álvaro Cunhal moldou a luta contra a ditadura. A sua acção individual foi importante, mas mais importante ainda foi o exemplo de estoicismo e perseverança que deu a muitos comunistas anónimos que em muitos casos terão continuado a lutar - não o duvido - porque o seu exemplo estava sempre presente e era fortíssimo. E não duvido também que foram muitos dos esforços desses comunistas anónimos (de base, como agora se diz), que alimentaram a chama da resistência, por exemplo em muitos estudantes e alguns milicianos. E isso é um crédito devido à liderança de Cunhal no tempo da ditadura salazarista.

3. Álvaro Cunhal moldou a luta pela democracia depois do 25 de Abril. Ele lutou sempre contra a democracia parlamentar (ou burguesa, como se dizia dantes), mas - afirmou-o sempre - lutando por um outro tipo de democracia, mais real, menos mascarada, numa palavra, mais directa. É irónico que muitas das críticas que hoje se fazem ao nosso sistema parlamentar (distância entre eleitores e eleitos; alternância sem alternativa, clientelismo sem serviço público) sejam precisamente algumas das que Cunhal apontou. O rumo que Soares queria para o país em 74-75 foi a tese face à qual o rumo pretendido por Cunhal foi a antítese. A síntese é o resultado de ambos. Como seria a nossa democracia sem as resistências de Cunhal ao rumo que ela acabou por tomar? Pior? Talvez. Mas a verdade é que a resposta não pode deixar de ser especulativa. O que sabemos com certeza, isso sim, é que aquilo que hoje somos, em parte a Cunhal o devemos (para o bem e para o mal).

4. Álvaro Cunhal foi um homem fiel aos seus princípios. É verdade que em muitos lugares do mundo esses princípios geraram regimes ignóbeis e é também verdade que a coerência não é si mesma uma virtude. Mas, pautar uma vida inteira pelos mesmos sólidos princípios e fazê-los vingar em todos os aspectos da vida pública e pessoal, é em si mesmo admirável. É nisso que Cunhal e Salazar são parecidos (sim, também em Salazar isso foi admirável). Cunhal nunca deixou de pautar a sua conduta por aquilo em que acreditava e nunca cedeu à tentação de tirar benefícios pessoais da sua acção pública (a forma como resistiu a desvendar Manuel Tiago quando já toda a gente sabia quem ele era é sintomático). Ou seja, Cunhal fez aquilo que nós, comuns pecadores (existe alguma coisa de religioso em Cunhal…) não conseguimos fazer. A maior parte das pessoas de esquerda admira-o por isso, entre outras coisas. Uma boa parte das pessoas de direita admiram-nos por isso, mesmo que o critiquem em tudo o resto. Esta lógica é profundamente apologética, mas estou convencido que é ela que explica a transversalidade direita-esquerda (com as naturais matizes) do elogio à “coerência” e aos “princípios” de Cunhal.

5. Álvaro Cunhal, Salazar e Soares são, na minha opinião, as três figuras políticas mais importantes do século XX em Portugal. Sá Carneiro também o seria certamente se não tivesse morrido e Cavaco está um patamar acima dos restantes mas ainda um degrau abaixo destes. Mesmo assim, tantos anos depois, a hierarquia de importância seria, penso eu, Salazar, Soares, Cunhal. A personalidade colectiva do povo português e a forma como nos organizamos e funcionamos como comunidade é ainda hoje grandemente influenciada pelo salazarismo (e portanto por Salazar; não houve regime mais personalista). Soares, por seu lado, lutou contra o salazarismo (Cavaco ainda mais) e derrotou Cunhal, moldando nessas lutas simultâneas muito do que é hoje o nosso país. Cunhal, por fim, foi derrotado cá dentro e lá fora e assistiu ao definhamento do seu partido. Não conquistou nada de verdadeiramente relevante, mas ainda assim ninguém lhe nega um lugar entre as figuras relevantes da história recente de Portugal. E isso dá bem a dimensão da sua estatura enquanto figura histórica. Porque a história não é um jogo de futebol e não reza só dos vencedores. Também reza dos vencidos. Porque na complexidade do mundo, aquilo que deixamos é sempre em parte obra nossa.

Algumas verdades sobre Cunhal

A cidadania madura expressa-se também na capacidade de ver para além das nossas afinidades políticas. Estou certo que daqui a 100 anos os historiadores terão uma opinião formada sobre o Cunhal histórico. Hoje, poucos nomes me ocorreria que melhor pudessem testar a maturidade da nossa blogosfera do que o de Cunhal.

Entre todas coisas que li sobre Cunhal nos meus blogues de referência, destaco estas. Faço-o porque - numa demonstração efectiva da complexidade de qualquer personagem histórico - acho que são todas verdade!

"Uma coisa não lhe perdoo: a cegueira, quando já todos víamos o que se passava. A persistência no erro, quando era evidente que a revolução soviética há muito se transformara numa perversa caricatura burocrática de si mesma."
Blogue de Esquerda

"o fascínio dos portugueses pelos ditadores, efectivos ou tentados, não é uma página velha e negra da nossa história: é a nossa história."
Homem a dias

"Enquanto ainda vislumbro a sua sombra movendo-se nos canaviais da outra margem não farei o panegírico gratuito nem a crítica áspera da sua obra política. Gostei de o ouvir falar de pintura numa tarde estiolada no venerável Paulo Quintela, os seus garbosos anos enfrentando a repleção admirada de gente. Até sempre!"
Daedalus

"Cunhal foi «coerente» e «convicto». E depois? Salvo as devidas proporções, Hitler foi coerente e convicto. Saloth Sar, mais conhecido por Pol Pot, também. Mao Tse Tung aussi. Estaline, então, nem se fala. Cunhal foi um homem coerente mas foi-o, quase sempre, pelas piores razões."
Contra a corrente

"Eu não gosto de biografias, obituários, elogios póstumos nem nada dessas coisas.
Mas hoje farei uma excepção. A Álvaro Cunhal.
"
Dito Cujo

"Os meus heróis não são perfeitos."
Barnabé

"Politicamente, foi um vencido. Tal com Salazar, professou valores rígidos e assistiu em vida ao esboroar do "seu" mundo. Viu o comunismo morrer por todo o lado"
Blasfémias

"Álvaro Cunhal lutou, equivocou-se, lutou, errou, lutou, falhou… lutou, até ao fim.Manteve-se fiel ao seu sonho de jovem combatente revolucionário. O mesmo não podem dizer muitos dos seus “homenageadores”, para quem cada dia é mais um dia de ajuste de contas com a sua juventude."
Causasperdidas, citado no Blogue de Esquerda

"Morreu ontem, esquecido e trivializado, Álvaro Cunhal. A gente que o demonizava, e com toda a razão, em 1975, há quinze anos que lhe tinha perdido o medo e o respeito. (...) Embora preso, "o Álvaro", como herói, morreu de facto nessa época e foi enterrado com as revelações de Khrushchev ao XX Congresso do Partido Comunista Russo. A fuga de Peniche e o Rumo à Vitória pertenceram já à história de Cunhal."
Vasco Pulido Valente, no Público, transcrito no Contra a Corrente

"A Cunhal devo a liderança na luta contra a ditadura; a Soares devo a liderança na luta contra Cunhal (...). Aos outros – descendentes de Spínola e de Freitas do Amaral e de Adriano Moreira e de Manuel Monteiro e de Paulo Portas e de Avelino Ferreira Torres – ninguém deve historicamente nada de relevante neste país. Antes alimentavam-se do orçamento de Salazar; depois esconderam-se atrás de Soares. Agora blogam."
Glória Fácil

"Pode-se dizer que o homem amava mais a URSS do que Portugal, que apoiou os Gulags, a invasão da Checoslovaquia, que ajudou a derrotar Salazar, certamente, mas para instaurar um regime ainda pior, de raíz marxista e estalinista, que apoiou nacionalizações, perseguições, que recusou ver o óbvio aquando da Queda do Muro de Berlim, que impediu a renovação no PCP, impondo sempre o «voto no ar» e promovendo os «delitos de opinião». (...) comunistas como Cunhal já não há: amanhã vão todos ao Colombo ao hiper encher o carrinho de compras, pagar IVA sobre os bens e Imposto do Selo sobre os juros do cartão de crédito. (...) Hoje, a maior parte dos comunistas são escravos do capitalismo que renegam. (...) Cunhal, esse, precisou de morrer para voltar a ser recordado. Porque, mesmo vivo, ele já só era uma figura histórica."
Blasfémias

"(...) “grande patriota”; “grande coerência”. Desde quando os comunistas são patriotas? O comunismo não é uma corrente universalista que, precisamente, queria desfazer as nações e unir os homens nunca grande irmandade? (...) a coerência teórica de um comunista causa sempre tirania.
(...) Hoje tenho liberdade porque uns militares de carreira fartaram-se de ser milicianos e de morrerem numa guerra sem vitória possível.
(...) Ainda hoje algumas pessoas pensam o mundo com um raciocínio com mais de 70 anos. Que raciocínio é esse? Fácil: “Se te atreveres a criticar o comunismo, então, és fascista”
."
Água Lisa 3


"Álvaro Cunhal optou por dedicar a sua vida política pós-25 de Abril à tarefa de «guardião da fé». Uma escolha legítima, sem dúvida, mas que teve consequências muito claras. Para ser guardião da fé, Cunhal abdicou do poder político executivo e da prática política que lhe está associada.Um preço demasiado alto."
Bloguítica


"Salazar e Cunhal tinham basicamente as mesmas ideias sobre as liberdades pessoais e económicas. Eram ambos contra as liberdades políticas e económicas e no "political compass" caíriam os dois naquele pontinho vermelho cá em baixo.Escolher entre Salazar e Cunhal ou entre comunismo e fascismo é um falso dilema. A atitude perante a liberdade destes dois personagens e destes dois totalitarismos é a mesma."
Blasfémias

quarta-feira, junho 15, 2005

Sobre blogues

No e-cuaderno, está referência a uma revista do Instituto Humanitas Unisinos da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (que nome!), Brasil, onde consta um extenso conjunto de entrevistas sobre o mundo dos blogues (ou os blogues no mundo...). Parece-me interessante.

Também interessante, o guia legal para bloggers da Electronic Frontier Foundation citado pelo Jornalismo e Comunicação.

segunda-feira, junho 13, 2005

Estou curioso...

Da praia e sem rede directamente para um tsunami de trabalho, estou curioso para ver como é que blogosfera reage à morte de Álvaro Cunhal. Uma vez que Mário Soares ainda é vivo e quando Salazar morreu ainda não havia net, Cunhal é o primeiro grande teste à maturidade da blogosfera. Voltarei ao tema.

Uma homenagem


Álvaro Cunhal
1913-2005

quarta-feira, junho 08, 2005

PSD Madeira aplaude de pé as declarações de Alberto João Jardim

"A Assembleia Legislativa da Madeira congratula-se com o modo, mais uma vez firme, como o presidente do Governo Regional denunciou comportamentos na comunicação social de Lisboa, os quais atentam contra os direitos, liberdades e garantias dos portugueses."
Portugal Diário, 8/6/05, 12.48h

Para que conste, estes são os nomes que devemos continuar a acompanhar daqui para a frente. Agora já sabemos quem eles são e como eles são. Se algum destes senhores não se levantou ou não bateu palmas, faça favor de o dizer. Ainda vai a tempo de se demarcar.

- José Óscar de Sousa Fernandes
- Ivo Sousa Nunes
- José Lino Tranquada Gomes
- João Carlos Cunha e Silva
- Sílvio Sousa Santos
- Jaime Ernesto Vieira Ramos
- António Alberto Monteiro de Aguiar
- Maria Margarida Teixeira de Aguiar Rodrigues Camacho
- Maria da Nazaré Sousa de Oliveira Serra Alegra
- Jorge Eduardo Ferreira Moura
- José Luís Medeiros Gaspar
- Maria Fernanda Dias Cardoso
- Maria do Carmo Homem Costa de Almeida
- Rui Emanuel Baptista Fontes
- Gilberto Diamantino Abreu Pita

terça-feira, junho 07, 2005



Filigree & Shadow

This Mortal Coil

Recomendo vivamente esta trilogia. Não tem nada de novo, nenhum dos discos foi editado agora, não há nenhuma efeméride a comemorar. Mas cada vez que pego num destes discos volto a ficar espantado com a beleza que eles encerram. Muitos anos depois, a surpresa continua a ser a mesma, espreitando ao virar de cada canção.
Para provar que a música também pode ser bigger than life.



Blood


It'll end in tears

SIM !

O Sítio do Sim já está online.

RSS em Português

Através do JornalismoPortoNet descobri finalmente um conjunto mais vasto de feeds RSS portugueses para além dos 4 do costume. Boa descoberta. Obrigado Carlos Jorge Andrade. Interessante é também o Buzz Index que permite visualizar quais os assuntos mais abordados.
Um link cujas evoluções merecem acompanhamento.

China contra os blogues

A China vai obrigar todos os blogues e sites de internet a registarem-se juntos das autoridades, naquela que é vista como a derradeira tentativa para controlar a dissidência online.
A Reporters Withou Frontiers lançou o alerta (cit. por Dan Gillmor).
O Blog Herald, por seu lado, afirma que até ao momento apenas 10% dos blogues chineses já se registaram.

Referendo europeu

Será que ainda não é desta...

A suspensão dos referendo inglês (ou a eventual suspensão do referendo português) é uma falta de respeito para com os respectivos eleitores. Porque razão hão-de os franceses ou holandeses ter mais direitos políticos do que eu?

Mais : a não realização dos restantes referendos previstos é uma ainda maior falta de respeito para com os espanhóis. Por acaso o voto de um espanhol é menos que o voto de um francês?

O "não" ao tratdo em França não é um problema dos portugueses ou dos espanhóis. É em primeiro lugar um problema da Europa como um todo e depois um problema dos franceses. São os franceses que têm que arranjar maneira de não ficar para trás. Não é a Europa que tem que não seguir em frente.

Que vergonha!

Que vergonha para todos os madeirenses...

sexta-feira, junho 03, 2005

Os 10 livros mais prejudiciais de sempre

Cortesia do Bicho Carpinteiro, aqui está a lista dos 10 livros mais prejudiciais de sempre segundo um painel de "direitistas" americanos. Parece-me sintomático que sejam também, provavelmente, 10 dos mais importantes de sempre. As ideias realmente fortes têm os efeitos mais imprevisíveis e, se têm muitos, não seria de esperar que fossem todos bons...

Abaixo os políticos

No espaço de apenas algumas horas recebi por e-mail três mensagens (duas delas do mesmo grupinho) críticas da classe política, sedimentadas num desencanto profundo e despoletadas pelas medidas de austeridade decretadas. São três mensagens que demonstram como, em vez de fazerem algo, os protugueses gostam mesmo é de dizer mal "deles":

"-----Mensagem original-----De: agp.bd [mailto:agp.bd@netcabo.pt] Enviada: sexta-feira, 3 de Junho de 2005 13:58Para: agp.bd@netcabo.ptAssunto: FW: Luto por Portugal

----- Original Message -----
Sent: Wednesday, June 01, 2005 5:56 PM
Subject: Fwd: FW: Manif

Como é sabido de todos, foi necessário um político pedir aos portugueses para se unirem durante o EURO 2004 e pôr uma bandeira de Portugal na janela

O povo uniu-se por uma causa e para dignificar o país.

Agora é tempo de nova união.

Guardemos as bandeiras, e vamos todos pôr uma bandeira negra, luto em forma de protesto, em nome do momento negro que atravessamos e do que ainda virá, fruto de uma má gestão por parte dos sucessivos governos, que continuam a gastar o que não têm, em prole das mordomias sem as quais não conseguem viver.

Dia 10 de Junho, façamos luto por Portugal, bandeira negra na
janela por todo o país.

Passe esta mensagem a todos os seus conhecidos, pois Portugal é dos Portugueses.

Não deixemos que meia dúzia de políticos corruptos e
incompetentes com os seus amigos, esses sim já uns milhares, continuem a gozar connosco."

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"-----Mensagem original-----De: fernando manuel assunção gil oliveira [mailto:fgiloliveira_eng@sapo.pt] Enviada: sexta-feira, 3 de Junho de 2005 14:40Para: paulo pereira TOP; toni santos silva; Diogo Almeida Santos; Jose Arnaldo Pimenta; Miguel Peixoto; joao nunes oliveira; toca; joao antonio almeida ferreira goncalves; ana margarida gil oliveira; joao carlos gil oliveira; joao mario loureiro; joao almeida Ferreira; Manuel J Carvalho; Luis Caetano; Auto Magazine; ANET - Centro; Maria Teresa A.PintoAssunto: Fw: Nem tudo vai mal nesta nossa República...]

----- Original Message -----
From: Fernando Tenreiro
To: fgiloliveira_eng@sapo.pt
Sent: Thursday, June 02, 2005 5:36 PM
Subject: FW: Nem tudo vai mal nesta nossa República...]

Nem tudo vai mal nesta nossa República...

Meus amigos,

NESTE ASPECTO, AS APROVAÇÕES NA A.R. SÃO SEMPRE POR UNANIMIDADE. É A UNICA VEZ QUE ESTÃO TODOS DE

ACORDO, PARA SALVAGUARDAR O "TACHO".

CUMPRIMENTOS PARA TODOS


Nem tudo vai mal nesta nossa República
(Pelo menos para alguns)

Com as eleições legislativas de 20/Fevereiro, metade dos 230 deputados não foram eleitos.

Os que saíram regressaram às suas anteriores actividades. Sem, contudo saírem tristes ou cabisbaixos.
Quando terminam as funções, os deputados e governantes têm o direito, por Lei (deles) a um subsídio que dizem de reintegração:

- um mês de salário (3.449 euros) por cada seis meses de Assembleia ou governo.

Desta maneira um deputado que o tenha sido durante um ano recebe dois salários (6.898 euros). Se o tiver sido durante 10 anos, recebe vinte salários (68.980 euros).

Feitas as contas e os deputados que saíram o Erário Público desembolsou mais de 2.500.000 euros.

No entanto, há ainda aqueles que têm direito a subvenções vitalícias ou pensões de reforma (mesmo que não tenham 60 anos). Estas são atribuídas aos titulares de cargos políticos com mais de 12 anos.

Entre os ilustres reformados do Parlamento encontramos figuras como:

- Almeida Santos ........................... 4.400, euros;
- Medeiros Ferreira ....................... 2.800, euros;
- Manuela Aguiar .......................... 2.800, euros;
- Pedro Roseta ................................ 2.800, euros;
- Helena Roseta .............................. 2.800, euros;
- Narana Coissoró ........................... 2.800, euros;
- Álvaro Barreto .............................. 3.500, euros;
-Vieira de Castro ............................. 2.800, euros;
- Leonor Beleza .............................. 2.200, euros;
- Isabel Castro ................................. 2.200, euros;
- José Leitão .................................... 2.400, euros;
- Artur Penedos ............................... 1.800, euros;
- Bagão Félix ................................... 1.800, euros.

Quanto aos ilustres reintegrados, encontramos os seguintes:

- Luís Filipe Pereira ........................ 26.89, euros / 9 anos de serviço;
- Sónia Fortuzinhos ........................ 62.000, euros / 9 anos e meio de serviço;
- Maria Santos ................................ 62.000, euros /9 anos de Serviço;
- Paulo Pedroso ............................. 48.000, euros /7 anos e meio de serviço;
- David Justino ............................... 38.000, euros /5 anos e meio de serviço;
- Ana Benavente ............................ 62.000, euros/9 anos de serviço;
- Mª Carmo Romão ...................... 62.000, euros /9 anos de serviço;
- Luís Nobre Guedes ..................... 62.000, euros/ 9 anos e meio de serviço.

A maioria dos outros deputados que não regressaram estiveram lá somente a última legislatura, isto é, 3 anos, o suficiente para terem recebido cerca de 20.000, euros cada.


É assim a nossa República !!!!!!!!!!!!!!!!..............
E acrescentava ainda mais.
Para estes meninos,
é necessário diminuir a despesa pública com os vencimentos dos funcionários públicos que ganham menos de 5 vencimentos minimos/mês,
para poder manter e/ou aumentar os vencimentos de alguns funcionários públicos (aqueles que tem SUPERvencimentos/mês,
fora as alcavalas, e que não são tão poucos como isso) , sem aumentar o "déficit" público."

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" -----Mensagem original-----De: fernando manuel assunção gil oliveira [mailto:fgiloliveira_eng@sapo.pt] Enviada: quinta-feira, 2 de Junho de 2005 2:13Para: paulo pereira TOP; fernando tenreiro; toni santos silva; Diogo Almeida Santos; Jose Arnaldo Pimenta; Miguel Peixoto; joao nunes oliveira; toca; joao carlos gil oliveira; joao mario loureiro; joao almeida Ferreira; Manuel J Carvalho; Luis Caetano; Auto Magazine; ANET - Centro; Maria Teresa A.PintoAssunto: Fw: Proposta ao Sr Primeiro Ministro (para reflectir)


----- Original Message -----
From: Ana Gil gmail
To: Undisclosed-Recipient:;
Sent: Wednesday, June 01, 2005 7:54 PM
Subject: Proposta ao Sr Primeiro Ministro (para reflectir)


Caro Sr. Primeiro-Ministro.
Venho por meio desta comunicação manifestar meu total apoio ao seu esforço de modernização do nosso país. Como cidadão comum, não tenho muito mais a oferecer além do meu trabalho, mas já que o tema da moda é Reforma Tributária, percebi que posso definitivamente contribuir mais.Vou explicar: Na actual legislação, pago na fonte 31% do meu salário (20% para o IRS e 11% para a Segurança Social).Como pode ver, sou um cidadão afortunado.Cada vez que eu, no supermercado, gasto o que o meu patrão me pagou, o Estado, e muito bem, fica com 19% para si (31%+19%)Sou obrigado a concordar que é pouco dinheiro para o governo fazer tudo aquilo que promete ao cidadão em tempo de campanha eleitoral.Mas o meu patrão é obrigado a dar ao Estado, e muito bem, mais 23,75% daquilo que me paga para a Segurança Social. E ainda 33% para o Estado (50%+23,75%+33%).Além disso quando compro um carro, uma casa, herdo um quadro, registo os meus negócios ou peço uma certidão, o Estado, e muito bem, fica com quase metade das verbas envolvidas no caso.Minha sugestão, é invertermos os percentuais.

A partir do próximo mês autorizo o Governo a ficar com 100% do meu salário.Funcionaria assim:

Eu fico com 6,75% limpinhos, sem qualquer ónus, mas o Governo fica com as minhas contas de:- Despesas Escolares,- Seguro de Saúde,- Despesas médicas, - Medicamentos,- Materiais escolares,- Condomínio,- Água,- Luz,- Telefone,- Energia,- Supermercado,- Gasolina,- Vestuário,- Lazer,- Portagens,- Cultura,- Contribuição Autárquica,- IVA,- IRS,- IRC,- Imposto de Circulação- Segurança Social,- Seguro do carro,- Inspecção Periódica,- Taxas do Lixo, reciclagem, esgotos e saneamento- E todas as outras taxas que nos impinge todos os dias.- Previdência privada e qualquer taxa extra que por ventura seja repentinamente criada por qualquer dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.Um abraço Sr. Primeiro-Ministro e muito boa sorte, do fundo do coração!Ass: Um trabalhador que já não mais sabe o que fazer para conseguir sobreviver com dignidade.PS: Quem sabe, podemos até negociar a percentagem!!!"

quinta-feira, junho 02, 2005

Os fundamentos do "sim"

Os diferentes caminhos e diferentes resultados dos processos de ratificação do projecto de constituição europeia nos diversos países demonstram um total divórcio entre as elites políticas e a população. Qualquer que seja o país dos 25 que tomemos em análise, a classe política é sempre mais favorável (quase sempre maioritariamente favorável) à aprovação da constituição do que a respectiva população. E qualquer que seja o país para que olhemos, a população é sempre mais resistente (em vários casos maioritariamente) do que a sua classe política.

Normalmente infere-se daqui que a população está certa e a classe política está errada. Mas não é necessariamente assim. É verdade que a Europa tem sido construída com um défice democrático que só podia dar este resultado. É verdade que a Europa tem sido demasiado tecnocrática e insuficientemente política e social. Nisso toda gente parece de acordo. Mas o facto de ter havido erros pelo caminho não obriga a que mudemos o caminho; obriga apenas a que não cometamos os mesmos erros no futuro. Ou seja: a ideia subjacente à construção de uma unidade europeia permanece válida e é em nome dessa ideia que a classe política europeia responde “sim”. Ou seja, ainda, a classe política responde “sim” porque é capaz de um raciocínio político de médio e longo prazo e em nome dele supera as limitações do presente e os erros do passado (de que estou convencido que, no seu todo, estará consciente). A população responde "não" porque é incapaz de ver para além do presente e do passado e naturalmente não gosta daquilo que vê.

O que nos leva para a questão da eficácia da democracia. A democracia é o melhor dos sistemas, mas não é perfeita. A democracia é um valor intrínseco das sociedades ocidentais e não pode ser posta em causa. Mas ela não é um fim em si mesma. É o melhor dos mecanismos conhecidos para que as decisões colectivas sejam as mais correctas segundo a maior parte dos seus membros. É o melhor instrumento conhecido para realizar a felicidade colectiva, mas é apenas um instrumento para este fim.

Para além disso, a função das elites políticas não é apenas interpretar democraticamente a vontade colectiva (expressa em eleições ou referendos) e dirigir os países em função disso; é também propor, de uma forma voluntarista, caminhos que não estão imediatamente à vista. Felizmente a Europa vive hoje em democracia, o mundo é hoje mais democrático do que alguma vez foi, mas a verdade é que ao longo da história muitas decisões importantes para a evolução das sociedades foram tomadas sem consulta popular e por voluntarismo da elites políticas. Percorremos um longo caminho até chegar aqui e esse caminho não foi sempre democrático. Aliás, não custa conceber que em muitos momentos e locais da história, o ideal democrático só subsistiu e vingou porque as elites políticas por ele lutaram.

Hoje, no conforto democrático das modernas sociedades ocidentais e europeias, tendemos a esquecer que há vida para além das eleições e referendos. Num mundo económica e politicamente globalizado, a integração europeia é um dos poucos (senão o único) caminho que permite aos estados europeus manter alguma rédea nos seus destinos. Mas isso não é imediatamente perceptível. Por isso é que o ideal europeu, refundado ou não, deve continuar deve continuar para além da presente crise.

Como facilmente se percebe, tanto em França como na Holanda e tanto em Portugal como na Espanha (só para dar exemplos com resultado diferentes), o "não" congrega um conjunto de motivações que não têm directamente que ver com o projecto de constituição ou sequer com o processo de integração europeia. Isso é "normal" numa consulta popular (sobretudo quando está em causa algo tão complexo), mas, sendo "normal", não deixa de ser "imperfeito". Perfeito seria que a população conseguisse motivar o seu voto, qualquer que ele fosse, apenas pelo que realmente está em causa.

É por isso que existe uma função de mediação na representação política. Não é praticável perguntar à população sempre que é preciso tomar uma decisão nem é certo que a população tome sempre a decisão certa. Por isso é que existe uma classe política eleita que é mandatada para tomar decisões em nome da população. Por uma razão prática, mas também por uma razão de racionalização do processo político. E é por isso que países insuspeitamente democráticos, como a actual Alemanha, não têm sequer a figura do referendo; é porque os seus eleitos políticos são mandatados também para decidir nesta matéria, que, aliás, se o sistema político tiver funcionado correctamente, terá sido discutida e esclarecida em campanha eleitoral.

Significa isto que, em vez de um referendo, deviam ser os políticos portugueses a decidir esta matéria? Claro que não! Não existe questão mais "referendável" do que esta, na qual, obviamente, está em causa a soberania nacional. Não só acharia inaceitável a não realização de um referendo, como estaria certamente a exigir um se fosse cidadão alemão. Mas acredito na ideia europeia e estou convencido que o caminho é para a frente e não para trás. Dar passos no sentido da partilha de soberania requer coragem porque oferece muitos riscos e poucas garantias, sobretudo tendo por referência o que tem sido a Europa nos últimos anos. Por isso é a opção mais difícil. E por isso a classe política entende-a melhor que a população. O "não" multiplicado pode parar a Europa; o "sim" permite continuar um processo no qual todos somos afinal agentes.

É por isso que me parece sintomático que o único dos três referendos já realizados a eleger o "sim" tenha ocorrido em Espanha. Não existe na Europa país mais cioso da sua "nacionalidade" do que Espanha. Mas também não existe na Europa país mais experimentado na convivência entre "nacionalidades" diferentes e até rivais do que Espanha. Ou seja, Espanha é talvez o único país Europeu para o qual a ideia de uma federação (mesmo que sem uma federação de facto) não é uma coisa nova. Para todos os restantes países europeus isso é uma coisa nova. E as coisas novas naturalmente assustam. Mas, no processo de construção de uma identidade europeia, o actual "não", tanto quanto os erros de política europeia que em boa parte lhe deram origem, não é mais do que uma crise de adolescência. Que naturalmente tem que ser ultrapassada para se chegar à idade adulta.