sexta-feira, dezembro 19, 2003

Antiamericanismo militante

«O simplismo ideológico do pensamento dos americanos tanto pode ser uma forma salutar e instintiva de distinguir entre o bem e o mal e não hesitar no caminho, como pode ser reflexo de uma genética incapacidade para entender um mundo que não encaixe nos seus padrões primários de análise.»

Concordo com estas palavras de Miguel Sousa Tavares no Público que, parece-me, fazem um diagnóstico certo - e sem juízos de valor – da maneira americana de ver o Mundo. E, acrescentaria eu, esta é a maneira como vê o Mundo uma potência que domina sobre o mesmo. A história está cheia de exemplos de potências dominantes que também olhavam assim para os dominados (por oposição aos casos muito raros de algumas potências dominantes que revelaram historicamente uma estranha vontade de conhecer os dominados).
Por isso é que já não concordo tanto com a seguinte passagem um pouco à frente no mesmo texto:

«A incapacidade dos americanos em entenderem o mundo árabe, que é a incompreensão por toda uma civilização que está nos antípodas dos "valores" americanos, representa uma ameaça à paz tão grande quanto a resposta que suscita. E é lícito duvidar hoje se é o terrorismo que gera a resposta errática e condenada ao fracasso dos americanos, ou se é essa resposta que potencia o terrorismo.»

Esta consequência do diagnóstico anterior – que já envolve um juízo de valor - e que os pró-americanos considerariam anti-americana, é característica da maior parte da intelectualidade europeia e, embora com um fundo verdadeiro, contém também em si o algum ressentimento pelo facto de os europeus serem no fundo parte dos dominados e não dos dominantes. A política americana é criticável sob muitas formas e não tenho dúvidas de que é em si mesma um problema mundial. Mas não acho que seja «lícito» duvidar de que o terrorismo existe antes e independentemente de qualquer política americana para lidar com ele. Isso parece-me claramente um exagero característico da intelectualidade europeia.

Publicidade contra publicidade?

Não sei quem tem razão na guerra relativa aos gastos de publicidade na Câmara Municipal de Lisboa, mas acho no mínimo «sui generis» que o executivo actual decida investir em publicidade para explicar que o anterior executivo... investia demasiado em publicidade. É uma originalidade que só podia partir do «criativo» Pedro Santana Lopes! Por outro lado, a ideia de gastar dinheiro público para denegrir o antecessor político – e portanto também, de certa forma, a actual oposição – é no mínimo «deselegante».
Quando, pouco depois de Santana Lopes ter chegado à CML, começaram a aparecer por toda a cidade obras coercivas, pensei que finalmente tinha chegado alguém com coragem para cortar a direito face aos interesses instalados. Com a sua natural e conhecida predisposição para «apagar fogos com gasolina», como J.A.Saraiva em tempos escreveu, Santana Lopes é o homem ideal para os confrontos de que uma cidade como Lisboa precisa. Mas a verdade é que, como eu já notei, o BE já pôs em painéis de propaganda e o PS também já está a dizer, os taipais das obras coercivas continuam lá sem que algo aconteça por trás deles. Corajoso e frontal, às vezes contra ventos e marés, a verdade é que Santana Lopes também é um sedutor cujo desempenho muitas vezes não corresponde ao que a sedução promete (passe a figura...). O que pode ser o caso em Lisboa. A ver vamos...

segunda-feira, dezembro 15, 2003

Aldeia Global

O link está no site Eu Sou Jornalista, mas hoje vale a pena destacá-lo e recomendar uma visita ao Today’s Frontpage para ver como uma foto –basicamente – faz o pleno em todas as línguas e por todos os cantos do mundo. Poucos acontecimentos fazem um pleno tão amplo. A última vez que me lembro de ver imagens do mesmo acontecimento tantas vezes repetida em tantos os jornais do mundo foi no 11 de Setembro.

sexta-feira, dezembro 12, 2003

Alhos e bugalhos

O ideia governamental de aumentar a taxa sobre os combustíveis para financiar um fundo florestal contra incêndios é despropositada e só não é surpreendente porque é recorrente os governos responderem aos alhos com os bugalhos. Neste caso, a única ligação entre a gasolina e os incêndios deve ser o facto de a primeira ser combustível.
As medidas de um governo geram sempre beneficiados e prejudicados. E para que ambos aceitem como razoável a decisão – pedir que todos aceitem bem é pedir demais - é preciso que a mesma tenha alguma lógica interna e pareça justa. Esta não cumpre nenhum dos requisitos. Não se percebe porque razão hão-de ser os combustíveis a pagar a prevenção de incêndios. Porque não uma taxa sobre os supermercados, ou um novo imposto especial do bacalhau ou o turismo? Não tem lógica. E também não se entende que a medida incida sobre um sector que já se sente suficientemente saturado de peso fiscal, o que, em face da falta de lógica, aparece naturalmente como uma injustiça. Têm por isso razão as reacções negativas a esta medida.
Como é óbvio, a defesa das florestas devia ser feita por fundos gerados pelas próprias florestas e cobrados, naturalmente, às entidades que delas usufruem: as empresas papeleiras, as empresas de madeiras, os agricultores, as pessoas que tem casas de campo, etc. O que imagino é que o governo tenha dificuldade em organizar uma cobrança deste tipo porque tem pouco conhecimento e um controle demasiado distante sobre a efectiva ocupação da mancha florestal. Por isso prefere recorrer a um imposto já instituído e perfeitamente articulado nas mecânica da máquina administrativa. Ou seja, este é um puro efeito de centralismo. Pergunte-se a um autarca quem detém e como explora a floresta do seu concelho e ele saberá responder sem sequer ter que consultar quaisquer documentos. O que quer dizer que a cobrança dos fundos para protecção florestal devia ser feita localmente – melhor ainda, regionalmente – e não centralmente. A preservação da floresta de Monchique é uma preocupação dos habitantes de Monchique antes de ser de todos os outros e portanto são eles que estão em melhores condições para aceitar o esforço financeiro necessário à geração de fundos para preservação dessa mesma floresta. Existe uma óbvia relação de cobrança-retribuição que mais dificilmente seria posta em dúvida do que financiando a preservação da floresta de Monchique com uma parte do que paga um automobilista que abastece o seu carro nos arredores do Porto. Para além de que muitos automobilistas nem vão tomar consciência de que o estão a pagar, o que, bem vistas as coisas, é precisamente o que mais interessa ao Governo.
Ou seja, a preservação das florestas era mais bem conseguida com mecanismos regionais ou locais do que com mecanismos centrais, para além de que seria mais bem aceite por todos. Ou seja, na minha opinião, este é mais um dos múltiplos aspectos em que, partidos e caciques à parte, a regionalização faz todo o sentido como princípio de reorganização do Estado.

É para rir?

Há já algum tempo que não me ria ao folhear um jornal circunspecto e até um pouco “cinzentão” como o DN. É verdade que depois de ter sabido que o governo irlandês pondera proibir o fumo de tabaco nos locais públicos – logo também nos pubs (consegue-se imaginar um pub irlandês sem uma espessa nuvem de fumo?!) – já nada me devia surpreender, mas a notícia de que a UEFA vai proibir os treinadores de fumarem no banco durante os jogos é realmente de rir. Então mas se os jogos são disputados ao ar livre!! Alegadamente os treinadores servem de exemplo e então não devem dar maus exemplos durante os jogos e sobretudo durante as transmissões televisivas dos jogos.
Duas reflexões se me impõem a este propósito. Primeira: eles não são intervenientes directos nos jogo (esses são os jogadores e os árbitros) e não pedem para ser filmados. Na realidade até acredito que a maior parte deles preferisse que os não filmassem. Mais: esse é um recurso que lhes assiste. Se não podem fumar no banco por causa do mau exemplo que isso constitui, os treinadores que o queiram fazer podem sempre escrever uma carta às televisões impedindo-as de os filmarem noutra circunstância que não seja em conferências de imprensa. Parece-me que estão no seu pleno direito enquanto pessoas com direito a pôr e dispôr da sua imagem.
Segunda reflexão: ao limitar a possibilidade de uma pessoa, qualquer pessoa, ter o seu comportamento normal (e não ilegal) porque isso constitui um mau exemplo é, visto noutra perspectiva, uma forma de obrigar a pessoa a veicular o que se julga socialmente que é um bom exemplo. E isso, perdoe-se-me, é um perigoso mecanismo de conformidade social. Trata-se de obrigar as pessoas a desempenhar um papel social que por vontade própria não desempenhariam. Por vontade própria um treinador fumador não participaria em nenhuma acção, de qualquer tipo, de promoção da supressão do tabaco. Mas, de uma certa forma muito subtil, é obrigado a fazê-lo nesta situação em concreto. E a subtileza da forma como o faz – abstendo-se de fumar numa situação de stress em que habitualmente fuma - não altera a natureza do facto: trata-se de uma imposição de comportamento.
Digo eu, que não fumo.

quarta-feira, dezembro 10, 2003

A nova guerra fria?

Ouvi a notícia de que o EUA restringiam a participação internacional no programa de reconstrução do Iraque na TSF logo pela manhã. Confesso que a primeira reacção foi de alguma desconfiança. Também eu achei um erro a invasão do Iraque, mas também eu acho que na Europa muitas vezes deixamos que algum anti-americanismo mal recalcado (cujas razões históricas profundas merecem – e já mereceram – vários livros) nos tolde a percepção da realidade. Por isso fui à procura de uma fonte mais próxima do original para confirmar – porque me custava a acreditar – que fossem mesmo «razões de segurança dos EUA» as invocadas para impedir que empresas francesas, alemãs ou canadianas trabalhem no Iraque. E o que encontrei, no site do Washington Post, foi o próprio documento. E está lá tudo. Preto no branco. É mesmo a segurança que está em causa!
Mas a minha segunda reacção à notícia não foi de surpresa. E acho que isso já diz algo sobre a minha opinião, mesmo antes de eu mentalmente a formular. É verdade que é uma acção mesquinha por parte dos EUA, mas em política internacional este tipo que mesquinhez é a regra e não a excepção. Não tenho dúvidas que em muitas outras circunstâncias da história, outras nações vencedoras tiveram atitudes semelhantes em relação aos derrotados ou aos neutrais em conflitos passados. E se calhar, muitas vezes, com os países agora citados em lados bem diferentes das barricadas.
O que sinceramente me parece é que, na frieza da declaração americana, é de certa forma uma declaração de guerra surda que transparece. Esta guerra está ser declarada há meses, por pequenas ou não tão pequenas decisões como estas, que necessariamente se seguem a decisões originadoras de todo o processo, como foram a americana de começar a guerra e a europeia (França, Alemanha e acólitos) de não os acompanhar. Todas as restantes decisões – incluindo esta - são consequências lógicas das primeiras. Até que alguém decida inverter este processo e tomar uma decisão ilógica, mas corajosa. De um lado ou de outro. Ou a Europa engole o orgulho ou Bush é magnânimo. Se do lado europeu o eixo franco-alemão parece suficientemente sólido para resistir orgulhosamente, do outro lado a previsível reeleição de Bush quase garante uma manutenção – senão mesmo reforço – das políticas actuais. Ou seja, o futuro não augura nada de bom...

Correio da manha strikes again!

Vou explicar de que forma tomei conhecimento da primeira página do Correio da Manha de hoje. Estava a preparar-me para sair de casa pela manhã com a televisão sintonizada na SIC Notícias (alterno com a RTP). Eu não gosto de imagens violentas e sempre que posso evito-as activamente. Não em filmes ou ficções; essas não me incomodam; mas aquelas que sei serem verdadeiras são-me penosas e por isso normalmente olho para o lado, desvio o olhar quando passo por um acidente na estrada e mudo de canal quando a televisão embarca nesse tipo de notícias. Sou eu que sou assim, mas admito perfeitamente que nem toda a gente seja igual. Mas foi durante a revista de imprensa - uma das minhas rubricas favoritas no programa televisivo dessa manhã - que vi pela primeira vez - inadvertidamente, portanto - na primeira página do CM, a foto de um corpo separado da sua própria cabeça.
Faço esta pequena narração doméstica para enquadrar duas ou três reflexões sobre esta matéria. A primeira reflexão é relativa ao próprio CM, obviamente. Na primeira página referida a informação relativa ao atentado no Kremlin - ao qual a imagem se refere - é pouco mais do que discreta. Na verdade só depois de a procurarmos com algum cuidado encontramos a informação relativa à mesma. O que, claramente, significa que neste caso não é a imagem que sustenta a informação mas o inverso: aquela informação só esta lá para sustentar a imagem. Até porque a primeira página do CM é quase sempre ocupada por temas nacionais como a pedofilia, os impostos, o aumento de preços ou um ou outro crime, raramente com temas internacionais. Não sabemos mas podemos apostar que se não houvesse aquela imagem, a correspondente informação não teria merecido honras de primeira página no CM. E o que é que isso significa? Simplesmente que a função não é transmitir uma informação mas sim criar um efeito de choque em banca; ou seja, o objectivo não é dar uma notícia, mas sim vender jornais. Grande conclusão!! dirão. De facto a conclusão não é surpreendente. Mas se não é surpreendente, isso quer dizer que com ela concorda quem com ela não se surpreende. E então? Se todos concordamos com esta conclusão, o que é que acontece? Nada? Não acontece nada ao CM? Nada é dito ao jornalista que dirige o jornal? Um cidadão - como eu - que considere que foi ultrapassado um limite não dispõe de mecanismos para se defender?
É por estas e por outras que acho - como alguém defendeu em tempos, aparentemente sem sucesso - que os jornalistas deviam reger-se por uma Ordem. Uma Ordem capaz de vigiar e sancionar as más práticas jornalísticas da mesma forma que a Ordem dos Médicos sanciona as más práticas médicas ou a Ordem dos Advogados controla o desempenho em tribunal dos seus profissionais. Porque, sinceramente, não acho que a importância social dos jornalistas e - sobretudo - as consequências sociais das más práticas jornalísticas sejam menores que as outras. Pelo contrário. Quando todos falamos de banalização da violência nas sociedades ocidentais, é de primeiras páginas como esta que estamos a falar. Porque, para alguns milhares de portugueses, amanhã será um pouquinho mais banal ver uma cabeça separado do seu corpo. Eu, pela minha parte, gostaria - se me for permitido – de continuar a ficar incomodado com imagens como esta. E gostaria - se me deixarem - de continuar a evitá-las. Posso?
Esta questão entronca na segunda reflexão que gostaria de fazer a propósito da referida primeira página. Obviamente, eu não sou leitor habitual do CM. Não procuro o jornal em banca nem estou interessado em saber o que traz na primeira página em qualquer emissão televisiva. Mas em qualquer das duas situações eu posso ser confrontado com uma imagem de um corpo decepado sem que o queira ver ou sem que esteja preparado para o que o meu olhar vai encontrar, seja num jornal exposto em banca, seja numa emissão de televisão. Por isso pergunto: que direito tem um editor de expor assim uma imagem pela qual eu posso ser incomodado? Porque razão há-de o seu direito de expor a imagem ser superior ao meu direito de não ser exposto a ela? Não será o direito do CM em publicar imagens de corpos decepados mais prejudicial à sociedade do que o meu direito de não ser inadvertidamente confrontado com essas mesmas imagens? Se ela porventura estivesse dentro do jornal a questão não se colocaria. Se o jornal estivesse dentro do quiosque em vez de fora, a questão também não se colocaria. Se a revista de imprensa daquela manhã não tivesse incluído o CM, eu não estaria agora a indignar-me com o assunto.
O que me leva à terceira reflexão: será correcto que uma revista de imprensa de um canal noticioso, durante um programa de informação sério, dê relevância a uma manchete destas ou mesmo a qualquer das manchetes habituais de jornais como o CM ou o 24 Horas? Mesmo que, em nome do princípio da liberdade de imprensa, se responda que sim, devia uma estação de televisão responsável transmitir esta manchete? Se por hipótese absurda um jornal qualquer publicasse uma notícia qualquer ilustrada com a imagem clara e em grande plano de um órgão sexual, a estação de televisiva que faz revista de imprensa faria – e bem - uma da duas coisas: ou distorcia a imagem na zona do jornal que podia incomodar pessoas como eu; ou simplesmente não incluía a edição de hoje desse jornal na revista de imprensa, mesmo que amanhã tudo voltasse ao normal. Ou seja, o facto de ser o CM a publicar uma foto altamente criticável não isenta de críticas a estação de televisão que indirectamente reproduziu a mesma imagem como se não fosse nada com ela. Na verdade é com ela! Se a SIC não tivesse reproduzido aquela foto (imagino que a RTP o tenha feito também), eu não teria sido incomodado por ela e não estaria agora aqui a abordar o assunto. A banalização da violência resulta da reprodução da imagem violenta e não da sua autoria. E se o CM reproduziu aquela imagem violenta várias dezenas de milhar de vezes, a televisão fê-lo centenas de milhares de vezes.

terça-feira, novembro 18, 2003

Os números nas notícias

Numa notícia da TSF acerca de um congresso de especialistas que se realiza em Lisboa sobre pedofilia foi dito que «uma em cada quatro raparigas são abusadas sexualmente até aos 18 anos».
Entre familiares e amigas, eu conheço algumas mulheres, pelo menos umas oito, com o grau de intimidade suficiente para saber que isso não aconteceu a nenhuma delas. Ora, por um mero raciocínio estatístico, isso quer dizer que o eventual leitor deste post tem, em cada quatro amigas ou familiares, duas que foram abusadas sexualmente antes da maioridade. Será mesmo assim? Sinceramente, penso que não.
Nesta insuspeita notícia o que se faz é utilizar um número sem o filtro do bom senso. Como de resto acontece com muitas outra notícias, com especial incidência sempre que se fala dos malefícios do tabaco (há sempre uma quantidade «inacreditável» de mortes ou problemas de saúde que são devidos ao tabaco). Um número como o referido acima tem sempre numa notícia um impacto maior que qualquer outro componente textual da notícia. Por isso, quando posto perante um número como este, o jornalista deve questioná-lo. Deve questioná-lo primeiro que tudo segundo as regras do bom senso, como foi feito acima. Se o número não resistir a esse primeiro teste deve então ser questionada a respectiva fonte sobre a forma como se chegou a ele: que tipo de inquéritos foram feitos, qual o universo, qual a amostra, quais os conceitos subjacentes, o que se entende por «abuso sexual»? Se tal informação não puder ser obtida ou não couber no espaço ou âmbito da notícia, então a notícia não deve ser «uma em cada quatro raparigas são abusadas» mas sim «segundo a associação X, uma em cada quatro raparigas são abusadas».
Pode-se argumentar que a diferença, do ponto de vista de quem lê, não é grande. Concordo. Por isso é que acho que este tipo de números devem sempre ser questionados e explicados. Porque senão o jornalista não passa de uma mera correia de transmissão de informação sem nenhum controle crítico sobre a mesma. E não é pelo facto de estarmos a falar de temas quase unânimes - como são exemplo a pedofilia ou o tabagismo - que as regras devem ser diferentes. Mas mesmo entre a notícia «dizer uma coisa» ou «dizer que alguém diz uma coisa», a diferença é pequena mas significativa. Atribui a afirmação à fonte certa. Está certo, portanto!

Homens de estatura

As declarações de Figo e Rui Costa proferidas ontem a propósito das vaias à selecção nacional são dignas de estadistas. Já sabíamos que ambos eram grandes jogadores de futebol com uma vasta experiência internacional e habituados a ambientes exigentes, mas ontem, postos perante uma situação de tensão, conseguiram dizer, no tom certo, exactamente o que devia ser dito. De Luis Figo recordo sobretudo a frase «assobiem-me a mim mas apoiem a Selecção Nacional», e de Rui Costa não esqueço o «não podemos ser 'a selecção nacional' quando ganhamos e 'aqueles gajos' quando perdemos». Não sei qual o grau de preparação destas declarações, mas não tenho dúvidas que se fossem ditas por um chefe de estado e preparadas por um exército de assessores, não teriam sido mais adequadas. Muito bem!

Port-a-gee

Nos comentários ao site www.portcult.com descobri, por exemplo, que na Califórnia, os portugueses são conhecidos como «port-a-gees». Aliás, os comentários estão cheios de opiniões contraditórias sobre o site. Há basicamente três tipologias: o estrangeiro que se limita a agradecer as informações; o português ofendido que acha que a descrição não corresponde à realidade (e tem razão); e o português não ofendido que acha que existe um fundo de verdade na maneira como somos ali figurados (e também tem razão!).

Olhe para dentro lá fora

O povo português sempre foi muito curioso sobre a imagem que de si fazem os estrangeiros. Essa é aliás uma das característcas nacionais mais marcantes. E há quem diga que é pelos olhos dos outros que nos podemos conhecer melhor. Não é necesariamente assim, mas é curisoso visitar o site www.portcult.com. Expressa muitas ideias feitas que felizmente começam a estar desactualizadas, mas é suficientemente extensivo e por vezes divertido para merecer uma visita.

segunda-feira, novembro 17, 2003

Importa-se de repetir !?

Não falamos da vida privada, não exploramos escândalos, nem sexo. MMG, ao DN

MMG em entrevista

E a sobriedade, Manuela Moura Guedes?
Não me fale em sobriedade. Para mim é não ter bebido uns copos. É o (...) antónimo de ébrio. Ou cinzentismo. Televisão é comunicação. As notícias são histórias do dia-a-dia, mais e menos relevantes, de gente anónima.

O "nosso" monarca?

Que os espanhóis andem entretidos com a anunciada boda do seu futuro rei com uma estrela de televisão divorciada, ainda aceito como razoável. Mas que os jornais, revistas e opinião pública portuguesa ocupem «espaço mental"» com isso é que eu não consigo compreender. Já não nos basta a nossa pequena realeza? E o pior é que «cheira-me» que este antecipado casamento ainda vai dar muito que falar, pelos vistos também por cá. É que, parece-me, agora a sério, que a instituição monárquica é cada vez mais incompatível com a vida nas modernas sociedades ocidentais. É verdade que, tendo como pano de fundo a escandaleira inglesa e monegasca, a coroa espanhola até tem sido das mais discretas da Europa, infelizmente para a imprensa local (e pelos vistos também nacional). Mas acho que essa excepção tem sido apenas casual. Agora é que o folhetim vai começar. A ler vamos!

sexta-feira, novembro 07, 2003

José Castelo Branco e Betty Grafstein detidos

Finalmente uma boa notícia! Será agora que o país arriba?

segunda-feira, novembro 03, 2003

Bastonário incómodo

Concordo inteiramente com Cáceres Monteiro, que, na sua coluna na Visão de quinta-feira defende a actuação do Bastonário da Ordem dos Advogados, José Miguel Júdice, ao longo dos já vários capítulos que leva a «novela» Casa Pia. Por mais do que uma vez o bastonário foi politicamente inconveniente, mas a verdade é tomou posições corajosas e colocou na agenda questões que devem ser seriamente debatidas, como a das escutas telefónicas e a do controlo do Procurador Geral sobre a sua instituição no que concerne às fugas ao segredo de Justiça.
O facto de uma afirmação como o «estou-me cagando para o segredo de justiça» se ter tornado pública tem obviamente consequências políticas e delas de pode deduzir que o seu surgimento tenha também intenções políticas. Mas o problema nasce ainda mais cedo, quando uma pessoa que não é arguido ou testemunha num processo é escutada e quando uma frase cuja conexão com o caso em concreto é tão distante acaba gravada. É discutível que Ferro Rodrigues devesse ter sido escutado no âmbito deste processo. Mas, aceitando que o fosse devido ao facto de ser interlocutor de um dos suspeitos, é inadmissível que os seus comentários genéricos acerca do segredo de justiça seja gravados no âmbito de um processo de pedofilia. Mesmo que essas declarações pudessem fazer supor uma ilegalidade – violação do segredo de justiça – esse seria um outro processo completamente diferente em relação ao qual Ferro Rodrigues teria que ser constituído suspeito antes de ser escutado, o que aparentemente não foi o caso.
Antes de tudo o mais, portanto, há aqui o registo de uma conversa privada de alguém que não devia ter sido registada e que, se porventura fosse escutada no âmbito do processo de Paulo Pedroso, devia imediatamente ter sido apagada. O facto de não o ter sido foi o pecado original do qual derivaram todos os que se lhe sucederam.
Ora, neste ponto da «história», estamos num circuito perfeitamente fechado, inteiramente controlado pelos investigadores e sem agentes externos não autorizados. É portanto inelutável a responsabilidade que quem chefia a investigação e, em ultima análise de quem a superintende – ou seja, o Procurador Geral – no facto de ter existido a gravação de uma declaração que não devia ter sido registada. Se tal não tivesse acontecido, o «caso» das escutas telefónicas nunca teria acontecido.
Depois, como se sabe, essas declarações polémicas apareceram na comunicação social descontextualizadas. Ou, melhor ainda, recontextualizadas para terem um sentido diferente do original. O que significa que saíram do meio fechado da investigação para o meio aberto dos media. Neste passo, o Procurador pode argumentar que não podemos saber em que circunstâncias isso aconteceu e portanto não é possível apurar culpados e responsáveis. Tem razão. Mas é de todo improvável que essa divulgação não tenha tido a intenção ou pelo menos o conhecimento de alguém ligado à investigação. Claro que os meios de comunicação também devem ser criticados pela divulgação de matérias que sabem ser objecto de segredo de justiça – senão mesmo de reserva de privacidade – mas essa critica não isenta de criticas ainda mais sérias quem, do lado da investigação, forneceu tais escutas aos media. E esse lado, o da investigação, tem mais uma vez como responsável máximo o Procurador Geral da República.
Em suma, no acto de divulgação das escutas telefónicas ao Dr. Ferro Rodrigues, o PGR é provavelmente responsável. No acto de registo dessas escutas – manifestamente desligadas do caso concreto de pedofilia – o PGR é inegavelmente responsável. Uma consequência da conjugação das duas falhas podia ser o pedido de demissão do próprio, que não tenho duvidas que tenha chegado a estar nas cogitações dos actores deste processo. Como cidadão não peço a cabeça do procurador, mas também aceitaria como lógico um pedido de demissão do próprio, embora ainda lhe reste alguma margem de manobra. Quanto às posições do bastonário da Ordem dos Advogados, parece-me mais vantajoso, para todos os agentes do sector judicial e sobretudo para o próprio país, ter nele uma voz frontal e politicamente incorrecta do que um mero defensor de posições corporativas, como os bastonários tendem quase sempre a ser. Não sei se o voluntarismo de Júdice serve um programa de projecção política pessoal ou não. Mas não tenho dúvidas de que serve a clarificação das questões da justiça em Portugal.

sexta-feira, outubro 31, 2003

Música para os meus ouvidos

«The shortest and simplest answer I've ever been able to offer when asked why I write novels is, because I can't sing, play an instrument, or compose sonatas. I mean no disrespect to literature if I say that, should an extraterrestrial suddenly appear before me and ask to know something essential about the people of earth as expressed through their art, my first thought would be of Bach rather than Tolstoy. Writing, even great writing, is inevitably to some degree a local concern, in a way that music simply isn't. Our novels may not be read in Alpha Centauri, but it seems possible that some of our music will be played.»
Michael Cunningham, no texto de apresentação da BSO “The Hours” de Philip Glass

Linchamento II

Afinal a SIC alinhou pela mesma bitola que o CM na primeira abordagem e posterior reacção ao psiquiatra de Bibi. Para que não pareça uma perseguição ao CM - quando muito será apenas uma perseguição ao mau jornalismo - conste que tudo o que disse para o jornal vale, na minha opinião, para a televisão. Se se tivesse concentrado no essencial e não no acessório mais popular a SIC teria passado ao lado de uma gaffe; e, em vez de justificar o lapso e pedir desculpas, atirou-se ao alegado psiquiatra para desfazer toda a sua credibilidade. Até pode ser que o senhor mereça; até pode ser que, em circunstâncias normais, fosse uma matéria jornalística interessante; mas no «dia seguinte» não pode deixar de ser considerada uma reacção de «olho por olho». Shame on you!

quinta-feira, outubro 30, 2003

Linchamento

Na sua edição de ontem, o Correio da Manhã titulou «Tem amnésia» a propósito do julgamento de Bibi, puxando para manchete um detalhe colateral da notícia principal, que era, obviamente: «Julgamento de novo adiado». Ora, como soubemos pelo Público do mesmo dia, cujo título de primeira página era justamente qualquer coisa deste género, o alegado psiquiatra que deu esta informação não o era na realidade e até passou por ter mais conhecimento sobre o processo do que na realidade tinha. Sem querer fazer processos de intenções, parece-me que o CM puxou para título o «Tem amnésia» justamente porque sabia qual a reacção de isso ia ter na «populaça»: indignação e mais jornais vendidos. Mas ao fazê-lo, o CM acabou por cair numa ratoeira que não foi criada para si mas lhe assenta como... uma ratoeira. Tivesse o tablóide resistido aos seus instintos tablóides e teria feito uma manchete jornalisticamente correcta, como as outras, teria vendido menos uns quantos milhares de exemplares e não teria que regressar ao assunto na edição de hoje.
Hoje, o CM, ressabiado e vingativo, não puxa para manchete as declarações do psiquiatra, mas o próprio psiquiatra, que é, segundo as informações apuradas pelo jornal, «mentiroso e sedutor». Aliás, mais precisamente, é-o segundo «fonte ligada ao processo». Ou seja, o CM não faz qualquer mea culpa relativa ao facto de ter posto na primeira página uma informação errada ou não devidamente enquadrada – como queiram. Também não explica como aquele senhor chegou a ter o crédito jornalístico que teve à saída do tribunal, o que de resto seria sempre uma nota à margem de importância muito relativa. O que o CM faz é mandar-se ao senhor – que não conheço nem respeito – com unhas e dentes. A intuito é muito simplesmente o de destruir profissionalmente o alegado psiquiatra. É errado, mais uma vez, duplamente errado, mesmo que ele mereça o castigo.

quarta-feira, outubro 29, 2003

Temos ministro!

«O Estado tem que ser forte. A política não pode ser apenas uma gestão de interesses particulares»: o ministro Amílcar Theias distraiu-se ou assumiu o propósito de falar com verdade e sem hipocrisias? Os nossos ouvidos estarão atentos!

terça-feira, outubro 28, 2003

O Marinheiro

O Marinheiro já quase não se lembrava da última vez que tinha ido ao mar. Mas certo dia desvendou à mesa do café esse capítulo do seu passado e o rótulo colou-se-lhe como uma lapa. Vá lá perceber-se porquê? Caiu no goto dos companheiros e pronto. Hoje podiam perguntar a todos eles qual era o seu verdadeiro nome que poucos ou nenhuns saberiam responder. Todos o tratavam por Marinheiro e todos pensavam em ondas e em sal quando olhavam para ele, mesmo que esse fosse afinal apenas um pequeno capítulo da epopeia que tinha sido a sua vida. O Marinheiro andou no mar, é verdade, na pesca da sardinha, mas também carregou móveis, vendeu ferramentas, conduziu um taxi, abasteceu automóveis numa bomba de gasolina, foi ajudante de sapateiro, e viveu das esmolas alheias.
Hoje, o Marinheiro era um homem cansado e sozinho. A «sua velhota», como lhe chamava, tinha morrido há três anos de uma coisa no coração e ele sobrevivia desde então com a ajuda de alguns vizinhos e o sustento de uma reforma de miséria que todos os anos aumentava e parecia ficar mais curta. Por isso, passava as noites no clube, fintando a vida por entre copos de três. Acompanhava o dia-a-dia do seu Benfica como ninguém, dizia mal dos políticos todos sem excepção e encontrava uma réstia do sentido perdido da vida quando chegavam os santos populares e o pessoal lá do clube lhe pedia para ajudar no bar. Nesses dias ficava sempre mais irritadiço, primeiro porque encarava a sua pequena tarefa com o espírito de missão de quem embarca para a última faina, depois porque, entre dois servidos e um bebido, acabava sempre com uma carraspana de caixão à cova. Quem o conhecia já sabia o que acontecia a seguir: fechado o bar, arrumadas as cadeiras, o Marinheiro arregaçava as mangas da camisola até aos ombros, lançava uma qualquer imprecação aos jovens que por ali estivessem, do género «são putos novos, mas não batem aqui o velhote, seus merdanas», e começava a correr sem parar à volta do quarteirão. Se alguém lhe lançava um piropo entre sorridos – «Força marinheiro» – respondia sempre. Umas vezes com um som imperceptível e gutural, outras vezes com um claro «vai à merda!» Normalmente continuava até não ter mais força, o que, com a precisão de um relógio, acontecia por volta das 3 ou 4 da manhã. Então o Marinheiro sentava-se no passeio, encostava-se ligeiramente ao que quer que fosse que estivesse por perto – uma árvore, um carro ou um caixote da fruta – e o mais provável era que adormecesse ali mesmo.
No dia seguinte lembrava-se de tudo sem se lembrar de nada. Lembrava-se que ter bebido e de ter corrido, mas não fixava a quem tinha respondido, quanto tempo tinha corrido ou onde tinha «encostado». Por isso, quando alguém lhe perguntava quantas voltas tinha dado – incrivelmente, as pessoas eram sempre diferentes, mas a pergunta era sempre a mesma – inventava um número grande e redondo – «30» – e satisfazia a curiosidade alheia sem mais comentários ou pormenores. O ouvinte normalmente sorria sem exuberância, com a serenidade de quem já sabia a resposta antes de ter feito a pergunta.
Por isso, ninguém estranhou quando, naquela noite, bem bebido e razoavelmente cambaleante, o Marinheiro iniciou mais uma das suas maratonas à volta do quarteirão. O bar fechou, a festa desfez-se, toda a gente foi para a cama e do Marinheiro só se ouviu falar no dia seguinte. Alguém o tinha encontrado encostado a uma árvore como se dormisse profundamente. «Heh, marinheiro, vai para casa», gritou-lhe alguém. «Marinheiro! Acorda dorminhoco. Ainda ficas com a espinha torta. Vai dormir para a cama.» À falta de resposta, alguém se aproximou e lhe tocou no ombro. O corpo cedeu e resvalou para o chão mostrando os olhos apenas semicerrados, os lábios roxos e os membros inertes. Como era agora fácil de adivinhar, naquela noite, por volta das três ou quatro da manhã, o Marinheiro não se encostou à árvore apenas porque estava cansado. Uma forte dor no peito, cada vez mais intensa e assustadora, tomou conta do seu corpo até não conseguir respirar. Pareceu-lhe que ia morrer de asfixia, mas acabou por sucumbir por «paragem da máquina», como tantas vezes tinha previsto: «um dia a máquina pára e então acaba-se tudo», dizia.
Quem conhecia o Marinheiro – e, melhor ou pior, de certa forma todos o conheciam – ficou surpreendido mas não incrédulo. «Já era de esperar» disse alguém, «com a vida que ele levava...». «Mais cedo ou mais tarde, toca a todos», asseverou outrem. «Para andar cá a penar, se calhar mais vale assim», concluiu a vizinha que o ajudava a sobreviver.
Ao funeral do Marinheiro compareceu uma multidão de gente anónima e nenhum familiar. Muitos só então se perguntaram «será que ele tinha família?» Não tinha. E a que tinha estava ali. Os miúdos que tantas vezes tinham gozado com ele nas noites de correria sustinham agora uma lágrima no canto do olho para não darem parte de fracos. Os mais velhos começavam por despedir-se com pena de um velho louco mas acabavam invariavelmente a contar as pessoas presentes no funeral e a desejar, num acto de contrito respeito, ter tantas no seu como o velho louco tinha no dele. Na despedida do Marinheiro, o ar transportava um leve aroma de maresia que todos atribuíam às lágrimas. Suspenso no ar a caminho do Céu, o Marinheiro inalou pela última vez um cheiro terreno, compreendeu finalmente porque razão lhe chamavam assim e deu por bem empregue a sua vida.

Sampaio crítico

É no mínimo curioso e no máximo irónico que um dos pontos mais altos da entrevista do Presidente na RTP tenha sido quando ele disse «eu também digo asneiras». Como se quisesse vir cá abaixo ao reduzidíssimo patamar no qual tem andado mergulhada a discussão política em Portugal nos últimos meses. Não é a primeira vez que o Presidente procura elevar o nível do debate. Oxalá seja ouvido e entendido por todos, jornalistas incluídos.
De resto, também achei interessante que Sampaio tivesse, por um lado defendido o Procurador e tivesse por outro posto as mãos no fogo pelo seu amigo Ferro. A crítica à divulgação das escutas deve preceder as implicações políticas que elas pudessem ter. E mais: a escuta assim divulgada – fora de contexto e fora da lei – não deve ter qualquer validade. Tal como num processo judicial não tem validade a prova ilegalmente obtida. O princípio ético subjacente é o mesmo: não se pode fazer o bem utilizando o mal, os fins não justificam os meios. A única coisa que me repugna na frase «estou-me cagando para o segredo de justiça» é o facto de alguém a ter divulgado.
Por fim, também registei um tom anormalmente crítico em relação à actuação do Governo. Acaso terei sido o único, porque a verdade é que ainda não ouvi quaisquer reacções, quer de comentadores, quer sobretudo do PSD. Há uns meses atrás a frase «há vida para além do défice» foi a afirmação mais arrojada que Sampaio proferiu e perdurou até hoje como chavão principal das suas críticas ao Governo. Mas na entrevista de ontem, o Presidente disse que se investia pouco na educação, que não há políticas estruturais e redução de despesas e aumento de receitas, que a reforma fiscal está atrasada, que a segurança social está falida, que o défice vai ser muito superior ao previsto – até esgrimiu números – e que isso é «muito sério», para usar as suas palavras precisas. No meio disto, Sampaio ainda achou tempo para uma alfinetada pessoal em Manuela Ferreira Leite quando disse «espero que a ministra das Finanças não me venha dizer que não posso falar sobre isto porque não sou economista». E ela, fica-se? E o PSD, fica-se?
Parece-me evidente que o Presidente Sampaio foi ontem mais crítico que habitualmente para com o executivo. E acho que faz o seu papel. Só me preocupa saber porque razão estas críticas surgem mais publicamente agora e não há alguns meses atrás. Será uma reacção aos alegados ataques e evidentes dificuldades do PS? Se sim, shame on you, senhor Presidente.

segunda-feira, outubro 27, 2003

Conversas com astronauta

Segundo a RTP citando um despacho Lusa, 20 crianças portuguesas e espanholas tiveram no domingo a oportunidade de falar via satélite com o astronauta espanhol, Pedro Duque, que como se sabe, se encontra na Estação Espacial Internacional.
A oportunidade é certamente única para as crianças portuguesas seleccionadas, mas o que me pergunto é como terá sido feita a selecção, da responsabilidade a Agência Espacial Europeia. Será que também entraram no processo de selecção crianças gregas? E francesas? Se o leque inicial incluía somente crianças catalãs, galegas, etc, porque razão foram incluídas as portuguesas. Se era para não serem apenas crianças espanholas, porque razão não há outras nacionalidades incluídas para além das crianças portuguesas.
Ou seja, a questão que me preocupa nesta notícia é saber porque é que, numa entrevista a um astronauta espanhol a Agencia Espacial Europeia acha que faz mais sentido juntar portugueses a espanhóis do que franceses a espanhóis ou gregos a espanhóis. Em que língua terão as crianças portuguesas colocado as suas questões ao astronauta espanhol?
A opção da Agencia Espacial Europeia de seleccionar crianças portuguesas para participarem na entrevista aos astronauta espanhol Pedro Duque faz todo o sentido do ponto de vista prático e aparentemente só tem vantagens, sobretudo para as próprias crianças. Mas subjacente a esta decisão está um entendimento da Península Ibérica que, no quadro de uma cada vez maior integração europeia, nos deve preocupar, sobretudo porque vindo de uma entidade exterior. O facto em si nada tem de criticável, muito pelo contrário. Mas o que está por detrás dele é que pode ser preocupante.

Prostitutas colectadas?

Bem sei que a notícia saiu no Correio da Manhã e portanto a respectiva credibilidade merece reparos. Recordo um slogan antigo do Expresso que dizia “Acredite se ler no Expresso” e proponho dois complementares: “Duvide se ler o Correio da Manhã” e “Não acredite se ler no 24 Horas”. Mas, mesmo com dúvidas de credibilidade, a manchete é suficiente forte para captar a atenção quer do povão quer dos outros: “prostitutas podem pagar impostos”.
Se a prostituição deve ou não ser uma actividade legal é uma questão mais ampla que exige uma tratamento mais aprofundado. Mas o que é curioso nesta notícia é o facto de a lei ser taxativa ao considerar que, mesmo que uma actividade seja ilegal, isso não deve obstar a que ela seja colectada. Delirante, sem dúvida. Mas, por outro lado, como a Classificação das Actividades Económicos não prevê a actividade “Prostituição”, ´o próprio funcionário das finanças a recomendar às prostitutas que inscrevam “serviços não especificados” no lugar da actividade exercida.
Ou seja, por detrás deste “serviços não especificados” perpassa o que de pior pode existir na hipocrisia social de um país. As prostitutas são toleradas, podem até pagar impostos, mas não podem escrever no documento fiscal oficial aquilo que realmente fazem.
Duas medidas obviamente se impõem. A primeira é reformular a lei que permite esta anedota social: uma coisa que é ilegal não pode obviamente ser tributada. Senão está tudo louco.
A segunda medida é debater a fundo o problema da prostituição. Com alguma ironia até se podia argumentar se não seria de aproveitar a embalagem de artigos como o da Time para fazer deste um sector estratégico da nossa economia, obviamente legalizado e com apoios do Estado. Mas, mais a sério, impõe-se perguntar: para as prostitutas, para os clientes, para a segurança da actividade e para a clarificação da imagem que o país tem de si próprio, não seria melhor que tudo se passasse segundo regras claras e com transparência? Esta é uma pergunta, não é uma resposta.

quinta-feira, setembro 11, 2003

Lógica

Um silogismo para o presidente do IEP:

1. Naquela ponte não era possível prever o desabamento;
2. Há 28 pontes iguais espalhadas pelo país;
3. Logo, há 28 pontes que podem cair a qualquer momento e sem aviso prévio.

Bela conclusão !!!

quarta-feira, setembro 10, 2003

Penetrações

Depois das férias o trabalho acumulou-se e o blog parou. Ainda soterrado em toneladas de problemas, não resisto a registar, registar só, a manchete de hoje do Correio da Manha: “Vi uma dupla penetração”, citação de alguém que viu a famigerada cassete pornográfica da RTP que afinal parece que não tinha crianças. A notícia não é o facto de afinal a cassete não ter crianças mas o facto de alguém ter visto uma dupla penetração.
Mais abaixo, num pequeno quadrado, em mais um fait-divers do Big Brother, a mãe de um concorrente explica que é “auxiliar de limpeza” e não prostituta, como se alega. A juntar à outra cujo pai tem uma sex shop, temos indícios mais que suficientes para esperar excelentes cenas de sexo, com penetração dupla ou simples.
O 24 Horas, esse vai ainda mais longe e anuncia “Tudo sobre a cassete pornográfica”: uma descrição minuciosa, com todos os detalhes, do conteúdo fílmico. De uma vez por todas, mais valia que transmitissem o raio da cassete. Já falaram com a TVI?

quinta-feira, julho 31, 2003

O futebol como sector estratégico da economia

Ricardo Quaresma já começou a dar nas vistas no Barcelona. Não é propriamente que seja caso para espicaçarmos o orgulho nacional, mas não deixa de ser agradável verificar que mais um jovem futebolista português se está a afirmar no espaço ocupado pelos melhores da sua profissão a nível mundial. Deve suscitar-nos o mesmo grau de satisfação que os prémios atribuídos aos nossos melhores escritores, cientistas ou artistas. Nem mais nem menos. A satisfação não deve ser maior por eles serem futebolistas, mas também não deve ser menor por isso.
Mas a emergência de mais uma estrela portuguesa nos relvados europeus suscita outra reflexão. Para mim, a facilidade e regularidade com que Portugal produz talentos futebolísticos de projecção internacional é um fenómeno para o qual ainda não ouvi uma explicação capaz. Não tem qualquer correlação com o número de habitantes, nem com o número de praticantes, e muito menos com a oferta de campos de treino e outros equipamentos de apoio. Uma explicação plausível pega na velha questão de o futebol ser o desporto típico dos países pobres. Brasil, países da América do Sul, alguns países africanos, etc. Na Europa são tradicionalmente os países mais pobres, do sul, que produzem os jogadores mais talentosos. Mas esta é uma explicação apenas parcial. Há inúmeros países no mundo tão ou mais pobres que Portugal, que não têm, nem de perto nem de longe, o mesmo número de jogadores nos principais campeonatos europeus.
Mas, independentemente da explicação, o raciocínio leva-nos quase inevitavelmente a outra reflexão: se compararmos os futebolistas de alta competição a uma mercadoria, então concluímos que Portugal é exportador de talentos futebolísticos da mesma forma que é exportador de cortiça ou vinho de qualidade. É verdade que como uma balança de transacções deficitária, importa mais do que exporta, mas com exportações de qualidade e grande valor unitário.
Pergunto então: se produzimos jogadores de qualidade, em quantidade, sem fazermos nada por isso, o que aconteceria se estimulássemos e cuidássemos devidamente desse sector exportador como fazemos (ou devíamos fazer) com os restantes? Certamente exportaríamos mais e importaríamos menos. Mais jovens talentos despontariam e seriam vendidos para Espanha ou Itália e menos brasileiros de valor duvidoso seriam importados. Mais ainda: se já hoje é presumível que uma transferência de 10 milhões de euros, como a de Quaresma, deve ter algum efeito, mesmo que mínimo, nas contas nacionais, não seria desejável multiplicar na medida do possível esse efeito? E o que dizer das transferências de emigrantes de luxo pagos a peso de ouro como Figo, Rui Costa, Fernando Couto ou Sérgio Conceição? Não terão elas já hoje um efeito que poderia ser multiplicado se exportássemos ainda mais jogadores do que exportamos?
Moral da história: não sei se o recente relatório sobre o futebol português profusamente citado pelo major Valentim Loureiro integra ou não este tipo de contabilidade e análise prospectiva, mas parece-me que, objectivamente, este podia ser um sector estratégico da nossa economia em vez de ser apenas um epifenómeno que ninguém consegue explicar cabalmente.

quarta-feira, julho 30, 2003

Bravo, Francisco José Viegas !

Leio a Grande Reportagem e rejubilo com a posição de Francisco José Viegas sobre a presença do jovem deficiente mental conhecido como «emplastro» no programa do Herman José. Não vi o programa é já sei que a polémica é datada, mas o que me interessa aqui é subscrever na íntegra a posição assumida por FJV sem lhe mudar uma palavra que seja. Herman José é um dos grandes responsáveis pela promoção da mediocridade nacional e provou mais uma vez que em televisão pode sempre descer-se mais baixo. E não me venham com histórias de produções, audiências, contratos, etc. Cada um de nós é responsável pelos seus actos e Herman José responde pelos seus.

terça-feira, julho 29, 2003

Media e segredo de justiça

No debate relativo ao segredo de justiça, parece-me que o Presidente usou de bom senso ao afirmar que o sistema judicial devia comunicar mais e melhor com os meios de comunicação social. Ao tratar deste assunto é inegável que estamos perante dois «mundos» bastante diferentes. O mundo da justiça é muito fechado sobre si mesmo de forma a proteger o andamento das investigações e o bom nome e privacidade das pessoas envolvidas, acusados e vítimas. O mundo dos media, pelo contrário, é extremamente aberto, cada vez mais aberto, e dinâmico. Do encontro entre estes dois «mundos» resulta aquilo que já todos sabemos: informações dispersas e não fundamentadas, especulações, citações cruzadas entre meios de comunicação, e muita desinformação. Algo que acaba por não servir aos media nem ao sistema judicial.
No estado actual da situação, parece-me evidente que deve ser o sistema judicial a fazer uma aproximação mais adequada ao mundo dos media, comunicando por canais específicos para o efeito aquilo que possa ser comunicado sem prejuízo do bom andamento das investigações ou da preservação da privacidade das pessoas. Claro que o que pode ou não pode ser divulgado dependerá de cada caso em concreto, mas parece-me evidente que será sempre mais do que acontece hoje, em que o mutismo oficial é quase total.
Mas desengane-se quem pensa que uma abertura judicial nesta matéria será suficiente para satisfazer a voracidade dos media actuais. Há diferentes tipos de meios de comunicação que só por si procuram diferentes tipos de informações. Um jornal tablóide como o 24 Horas, por exemplo, quererá sempre saber detalhes que o sistema judicial nunca divulgará. E publicará sempre os detalhes que achar convenientes, confirmados ou por confirmar. Uma televisão comercial, por seu lado, desejará sempre conhecer a identidade da vítima de um processo mediático para poder fazer uma entrevista de grande audiência no prime-time, por exemplo. Mesmo um jornal de referência como o Público quererá
Parece-me, repito, que o sistema judicial deve promover alguma abertura em termos de comunicação com o exterior e dotar-se dos meios necessários para o fazer preservando o máximo possível daquilo que entende, e bem, que deve preservar. Mas fazer concessões nesta matéria é como abri uma caixa de Pandora. É preciso traçar uma linha. Para os agentes do sistema judicial essa linha estará provavelmente longe de mais; para os media ela estará de certeza muito aquém do que acham que precisam para corresponder aos desejos dos leitores ou dos telespectadores. Ou seja: o problema não acaba quando se mudarem as regras do jogo. E porquê. Simplesmente porque o jogo continua.

Presidente indeciso?

É impressão minha ou o Presidente Sampaio concordou com alterações à legislação das escutas telefónicas e do segredo de justiça e até as estimulou, sob a defesa do «quando os legisladores acharem oportuno»? Então não foi ele que há bem pouco tempo tinha afirmado, com maior clareza do que agora, que não se deve legislar «a quente» sobre estas matérias? Em que ficamos senhor Presidente? Eu tenho dúvidas sobre se devemos legislar agora ou mais tarde. Vejo-me amíude a concordar com aqueles que dizem que não se deve alterar a legislação agora porque as pressões exercidas seriam excessivas e poderiam influenciar negativamente as escolhas efectuadas. Mas no minuto seguinte dou comigo a concordar que a situação está insustentável, que a mundança é urgente e que os agentes políticos têm que saber resistir às pressões, que aliás existirão de qualquer modo, hoje ou amanhã. Eu posso ter estas dúvidas. É um luxo que me assiste. Mas acho que o Presidente não pode. Pelo menos na forma como eu vejo a função, ao Presidente da República é exigível que mantenha ideias claras sobre a nossa evolução como comunidade. O Presidente tem que ter um sentido de rumo, uma visão estratégica do país e uma noção clara de quais os obstáculos que se nos levantam nesse caminho, sobretudo quando se trata de garantir que o sistema judicial funcione correctamente.

Procura-se: de preferência morto

Segundo um despacho da agência Lusa citado pela RTP, Richard Armitage, secretário de estado adjunto norte-americano, afirmou que se a captura de Saddam se revelar demasiado perigosa para os militares americanos, então ele deve simplesmente ser morto. É verdade que esta afirmação não passa da consequência lógica o «Wanted: Dead or Alive» que o próprio presidente encenou na televisão quando anunciou uma recompensa pela captura do ex-ditador iraquiano. Mas a crueza da informação agora veiculada, deixou-me ainda assim perplexo e suscitou-me uma reflexão pessimista: o mundo não se emenda enquanto a sua maior potência não aderir à civilização.

Responsabilização dos jornalistas

Leio no DN o editorial de Francisco Azevedo e Silva segundo o qual «importante não é proibir o jornalista de informar, é sim responsabilizá-lo pela notícia que dá. É ele o autor e não as fontes que cita ou omite. É ele que tem de responder perante todos(...)». Muito bem! Concordo inteiramente. Por isso é que recordo as manchetes antagónicas do Público e do DN no calor da detenção de Carlos Cruz. Se bem me lembro, o primeiro escreveu que havia apenas prova testemunhal, o segundo pôs em primeira página a informação de que a prisão de Carlos Cruz era sustentada com prova documental. Ora, as duas coisas são bem diferentes, tanto do ponto de vista jurídico como do ponto de vista jornalístico, que é aquele que aqui me interessa. Qunado o caso começar a ser julgado, naturalmente saberemos a resposta.

segunda-feira, julho 28, 2003

«Palhaçada» madeirense

«Levantem bem alto o pau...» «...da bandeira do PSD». Segundo o Público eram assim a frente e verso das t-shirts usadas por algumas jovens no comício do PSD madeirense em Chão da Lagoa. Como brejeirice até tem piada, com a vantagem de não ter efeitos políticos associados. O problema é o rol de outra brejeirices, com óbvias leituras políticas, que Alberto João e seus acólitos debitaram durante o comício.
Ou seja, como Alberto João Jardim até tem alguma piada, provavelmente devia fundar uma empresa de conteúdos humorísticos para acabar de vez com o monopólio das Produções Fictícias. Mas o que não devia era ser presidente do governo regional. A sua veia humorística fica bem a um país cinzento como Portugal, mas o manto de impunidade de que se rodeou fica mal à nossa auto-estima como país e como nação. Acho eu.
Mas este parece-me muito mais um problema dos madeirenses do que meu ou de qualquer continental. Da mesmo forma que os problemas do Alqueva são mais dos alentejanos do que dos transmontanos. São de todos, mas são mais de uns do que de outros.
Por isso não consigo esquecer uma colga que tive na faculdade, madeirense de gema orgulhosa da sua origem. Estudava jornalismo em Lisboa mas queria regressar à Madeira para exercer por lá a profissão. Na altura já Alberto João Jardim era o humorista que é hoje e quando a confrontávamos com o facto ela limitava-se a encolher os ombros como quem diz: «ele sempre foi assim e sempre há-de ser assim, mas luta como ninguém pelo melhor para a região» (leia-se «transferências do Orçamento de Estado»).
Não sei se ela regressou ou não à Madeira, mas espero sinceramente que não seja hoje uma das marionetas da imprensa regional. Como disse antes, acho que o «problema AJJ» é primeiro que tudo um problema dos madeirenses e tenho visto poucas vozes de madeirenses a levantarem-se contra esta “palhaçada”, usando uma palavra muito utilizada pelo próprio Alberto João.

sexta-feira, julho 25, 2003

Manchete assustadora

Eu não costumo prestar muita atenção ao Correio da Manha e a primeira coisa que me pergunto sempre que lá leio uma notícia é: «será verdade?». Mas juro que ontem senti um arrepio na espinha quando vi a manchete «Testemunha tenta matar-se» a propósito do caso Casa Pia.
Temi imediatamente que a testemunha se tivesse tentado matar por estar agora com dúvidas sobre os depoimentos incriminatórios anteriores. Depois de tantas insinuações sobre compra de testemunhas, até eu, que acredito na justiça, já dou por mim a duvidar da solidez do caso Casa Pia. E a temer pelas consequências caso se descubra que afinal as actuais arguidos eram todos, ou quase todos, inocentes injustamente incriminados por testemunhas carentes de atenção, de protagonismo ou simplesmente de dinheiro. Isto é, parace-me, do pior que poderia acontecer à justiça em Portugal e ao país como um todo. Que consequências resultariam do facto de toda uma comunidade deixar de acreditar no seu sistema judicial? Do meu ponto de vista a ideia é assustadora. Suficientemente assustadora para me provocar um arrepio na espinha quando vi aquela manchete. Felizmente as razões do acto terminal do jovem foram outras, mas não apagaram a sensação estranha de que uma calamidade destas pode mesmo acontecer. Ou, tão mau ou pior do que isso, a sensação de que acontecerá mesmo que os acusados sejam inocentes.

quinta-feira, julho 24, 2003

Público x DN: escutas ou não escutas?

Folheei hoje com alguma curiosidade adicional o DN à procura de uma reacção à polémica das escutas telefónicas a Ferro Rodrigues, mas nada. Estive quase para comentar o facto no Sábado (foi sábado?), quando o Público fazia notícia de o secretário geral ter continuado a ser escutado depois da detenção de Paulo Pedroso (e de essas escutas terem servido para prolongar essa detenção). Não pela notícia, como é óbvio, mas pelo facto ter chamada à primeira página e ser quase toda construída no condicional: “terá sido”, “pode ter sido”, etc.
Depois, na terça-feira, segundo julgo, o DN e o JN (estratégia de grupo ?) noticiavam que Ferro nunca mais tinha sido escutado desde a detenção dos seu camarada. Na altura achei estranha a notícia – que valor tem como notícia senão o de desmentir um concorrente? – mas mais ainda a contradição entre dois jornais que se pretendem sérios e respeitáveis. Afinal, bem vistas as coisas, um deles estava a mentir. Acredito que por defeito de informação, mas ainda assim a mentir.
Mas não tive tempo para abordar o assunto e adiei o comentário para o dia seguinte. Claro que na quarta-feira fiquei tão espantado como deve ter ficado o director do DN perante o detalhe da confirmação da notícia do Público. Números de escuta, número de alvo, tudo muito detalhado, mas ainda assim com boa parte da notícia no condicional. Se repararem aparecem várias vezes as malfadadas expressões “terá sido”. Estive quase a opinar sobre o assunto mas acabei por adiar mais um dia, agora sim, especificamente à espera da reacção do DN. E eis que folheando o jornal de um ponta à outra não encontro nada. Quando li o título do editorial – “À procura da verdade” – ainda pensei que fosse sobre o assunto. Mas não! Ao director Bettencourt Resendes pareceu mais acertado falar sobre o caso David Kelly/BBC do que sobre o caso Público/DN. Defraudou os leitores atentos e preocupados com estas questões.
Cheira-me que esta história ainda vai dar que falar, mas mesmo assim arrisco um comentário. Claro que o Público deu 10 a 0 nesta matéria. A notícia era extensamente documentada e o Procurador da República já veio conformar toda a mecânica das escutas que o Público relatou sem contudo confirmar se sim ou não tinha havido escutas. Parece portanto que o Público estava certo e o DN redonda e inapelavelmente errado naquilo que chamou à primeira página na terça-feira num indisfarçável afã de deixar mal o seu competir jornalístico. Shame on you!!!
Mas o Público também esteve mal na forma como construiu as suas notícias, com muito discurso no condicional, daqueles que deixam dúvidas no leitor. "Terá sido"? Mas isso significa o quê? Que foi ou que não foi. O jornalismo deve ser factual e não convencional. Claro que percebo que, a respeitar integralmente essa regra, o jornalismo ficaria mais pobre e muitas das notícias importantes não chegaria à estampa. Por isso acho admissível fazer notícias no condicional quando estamos perante a conjugação de um tema de grande importância com informações não cabalmente confirmáveis. Mas não me parece que algo deste género deva ser chamado à primeira página. Porque se o fizermos estamos a utilizar um engodo. Estamos a seduzir leitores com algo de que não temos a certeza. Pode-se argumentar que se uma coisa é boa para estar lá dentro também é boa para estar na primeira página. É um bom argumento. Mas o pudor dos responsáveis do jornal, enquanto jornalistas, é que deve levá-los a não o fazer, primeiro que tudo porque as vendas em banca não devem sequer ser neste caso um critério a considerar. Claro que na realidade não é assim que funciona. Mas devia ser.

terça-feira, julho 22, 2003

Armstrong e companhia

O ciclismo ainda é um caso à parte no panorama dos desportos profissionais de alta competição. Na etapa de ontem da Volta à França, Lance Armstrong chocou com um descuidado – muito descuidado – espectador e caiu. E o que fez o restante grupo em fuga, no qual se incluía Jan Ulrich, segundo na geral e principal adversário de Armstrong na actual fase da prova? Simples. Esperou pelo americano para voltar ao ritmo anterior. Resultado: Armstrong venceu a etapa e ganhou uma vantagem que poderá revelar-se decisiva para conquistar a Volta à França, mas os seus companheiros, entre os quais Jan Ulrich, deram ao mundo uma lição de desportivismo e demonstraram que este pode ser compatível com o desporto de alta competição. Muito bem!

sexta-feira, julho 18, 2003

O Código de Conduta do Expresso

O que me preocupa no Código de Conduto do Expresso não é o seu conteúdo. Cada um dos parágrafos do documento suscitaria decerto por si só uma discussão, mas globalmente até concordo com eles. O que me preocupa é que um órgão de informação, qualquer que ele seja, decida implantar o seu próprio Código de Conduta. Existe um Código Deontológico do Jornalista que em princípio devia ser praticado por todos os jornalistas, incluindo os do Expresso, e que portanto obviaria à necessidade de existir um código do próprio jornal. Porque, das duas uma: ou a direcção do Expresso concorda com o actual Código Deontológico dos Jornalistas e portanto mais não tem que fazer do esperar calmamente que os seus profissionais por ele se rejam; ou o Expresso não concorda com o actual Código Deontológico dos Jornalistas e então tem que esperar que os jornalistas enquanto classe tratem de o mudar. Bem vistas as coisas, nem sequer é atribuição do jornal nem da sua direcção pronunciar-se sobre questões deontológicas. Essas questões são da responsabilidade dos jornalistas enquanto tais - e não enquanto funcionários do Expresso - e dos seus órgãos representativos.
É claro que todos sabemos que em muitos órgãos de informação - a maioria? -o Código Deontológico dos Jornalistas não é cumprido. Mas isso não dá direito a nenhum órgão de desvincular os seus jornalistas do seu cumprimento. Ao criar um Código de Conduta próprio - repito que nem discuto a bondade dos princípios que lhe estão subjacentes - o Expresso colocou os seus jornalistas perante uma dupla fidelidade. Nos casos, mesmo que sejam raros, em que um comportamento em concreto do jornalista tenha dois enquadramentos diferentes no Código de Conduta do Expresso e no Código Deontológico dos Jornalistas, qual deles o jornalista vai respeitar? Não sei se o Conselho de Redacção do Expresso foi ouvido ou participou no processo de criação deste Código, mas gostaria de conhecer a respectiva posição nesta matéria. Ou será que os jornalistas do Expresso acham que devem ser um caso à parte, colocados num pedestal acima de todos os seus colegas de profissão? Se no mundo lá fora ninguém respeita o Código, então criamos um Código só para nós!
No fundo o que parece é que criar um Código de Conduta próprio é para o Expresso afinal não mais do que um instrumento de marketing destinado a promover a sua imagem de isenção, objectividade e protecção da privacidade das pessoas que são objecto de notícia. E se cada órgão tiver o seu próprio código de conduta, na verdade não haverá um único código que seja válido. Se hoje cada órgão de informação tivesse um código diferente eu juro que não saberia - porque não conheço suficientemente bem estes órgãos - quais os princípios por que se regem os jornalistas do Euronotícias, da NTV ou da Rádio Renascença. E então não saberia como receber as notícias por eles veiculadas.
É evidente que o Código Deontológico dos Jornalistas não é respeitado em muito do que se publica ou se transmite hoje. É evidente que há grosseiras confusões entre notícia e entretenimento e entre informação de interesse público e busca de audiências. Mas este é um problema internacional e da sociedade moderna no seu todo, que está longe de poder ser resolvido por uma posição de um ou mesmo múltiplas posições de muitos órgãos de informação. Muito pelo contrário. Nesta matéria qualquer posição individual só serve para atomizar uma batalha que verdadeiramente só tem possibilidades - mesmo assim remotas - de ser vencida num esforço colectivo.

terça-feira, julho 15, 2003

Estatuto editorial

A ideia de ter uma página onde expressar as mais diversas opiniões sobre a actualidade social, política , cultural e desportiva já era antiga e deu origem a algumas tentativas falhadas de criação de um site hospedado no Terràvista. O site devia chamar-se Opinião.com e estar aberto a todas as participações cujo único constrangimento fosse tratarem-se de ideias interessantes. Nada mais.
Infelizmente a manutenção de um site é exigente, tanto em conhecimentos como em tempo. E eu não tenho nenhum dos dois. Por isso, quando descobri a realidade dos blogs - há poucas semanas numa polémica no DNA - pareceu-me interessante experimentar, sobretudo porque me parecia uma maneira fácil de o fazer. No momento em que escrevo ainda estou a descobrir como isto funciona, e por isso não tenho nenhuma certeza e duvido que consiga manter a periodicidade que posts que me parece desejável. Mas mesmo assim, aqui vai.
O nome "alma mater" tem vários sentidos em nome dos quais foi escolhido, embora também possa ter muitos outros que, embora agora não me ocorram, podem ser tão ou mais pertinentes. As opiniões podem ser mais originais ou menos originais e mais profundas ou mais superficiais. Por mim, sempre senti a tentação de procurar o sentido último das coisas, o porquê por trás do porquê, mesmo que o ponto de partida fosse o mais simples e aparentemente inócuo fait-divers. E não tenho dúvidas que por detrás de cada acção e de cada comportamento está uma ideia. Por isso procurar o encadeamento de razões até à razão última, no fundo procurar a mãe de todas as ideias, a alma do mundo. Sei que parece demasiado metafísico, mas também me parece que este mundo precisa urgentemente de metafísica. Ao mesmo tempo, o nome "alma mater" serve também para prestar homenagem a um dos mais brilhantes discos que já ouvi em toda a minha vida e ao seu autor: Rodrigo Leão. Neste blog vão aparecer opiniões suscitadas pelas matérias da actualidade social, política, cultural e desportiva sem nenhum critério especial que não seja a procura das explicações mais profundas para os fenómenos observados. Não é um blog de tomadas de posição é um blog de tomadas de opinião. Por isso, a opinião pode ser hoje uma e amanhã outra sem nenhuma necessidade de coerência, absolutamente nenhuma. Por isso este blog não é de esquerda nem é de direita. Sempre me considerei uma pessoa de esquerda, mas há muitos anos que isso não me impede de ver - sempre - os dois lados da questão. Muitas vezes a dificuldade maior até mesmo decidir com qual dos dois estou. Este não é um blog de humor. As opiniões expressas são sérias; sempre que possível ou desejável escritas com ironia, mas sempre sérias.
Neste blog aparecerão também ficções e recensões. Ficções curtas, normalmente pequenos textos que não chegam a ser contos e que nascem simplesmente porque encontram um caminho para se materializarem em letras e palavras; e recensões do que quer que seja que mereça ser "propagado": livros, discos, filmes, etc.
Obrigado pela atenção.